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Na pandemia, esgoto da internet chega às crianças
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Um ponto em comum entre diversos movimentos extremistas do século XXI é a estratégia de cooptar os desajustados da sociedade, algo que foi explorado à exaustão pela imprensa nos casos trágicos em que jovens europeus e norte-americanos atravessaram o mundo para se juntar ao ISIS. Desajustados usam a causa a que aderem como desculpa para se vingar da sociedade que julgam ter tirado deles a glória que merecem. O perigo que representam depende do desajuste.

Embora os grupos extremistas, que existem no mundo todo, sempre digam que a violência e a pirotecnia é usada apenas em nome da causa, julgada nobre e urgente, não é essa a realidade. Muitos indivíduos pulam de grupo em grupo e mudam de causa, precisam apenas de uma desculpa para poder exercer sobre outros maldade e virulência.

A questão aqui não é nem ser bem sucedido ou mal sucedido, é querer se vingar do mundo e ter dentro de si o prazer com o sofrimento alheio. Muitas pessoas, quando vêem as atitudes de grupos extremistas ou criminosos, imaginam que são pessoas com severos problemas psiquiátricos. Natural um indivíduo que consegue se disciplinar para que o mal não domine suas ações pensar dessa maneira. Mas o mal existe, há pessoas que são más.

Com a pandemia, crianças de todo o mundo estão passando muito mais tempo na internet e as restrições em todas as casas acabaram diminuindo. Há um grande contingente de alunos que passa boas horas do dia fazendo aulas online e, infelizmente, crianças estão na mira de pessoas que se aproveitam do anonimato da internet para exercer a maldade, às vezes com retorno financeiro, outras vezes só por prazer.

Um personagem do submundo da internet, famoso há alguns anos nos chans - fóruns anônimos do submundo da rede - está sendo usado agora para atrair crianças e adolescentes para conversas privadas em todas as redes sociais aqui no Brasil. O alerta, que já era feito por vários youtubbers brasileiros de canais infantis e levado por muitas crianças aos pais, foi confirmado agora pela Polícia Civil de Santa Catarina e pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Os perfis que tentam conversas privadas com crianças e adolescentes usam, no Brasil, o nome de Jonathan Galindo e fotos dessa fantasia. Não se trata, no entanto, dessa pessoa, mas de golpistas que se apropriaram da identidade e de sua fama macabra na internet, que espalhou-se pelos chans desde 2015.

Os chans são fóruns abertos e anônimos onde se conversa de tudo, até sobre esportes, hobbies e culinária. Mas também é utilizado por grupos que planejam ações como, por exemplo, o atentado na escola de Suzano ou o atentado na igreja da Nova Zelândia. Esses usuários geralmente são aqueles que utilizam os fóruns para debates extremistas de conteúdo político ou religioso. É justamente nesses ambientes que o personagem ficou famoso em 2015, como ícone do "politicamente incorreto".

Tratava-se de uma isca para atrair pessoas desajustadas com algo chocante que não tinha nenhuma relação com politicamente incorreto. É o velho truque de atrair alguém desajustado com uma ilusão de enfrentar o sistema. Tudo começa há alguns anos quando Samuel Canini, que se dedica a fazer máscaras, monta uma trupe de cosplay de quinta categoria. Ele é o homem que aparece nas fotos, mas não é a pessoa que tenta contato com as crianças.

Na época, ele utilizava o pseudônimo de Dusky Sam para fazer filmes de qualidade duvidosa com dois outros personagens. Alguns desses filmes foram postados em sites pornôs gays - sim, havia também conteúdo pornográfico - e aí é que começa a lenda no submundo dos chans, frequentado por gente que tem sérios problemas de ajuste social.

Como tudo é anônimo, ninguém sabe de quem foi a ideia. Ocorre que criar motivos para odiar a sociedade é muito bom para engajar desajustados e funciona melhor ainda quando a pauta é sexual ou de costumes. Inventaram que o cosplay era uma nova pauta identitária, o "Goofykin", categoria de pessoas que se identificam sexualmente como o Pateta da Disney. E isso viralizou.

Como diversas dessas fotos e vídeos estão espalhadas pela internet, golpistas de todo gênero criaram perfis falsos com elas. Em países de língua espanhola começaram as primeiras aproximações com crianças e os casos relatados são de perfis de pessoas cruéis, como ocorreu anteriormente nas ondas da Baleia Azul ou Momo: falam privadamente com crianças e adolescentes, chantageiam e propõem desafios que, em último caso, podem levar até ao suicídio.

Ainda que essas imagens sejam realmente doentias e as intenções das pessoas que frequentam esses fóruns também, não é motivo para pânico. Na internet, temos o registro do que acontece, por isso parece mais assustador do que as ruas. Mas são as mesmas pessoas.

Como estamos em casa e usamos senhas, temos uma falsa sensação de privacidade com nossos eletrônicos e nossas redes. Precisamos ensinar nossas crianças que a internet é uma praça pública, exatamente como estar na rua, onde há o melhor e o pior do ser humano. A semelhança é que a maioria das pessoas não tem carimbo na testa dizendo que é ruim. A diferença é que, na internet, tudo deixa rastro e, com mais ou menos dificuldade, se chega nos bandidos. Trata-se de uma investigação muito mais simples do que a feita sem o auxílio da tecnologia.

Em Santa Catarina, a Polícia Civil aconselha os pais a denunciar caso alguém utilizando essa foto tente entrar em contato com seus filhos. Entre as conversas já relatadas no Brasil há de tudo, desde perversões sexuais até tentativas de golpes financeiros ou sadismo puro. Num primeiro momento, sempre parece que a denúncia não dá em nada, mas é importante registrar. A investigação é feita juntando os dados relacionados às diversas vítimas para chegar a organizações que usam ferramentas digitais para atingir a sociedade.

É fundamental, principalmente nesses tempos em que a internet tem sido ferramenta de trabalho, de estudo e de vida social, conversar em casa sobre o fato de que ela também é ferramenta de golpistas e que eles sempre miram quem julgam ser o elo mais frágil das famílias. Agora temos o tal do Jonathan Galindo, daqui a pouco, quando for desmascarada a farsa, haverá outro. O importante é deixar claro que não se fala com desconhecidos nem na rua nem na internet. E, caso algum perfil desconhecido tentar entrar em contato com um menor de idade, reportar imediatamente às autoridades - pode fazer parte de algum caso em andamento.

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