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Marketing macabro: o projeto para amputar mão de corrupto
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Há uma forma fácil e econômica de fazer marketing político: projetos estapafúrdios. Se o político não tiver nenhum compromisso com o Brasil, seu cargo, o eleitorado e a decência, trata-se de um prato cheio. Ele não gasta um tostão, somos nós quem pagamos, e toda a imprensa divulga o nome dele.

É exatamente por isso que não vou dizer no texto o nome do ilustre membro do Congresso Nacional que teve a a ideia de apresentar um projeto para amputação de mãos de corruptos.

Levando a ferro e fogo, a apresentação do projeto em si já é uma forma de corromper o sistema. O deputado tem direito a uma pequena fortuna mensal, que nós pagamos, para apresentar projetos em nome do povo. Esse, que sabidamente é impossível de ser aprovado porque inconstitucional, foi redigido e rejeitado por servidores pagos com dinheiro público. O que justifica o deputado ter optado por esse gasto senão o retorno com imagem? Não é essa a função da estrutura do parlamento.

O projeto, que já foi rejeitado, propõe o seguinte: "art. 1º Dispõe sobre a amputação das mãos direita e esquerda de político que cometa crime de abuso de poder econômico, improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação até o trânsito em julgado". Eu consideraria cômico se não estivesse pagando, como estou considero trágico rasgar dinheiro em tempos de crise econômica.

Segundo o artigo 137, § 1º, inciso II, alínea "b" do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, será devolvida ao autor toda proposta "evidentemente inconstitucional". Assim foi feito.

Sinceramente, ainda não sei se é mais macabro o projeto ou a Justificativa dada pelo deputado para apresentá-lo. A inspiração vem de alegadas regras em 3 países: China, Irã e Coreia do Norte. Parabéns a nós, que elegemos um representante de visão.

Um trecho em especial chama a atenção: "A população está cansada de sofrer nas mãos de políticos inescrupulosos e frios, pessoas más, desumanas". Obviamente quem quer decepar a mão dos outros e aplicar no Brasil regra de países tão exemplares quanto os que o deputado cita jamais pode se enquadrar na categoria de políticos inescrupulosos e frios, pessoas más, desumanas. Faltam palavras para descrever o restante da justificativa, melhor transcrever:

"O ministro chinês fez uma pequena citação que apenas nos últimos 5 anos, o Brasil já computou um desvio de verbas públicas de quase 100 bilhões de reais, o que permitiria investimentos de reflexo nacional. Ou seja, algo está errado e precisa ser mudado imediatamente. Embora os dados não sejam divulgados pelo governo, a Anistia Internacional estima que mais de mil pessoas tenham sido executadas em 2011. Entre os crimes sujeitos à pena capital no país, está a corrupção passiva. O método de execução mais usado para aqueles considerados culpados por corrupção e outros crimes econômicos é a injeção letal. Já o fuzilamento é usado para quem pratica outros tipos de crimes, como assassinatos."

"O Irã é outro país que pune com a morte aqueles que praticam corrupção, embora execuções sejam muito menos comuns para esse tipo de crime do que para assassinatos, estupros e roubos. Pelo menos 360 pessoas foram executadas no Irã em 2011, por crimes que incluem adultério, sodomia e inimizade contra Deus".

"O regime fechado da Coreia do Norte também condena corruptores à morte. Entre 2007 e 2010, pelo menos 37 pessoas foram executadas por praticar esse tipo de crime no país. Apesar da pena severa, o país é considerado o segundo mais corrupto do mundo, atrás apenas da Somália".

Na Justificativa apresentada pelo próprio deputado que propõe amputação de mãos está dito que as penas severas não adiantam nada para reduzir corrupção. Encantador.

O mesmo parlamentar apresentou 433 projetos no seu primeiro ano de mandato, esta pérola de sadismo e devassidão moral é o primeiro deste ano. Além de propor diversas emendas parlamentares, o nobre deputado apresentou alguns projetos bem interessantes, não tanto quanto o último.

Quer distribuição gratuita de absorventes para mulheres e fraldas geriátricas para idosos. Propõe obrigatoriedade de mangueira transparente em bombas de gasolina. Quer obrigar os policiais a terem câmeras em todos os carros e ginecologistas a só fazer exames se tiverem uma enfermeira ao lado. Pretende acabar com pontuação na CNH dos motoristas profissionais e impedir apreensão de carro com dívida em impostos. Também quer impedir contratação pelo serviço público de ônibus sem cobrador. Não sei como analisar, mas a palavra "foco" não me sai da mente.

Segundo o cálculo feito pelo Lucio Vaz, cada deputado custa R$ 3,3 milhões de reais ao ano. O que vocês acham de gastar isso para ter muita micagem no plenário e projetos desse porte?

Hoje é o dia em que a internet inteira está apontando o dedo para o deputado - e com razão. Mas ele não é o único a ter ideias estapafúrdias, desprezar a integridade humana e achar que vai ganhar no grito ou tentando chocar as pessoas. Há vários desses em várias esferas de poder, sentados confortavelmente sobre os ombros de um país que, após tanta desilusão, resolveu confiar no absurdo.

Há parlamentares que não levam a sério seu cargo, a democracia representativa, o eleitorado e o Brasil. Mas eles não caíram no Congresso Nacional de paraquedas, foram eleitos por nós. Não adianta passar os dias nas redes sociais berrando para que congressistas levem o futuro do país a sério enquanto nós não levarmos. Não há justificativa para um adulto admitir pagar R$ 3,3 milhões por ano em troca desse tipo de serviço.

Há um ponto específico na Justificativa com o qual eu concordo integralmente: " Políticos se aproveitam da boa fé dos eleitores, prometem tudo, não cumprem e nada lhes acontece". O parlamento é a casa onde se ganha pela fala e, infelizmente, há pessoas que se encantam pela fala. Um político nunca é o que ele fala, é seu passado, sua biografia, o que faz e, sobretudo, o que tolera. Um povo também.

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