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Sábado (12) será de celebração em homenagem ao dia de Nossa Senhora Aparecida| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

O terrorismo mundial passa por uma fase de mudanças devido a uma combinação de diversos fatores. A reação a atentados e o reforço da segurança por governos faz com que os grupos terroristas se reorganizem. Nos Estados Unidos, por exemplo, há anos o terrorismo islâmico não tem causado mais mortes. No entanto, o lugar na barbárie foi tomado por extremistas políticos nacionais. O terrorismo islâmico no continente africano era liderado apenas por organizações locais, como Boko Haram ou El Shabbab. Agora, o Estado Islâmico acaba de assumir a autoria de um atentado em Moçambique, o que gerou alerta nos países da região.

Há uma grande população muçulmana na África, mas o terrorismo em Moçambique é uma novidade. As organizações terroristas do continente seguem duas organizações árabes, a Al Qaeda de Bin Laden e o ISIS, Estado Islâmico. A diferença entre as duas é que a primeira vê o estabelecimento de um califado no ocidente como fase final de sua luta. Já o ISIS chegou a ter o califado entre Síria e Iraque, mas foi perdendo poder durante a guerra e isso se desfez. Seu líder, Abu Bakr Al Baghdadi, morto em 2019, queria criar um califado global. Seu último vídeo foi incitando terroristas a cometer atentados no continente africano, onde esteve antes de ser capturado.

A AlQaeda inspirou a formação de grupos terroristas em diversos pontos do continente africano. O mais conhecido no Brasil talvez seja o nigeriano Boko Haram, famoso por sequestrar crianças em escolas. Também há o El Shabbab, que opera no chifre da África e se tornou famoso pela primeira transmissão ao vivo de um atentado terrorista, em um shopping de alto luxo no Quênia. Já o ISIS inspirou a formação do Al Baghdadi na Líbia. O grupo ficou muito mais forte após a queda do ditador Khadafi.

O Brasil conheceu o ISIS quando o grupo terrorista inaugurou seu braço virtual destinado a ocidentais, os vídeos de decapitação de cristãos. Eles surgem exatamente para atingir o ocidente e foram ideia de um rapper alemão que se juntou ao grupo. É exatamente isso que os terroristas estão fazendo agora em Cabo Delgado, ao norte de Moçambique. Religiosos e missionários cristãos relatam um quadro de barbárie. Para o grupo, que pretende o califado global, quem não for muçulmano deve ser destruído.

No dia 24 de março foi feito o primeiro grande atentado em Moçambique, na cidade de Palma, em Cabo Delgado. Foi uma escolha particularmente cruel e desumana. A região já está em conflito desde 2017. Dois grupos armados se insurgem contra o governo nacional e a população civil é vítima. Milhares tiveram de fugir de suas casas para salvar a própria vida, já são 700 mil desabrigados pelo conflito. O maior centro de acolhimento dessas pessoas era justamente a cidade de Palma.

Os terroristas fizeram decapitações em praça pública, algumas filmagens já começam a ser espalhadas. Especula-se que há estrangeiros entre os mortos e o ISIS assumiu o controle da cidade. As forças moçambicanas retomaram o controle no último domingo e ainda estão encontrando corpos. Mais de 9 mil pessoas fugiram a pé para garantir a própria vida, sendo que a metade é de menores de 18 anos. São famílias que já haviam perdido tudo em conflitos com terrorismo interno e agora são vítimas da fúria do Estado Islâmico.

Num primeiro momento, as autoridades moçambicanas acreditaram que o ataque havia sido feito pelo Al Shabbab. Parecia muito semelhante às ações no Quênia, justamente nas regiões do país com mais estrangeiros. Cabo Delgado tem um investimento bilionário da francesa Total em gás natural. Mas prontamente o ISIS se manifestou via redes sociais reivindicando a autoria. Isso acendeu o alarme nos países da região, que reuniram-se ontem para uma reação conjunta.

Ontem, numa reunião em Maputo, a SACD (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) decidiu que haverá intervenção conjunta para o combate ao terrorismo em Cabo Delgado. O presidente de Moçambique, Felipe Nyusi, tem insistido muito em não aceitar apoio militar internacional e na necessidade de que o combate seja feito pelas suas forças de segurança. São membros da SADC África do Sul, Angola, Botswana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Ilhas Maurício, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia, Zimbábue e Seichelles. De todos os países, apenas a Tanzânia tem fronteira com o local dos ataques terroristas.

A ACI (Agência Católica de Informações) tem divulgado os relatos enviados por religiosos e missionários sobre os ataques terroristas e o tratamento dado aos cristãos. "Os que foram apanhados foram cortados aos poucos para que os que estavam escondidos ao verem isso a acontecer acabassem por aparecer… mas conseguimos ficar em silêncio e eles acabaram por ir embora…”, conta a Irmã Mónica da Rocha, da Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, sobre o relato que ouviu de sobreviventes.

A missão da irmã Mónica tem, no momento, apenas duas freiras e quatro noviças. “Sinto revolta e impotência perante esta realidade. Revolta porque considero que já há muito se poderia ter acabado com esta guerra tão cruel e sem sentido, a começar pelo próprio governo que internamente se mantém em silêncio e passa uma mensagem ao povo de que tudo está bem e sob controlo”, disse a religiosa em carta à Fundação AIS (Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre).

O ataque terrorista não tem como objetivo matar todas as pessoas que vê pela frente, ele espalha o máximo possível de terror entre as pessoas para estabelecer domínio. Os terroristas querem que as pessoas unam-se ao bando. Quando recusam, matam alguns com o máximo de crueldade na frente de outros e os mandam embora, para que contem o que viram. “Sinto revolta e impotência perante esta realidade. Revolta porque considero que já há muito se poderia ter acabado com esta guerra tão cruel e sem sentido, a começar pelo próprio governo que internamente se mantém em silêncio e passa uma mensagem ao povo de que tudo está bem e sob controlo”, diz a Irmã Mónica.

A diferença do último ataque é que foi assumido internacionalmente pelo ISIS e, dessa vez, a organização terrorista conseguiu controlar território, ainda que por pouco tempo. É por isso que houve alarme internacional. No mundo cristão, no entanto, o alarme soou em 2017. Os terroristas domésticos também são muçulmanos e perseguem cristãos com especial crueldade. Vários templos cristãos têm sido destruídos. A situação é tão grave que o Papa Francisco está pessoalmente envolvido.

O Papa Francisco já fez diversos pronunciamentos pedindo atenção internacional para o conflito. O bispo de Pemba, Dom Luiz Lisboa, que é brasileiro, foi transferido. É agora Cardeal-Arcebispo de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. A medida foi necessária porque as ameaças de morte dos terroristas já estavam completamente fora de controle. O missionário brasileiro era a principal voz na denúncia internacional da crueldade dos jihadistas.

A mudança não abalou a missão. Dom Luiz Lisboa foi chamado no último mês de dezembro a falar sobre o conflito no parlamento europeu. “É uma tragédia humana, é uma crise humanitária muito forte porque as pessoas, a maioria, saíram [de suas casas] deixando tudo para trás. Não param de chegar pessoas em vários distritos e nós estamos tentando atender as necessidades mais básicas, que é a alimentação, água, roupas, esteiras, cobertores, arranjar um lugar para ficar”, explicou o religioso à comunidade europeia.

A Fundação AIS tem dado apoio aos religiosos, mas conter terrorismo não é algo possível sem um forte planejamento de segurança do Estado. "Com as comunicações muito difíceis ou quase impossíveis, é com apreensão que os acontecimentos estão a ser seguidos desde Pemba, a cidade-sede da província de Cabo Delgado e o lugar onde se encontram praticamente todos os sacerdotes e religiosas que tiveram de abandonar também as suas paróquias e missões por causa dos ataques", explicou a fundação em um comunicado recente.

Outra igreja que tem à frente um brasileiro, à do Sagrado Coração de Jesus em Pemba, foi palco de inúmeros ataques nos últimos três anos. O padre Edegard Silva permanece no local e denuncia que há uma catástrofe sanitária também. Devido às condições precárias de higiene, boa parte da população já está com cólera e não há como tratar. A isso se some a pandemia de COVID.

No mês de novembro, um outro ataque já havia decapitado 50 cristãos na região, entre eles crianças. Nessa ocasião, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michele Bachelet, fez um pronunciamento oficial pedindo aos estados-membros intervenção urgente na região.

"A situação é desesperadora tanto para os que estão presos nas zonas afetadas pelo conflito, com poucos meios de sobrevivência, como para os deslocados. Aqueles que ficaram estão privados das comodidades básicas e correm o risco de serem mortos, agredidos sexualmente, abusados, raptados, ou recrutados à força por grupos armados." declarou Rupert Colville, porta-voz da Alta Comissária, numa entrevista coletiva em Genebra. Nada foi feito.

Terroristas sempre encontram nas nossas fraquezas o território fértil para impor seus delírios sádicos. Buscam agora num território já arrasado, com famílias destroçadas e pessoas traumatizadas, impor o domínio do medo. Os países vizinhos prometem ajuda, mas o sucesso de uma empreitada dessa seria inédito. Até hoje, só foi possível conter o avanço do terrorismo islâmico e destruir experimentos bizarros de califado com a união das grandes potências bélicas e de inteligência do Ocidente. A nós, resta orar por Moçambique.

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