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Frente Ampla pagou o preço da arrogância nas eleições do Congresso
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A eleição para as duas mesas do Congresso foi mais um 7 x 1 do bolsonarismo. O que será de um governo que fica nas mãos do Centrão? Várias análises podem ser feitas com base em eventos passados, mas nunca tivemos um presidente do Centrão, apoiado pelo criador do Centrão com as duas casas do Congresso presididas por quem ele apontou como candidato no Centrão. O tempo dirá como esse casamento vai andar. Para quem anda esquecido, Rodrigo Maia também foi o candidato apoiado por Bolsonaro.

A tal da Frente Ampla está na UTI, inconsciente e respirando por aparelhos. Como ninguém era bom e limpinho o suficiente para estar na Frente Ampla, foram feitas 10 Frentes Amplas diferentes, cada uma com uma pessoa só e o objetivo de provar que está mais certa que a outra Frente Ampla. Apontam sistematicamente defeitos inaceitáveis umas nas outras e consideram-se acima das falhas dos mortais. Enquanto celebram o próprio umbigo, o bolsonarismo ganha aliados.

Justiça seja feita, quem mais demonizou o Centrão nos últimos tempos foi o próprio Jair Bolsonaro. Enquanto seus oponentes viam atitude como cuspir no prato em que comeu durante 7 mandatos consecutivos, o Centrão via oportunidade. São pragmáticos. Não ligam para grito, xingamento, nota de repúdio, difamação. Não ligaram nem para a paródia "se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão", entoada pelo General Heleno. Querem ver atitude.

Cabe aqui recuperar a história do Centrão, já que nós, brasileiros temos memória curta e traiçoeira, só lembramos do que queremos. O bloco foi criado com este nome durante a Assembleia Nacional Constituinte. Era algo completamente informal e foi essencial para que tivéssemos uma Constituição. A esquerda não se entendia com a direita de jeito nenhum. Pelo andar da carruagem, além de treta e dedo apontado, perigava não sair mais nada da Constituinte.

O Centrão surge para encontrar pautas convergentes e tentar escrever uma Constituição. Roberto Jefferson, que havia sido advogado do programa O Povo na TV, tinha experiência de botar ordem em bagunça. O televisivo lançou para o Brasil meu ídolo Sergio Mallandro, Christina Rocha, Wagner Montes e Mara Maravilha. Quem segura essa turma doma deputado. Assim foi e permanece até hoje.

É como se tivéssemos dois Congressos dentro do Congresso. O primeiro deles é o andar de cima, o dos parlamentares-mariposa. São assim chamados porque saem correndo assim que vêem uma luz de câmera acender. Hoje temos também os deputados que não exercem mandatos, exercem lives nas redes sociais. Enquanto esse circo briga para ver quem é mais puro e quem está mais certo, o Centrão faz o Congresso andar. Jair Bolsonaro sempre foi Centrão e jogou o jogo.

Muito mais importante para o bolsonarismo que a eleição de Arthur Lira é a manobra que ele fez para controlar completamente a mesa diretora. Conseguiu fazer PSDB e DEM embarcarem publicamente na ideia. Jogada de mestre. Sem Rodrigo Maia na presidência, em quem será pendurada a culpa de não fazer as reformas que o Brasil precisa. A temporada de caça aos tucanos está próxima. Subestimar o Centrão nunca foi bom negócio.

Arrogância é bicho que come o dono. O PSOL, por exemplo, expôs disputas internas para lançar uma candidatura inviável. Quis continuar fazendo proselitismo político para os eleitores de esquerda enquanto os outros partidos de esquerda faziam política. Foi mais uma pedra no castelo construído por Arthur Lira com o controle total da mesa. Agora, o partido fez uma Nota de Repúdio. Como sabemos, é tiro e queda.

Só fiquei triste porque Rodrigo Maia não fez nenhuma Nota de Repúdio de despedida. Era o mínimo que esperávamos dele. Filho de família tradicional na política, assumiu a Câmara pelas mãos do bolsonarismo, como indicado de Jair Bolsonaro. Rapidamente foi promovido a rival. Aliás, no parlamento, há vários bolsonaristas promovidos a rivais nos últimos tempos. Alguns, inclusive, com candidaturas incendiárias e pirotécnicas. Mas quem manda é o Centrão.

Após a vitória, o presidente da Câmara promoveu um covidário dançante que apelidou de festa. Gente importante que o xingava até poucas horas atrás sacolejava música brega no meio de luz colorida, bebida cara e abraços mais falsos que nota de R$ 3. O coronavírus agradecia a recepção calorosa, nem todo país deu a ele tanto carinho quanto o nosso querido Brasil. Juntou 300 pessoas nessa cafonalha. A Frente Ampla não conseguiria encher uma kombi. A diferença está aí.

Como mães que esperam ansiosas a primeira palavra dos pequenos, nós hoje aguardamos ansiosos o primeiro tweet de um político após assumir um cargo. O de Arthur Lira foi um aceno para cristão desavisado, novo no ramo ou que ainda não chegou naquela parte da Bíblia em que Jesus encontra com os fariseus no templo. Postou um dos salmos mais famosos, o 23. Coincidência ou não, o Salmo foi escrito pelo rei David, quando estava em um oásis cercado pelo Exército inimigo. Ele descansa no que é certo e colhe a vitória. Come um banquete na presença dos inimigos derrotados.

O Brasil tem uma Constituição Federal feita sob medida para um regime parlamentarista, pelas mãos do próprio Centrão. Muitas das figuras originais ainda permanecem em cena. Há um problema grave no equilíbrio de poderes, já que duas posições distintas, a de Chefe de Estado e Chefe de Governo, ficaram condensadas em uma única figura. Some-se a isso o nosso apetite por ver o circo pegar fogo. Brasileiro não vota a favor, vota contra e para espezinhar algum conhecido.

Qualquer que seja o julgamento moral sobre o centrão, há um fato: ele sabe chegar ao poder e manter o poder. Utiliza os piores métodos e raramente há consequências, como houve no caso de Eduardo Cunha. Nós, cidadãos, reclamamos com razão. Mas os demais políticos foram eleitos exatamente para mudar esse estado de coisas. Isso não vai ser feito com Nota de Repúdio, videozinho lacrador nem perseguição de adversário. Dizem que a maior insanidade é continuar fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. Depois de ontem, temo que vá faltar camisa de força.

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