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Interferon x coronavírus: “vacina” cubana ou medicamento testado pela OMS?
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Há algumas semanas, surgiu nas redes sociais a notícia de que Cuba havia produzido uma vacina que curava coronavírus. Obviamente era uma confusão porque vacina não cura, previne. Na verdade, eram dois anúncios diferentes e misturados e é comum que a confusão seja feita por quem não tem experiência prática na atuação em epidemias e pandemias: são muitos detalhes e realmente, se você tem pouco conhecimento, parece que a história fecha, é simples.

O primeiro anúncio, feito pelo Ministério da Saúde de Cuba, é que eles têm um “candidato vacinal” na pesquisa. Isso quer dizer que definiram qual é o animal mais adequado para a testagem da vacina que estão desenvolvendo contra o coronavírus. É um estágio de evolução bem anterior ao da testagem em humanos, que está também sendo feita por pesquisadores em outros países.

O outro anúncio, feito tanto por Cuba quanto pela China, é o da exportação de interferon da ilha para servir de tratamento experimental dos doentes de coronavírus. Entre as 4 terapias que estão nos dois pools internacionais de Estudos Clínicos Randômicos conduzidos no momento, Solidarity e Discovery, há uma que usa também interferon, mas combinado com dois antivirais. Trata-se de dois interferons diferentes. Só a China está usando o cubano e não faz parte do pool internacional, testa sozinha 30 diferentes terapias.

O interferon cubano é o Alfa 2b e a história dele começa em 1981, quando Fidel Casto se encontra com um médico do Texas que fala dessa nova terapia contra o câncer que estava desenvolvendo. Ele resolveu duas epidemias na ilha no mesmo ano: dengue hemorrágica e conjuntivite hemorrágica. Só que ainda não era possível a fabricação por lá em larga escala. Isso foi conseguido anos depois, com modificação genética e a ajuda de um cientista de Helsinki.

Depois da recombinação genética, o interferon cubano já curou hepatites B e C, papilomavírus, herpes, leucemia, câncer de pele, câncer de bexiga, câncer nos rins, hemangioma infantil, melanoma, tumor no ovário e se provou um antiviral potente. Ainda não se sabe qual o efeito tem no coronavírus, mas os médicos chineses resolveram testar. É importante deixar claro que essas terapias são complementares às demais terapias, já suficientes para curar a maioria das pessoas.

O interferon que está sendo utilizado nos estudos liderados pela OMS e pelo Governo da França é o Interferon beta. Este ano, um estudo conduzido na Arábia Saudita descobriu que, quando combinado com dois antivirais utilizados para o controle da carga de HIV, ele elimina o vírus da SARS, que é muito semelhante ao coronavírus. Sozinho, esse interferon também é utilizado como antiviral e modulador da imunidade. Internacionalmente, é um famoso remédio para controle da esclerose múltipla.

Mas, afinal, como um remédio só pode ser eficaz contra tantas doenças absolutamente diferentes? O que é um interferon?

Pedi, mais uma vez, ajuda à Luciana Feliciano, bióloga e doutora em genética pela UNESP. Ela prefere começar pela forma como o vírus nos infecta. Na nossa cabeça, essa coisa toda de desinfetar, limpar, álcool em gel, é para impedir que ele se prolifere. Mas, quando os vírus foram descobertos, havia até um debate se era adequado ou não que fossem incluídos na categoria de seres vivos. Até então, era ser vivo o que tem a capacidade de se reproduzir. Ocorre que, sozinho ou com outro vírus, ele não se reproduz. O vírus precisa de um hospedeiro para conseguir se reproduzir, algo único na natureza. Longe do hospedeiro, ele se comporta de forma muito semelhante a um mineral.

Uma das principais dificuldades no combate a um vírus é que não tem como matar porque ele já é “morto”. A vida dele depende de entrar nas nossas células e fazer com que o corpo humano trabalhe para gerar “filhotes” de vírus. (Já chego em como o interferon acaba com a festa).

De acordo com a doutora em genética, “o objetivo do vírus é usar a maquinaria celular para se multiplicar e, para isso, ele precisa conseguir se ligar à membrana celular. Então, o vírus injeta seu material genético (DNA ou RNA) que vai precisar se ligar ao DNA da célula hospedeira. Nossas células se multiplicam o tempo todo e, quando a célula hospedeira for multiplicar o próprio material genético, multiplica junto o do vírus. Então, o material viral se destaca do DNA hospedeiro, a estrutura viral se recompõe e sai para infectar novas células”.

“Os interferons agirão atrapalhando essas etapas, além de sinalizar o sistema imunológico para vir destruir a célula infectada. Essa destruição também pode trazer problemas para o paciente, por isso é preciso ter cautela com os mediadores do sistema imune utilizados”, explica Luciana Feliciano, bióloga e doutora em genética.

Embora a palavra interferon tenha chegado ao vocabulário de muitas pessoas agora, na pandemia do coronavírus, trata-se de uma descoberta antiga, registrada pela primeira vez em 1957, por Isaacs e Lindenmann, no Instituto Nacional de Pesquisa Médica em Londres. O nome interferon foi dado justamente porque interfere na replicação viral.

Interferons não são drogas, são maravilhas da natureza. Trata-se de um grupo de proteínas produzidas naturalmente pelas células do sistema imunológico para dar resposta a uma série de doenças. São divididos em 3 grupos: alfa, beta e gama. Funcionam prevenindo a replicação dos vírus quando ativam moléculas que interferem nas fases necessárias para que o vírus consiga se reproduzir dentro da célula. Também atuam enviando avisos químicos a células do sistema imunológico para promover a destruição de células infectadas por vírus, bactérias e tumores.

É por isso que um único interferon pode ser utilizado com sucesso no combate a um número tão amplo de doenças diferentes. E por que não dar interferon direto a todo mundo? Pelo alerta que faz doutora em genética: o nível de destruição celular. Dependendo da forma como isso for feito, o paciente pode sair prejudicado. É por isso que os médicos e cientistas fazem testes e estabelecem parâmetros para o uso seguro, encontrando o melhor tipo de tratamento para cada paciente específico.

*Colaborou Edilson Salgueiro Jr

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