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O PL garante proteção integral ao feto e oferece mais possibilidades de escolha à mulher que vive uma gravidez resultante de um estupro.
O PL garante proteção integral ao feto e oferece mais possibilidades de escolha à mulher que vive uma gravidez resultante de um estupro.| Foto: Bigstock

A última escalada das publicações feministas não foi bem aceita nem nas esferas mais progressistas. Trata-se de um livro chamado "Full Surrogacy Now - Feminism Against Family" (Barriga de Aluguel para Todos - Feminismo contra a Família), da geógrafa inglesa Sophie Lewis. A escritora propõe de uma forma nova ideias que já circularam antes: o fim da família e o fim do conceito de maternidade como libertação da mulher.

Na década de 70, a segunda onda do feminismo já visitou essas ideias, mas de forma diferente. Shulamith Firestone defendeu, em A Dialética do Sexo, que a família era uma forma de perpetuação da posição inferior da mulher na sociedade. Essas ideias ecoaram até a década de 80, mas ressurgem agora sob um outro ponto de vista.

Sophie Lewis defende que gravidez e parto sejam tratados como um trabalho produtivo e que os vínculos familiares sejam abolidos.

A história toda começa na discussão sobre barrigas de aluguel, algo bem quente nos Estados Unidos e Europa depois que se descobriu uma indústria em países pobres para produzir filhos de ricos. No Brasil, a legislação é mais rígida e exige vínculos afetivos entre a mãe biológica e a mulher que vai engravidar. Não é permitido pagar por isso como se faz em muitos países.

Há muitas críticas ao mercado de barrigas de aluguel, majoritariamente composto por mulheres de países muito pobres, sem outra alternativa de subsistência, que levam a gravidez com acompanhamento médico e alimentação precários. O pensamento mais comum é que esse mercado viola os direitos das mulheres. A proposta da escritora é, em vez de reduzir as barrigas de aluguel, tornar todo parto uma espécie de trabalho.

Não haveria mais maternidade nem núcleos familiares. Viveríamos em lugares maiores com um sistema universal de cuidado que pudesse dar a todos o amor e o apoio que muitos não conseguem ter dentro da própria família. Não seria mais necessário criar o filho gerado, a maternagem seria de todos para todos.

Difícil entender que se chame de feminismo algo que ignora a experiência única de amor que é a maternidade, biológica ou não. Seria possível reproduzir esse mesmo vínculo afetivo de forma diferente? Não sei, nunca a humanidade fez.

A família é reconhecida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos porque, em todas as culturas, é tida como a célula natural de formação da sociedade. Sophie Lewis defende que não, trata-se de algo cultural que pode e deve ser desfeito em nome do feminismo.

A forma como é descrito esse mundo em que todos cuidam de todos me lembra muito a experiência tribal, seja árabe, indígena ou africana. Conheci uma, em particular, muito interessante no interior de Angola: as famílias aumentadas. Devido às enormes perdas humanas na guerra civil, algumas famílias passaram a se unir para que todos assumissem os filhos e aquelas crianças não ficassem desprotegidas.

Suponha que haja dois homens e seis mulheres. Todos eles têm filhos e estão no meio de uma guerra sangrenta. Organizam-se como se todos os adultos fossem casados entre si e os filhos fossem de todos. Quando, recentemente, o governo tentou impor o registro civil das crianças, a maioria das pessoas nessa situação não queria revelar quem eram os pais biológicos da criança. Trata-se de adaptação por necessidade. Mas, mesmo nesse tipo de organização da sociedade, o amor e o afeto familiar são presentes.

O que parece estranho é que o mundo ideal da publicação feminista seria semelhante ao tribal, justamente aquele existente nos lugares em que as mulheres são mais oprimidas historicamente.

Só deixou de parecer estranho quando li a crítica da autora ao seriado "The Handsmaid Tale" (Contos de Aia). Trata-se de uma ficção em que as mulheres deixam de ter direito a propriedade, controlar dinheiro, trabalhar e até ler. Apenas umas poucas ainda são férteis, então são recrutadas e oferecidas como escravas sexuais aos homens da elite, para gerar os filhos que eles criarão com as mulheres deles. Sophie Lewis diz que é uma utopia feminista.

"Ao prometer que uma soliedariedade feminista "universal" (ignorando trans) automaticamente floresceria no pior de todos os mundos, a distopia funciona como um tipo de utopia: a visão da vasta maioria das mulheres finalmente vendo a luz e se reconhecendo feministas porque a sociedade começou sistematicamente a tratar como gado todas elas, não somente as mulheres negras", escreveu a autora de "Full Surrogacy Now - Feminism Against Family".

Se algo bom para o feminismo é um pesadelo para as mulheres, então qual seria a utilidade desse feminismo? Deixo a pergunta no ar, não tenho nível espiritual para responder.

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