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Nem todos se agacham diante da velha política
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mais uma vez o destino coloca Sergio Moro na missão de subverter a lógica e as certezas da velha política. Que não façamos, como já fizemos, a injustiça de convertê-lo em um redentor ou herói da pátria. Ele faz parte de uma nova geração que repudia o personalismo e pode ser o condão de uma grande mudança política no Brasil.

O ex-ministro da Justiça e símbolo da Lava Jato sabe que pessoas são falhas e todos fazemos o mal que não queremos em vez de conseguir fazer o bem que almejamos. Como ele, diversos outros técnicos entram na política bagunçando uma lógica de acomodação oportunista que nos colocou na lama moral em que estamos.

Negar dinheiro, prestígio e poder em nome de princípios é algo bonito no discurso, mas alvo de ridículo na vida prática. A Lei de Gerson continua em voga no Brasil e, em numa escala muito maior ainda, no mundo político.

A política tradicional, ardilosa e feita para poucos, sempre contou com sua capacidade gigantesca de enganar o povo e conseguir o agachamento e desengajamento moral daqueles que ocupam algum cargo de importância. Vivemos isso sem susto, continuamos a considerar pessoas confiáveis aquelas que vêem a injustiça, podem agir mas oferecem seu silêncio como cumplicidade. Há também os ainda mais sujos, que oferecem minimização das imoralidades ou ridicularização das vítimas no pacote do oportunismo limpinho.

Sergio Moro fez parte do grupo de funcionários públicos que subverteu essa lógica durante a Operação Lava Jato. O sistema de Justiça do Brasil não parece ter sido feito para fazer justiça, mas para oferecer desculpas técnicas para a impunidade de deslizes capazes de alterar a ordem econômica. A ordem é ser benevolente com o poderoso e implacável com os mais fracos.

Com todos seus erros e acertos, a operação Lava Jato rompeu essa lógica ao colocar na cadeia pessoas com dinheiro, prestígio e poder. Precisamos de tempo para saber em que medida isso realmente combateu a corrupção, mas é uma mudança importante de cultura.

É desse contexto, do funcionário público preparado que cumpre suas obrigações, que sai Sergio Moro para o Ministério da Justiça. Infelizmente chega lá diante de um país que desconhece as obrigações do funcionalismo público e prefere discursos populistas a biografia, capacitação, planejamento e projetos concretos. Ele próprio rejeitou várias vezes o tratamento de herói, a maioria delas à toa. O Brasil quer continuar a ser sebastianista e bajulador mas diz, só da boca para fora, que quer mudanças.

Chegamos a um limite entre interesses políticos e princípios: o momento em que Sergio Moro teria de trair a própria biografia para manter um cargo, depois de ter largado uma carreira com estabilidade vitalícia. Na lógica da velha política, ele se agacha diante da sarrafada. Ele ficou, finalmente, com os princípios.

O universo político brasileiro não chafurda na lama da imoralidade porque quer, chafurda porque pode e pode porque nós deixamos. Na cabeça de quem leva décadas circulando nesse meio não passa a possibilidade de abandonar as benesses do poder quando se pede para entregar a alma ao diabo.

Há quem acredite que o limite veio muito antes, que Sergio Moro compactuou em silêncio conivente com situações absolutamente imorais. Fez parte, durante mais de um ano, de um governo cuja principal atividade é produzir crises para consolidar a base, cada vez mais diminuta e radical.

A diferença agora é um pedido objetivo para obter controle sobre a Polícia Federal no meio de uma investigação e a adesão clara ao velho jogo oportunista do centrão. Sabe-se lá quantos ministros da Justiça já não atenderam, na totalidade ou parcialmente pedidos parecidos. Ocorre que o juiz da Lava Jato queimaria a própria biografia ao aceitar uma medida que, tivesse sido tomada antes, o teria impedido de ser quem é hoje.

Coube a Sergio Moro contrariar a lógica da velha política de novo, agora abandonando um dos cargos mais importantes da República para não se agachar diante da grave tentativa de medidas ilegais e injustificáveis. É com o mesmo tom dos depoimentos em Curitiba que ele faz uma despedida permeada de informações estarrecedoras.

Importante notar que não é o único. Há diversos casos parecidos no funcionalismo público: gente preparada que prefere abrir mão do que conquistou a acender vela no altar da velha política. Um exemplo clássico é o hoje deputado Marcelo Calero, na época chamado até de fraco porque deixou o ministério de Michel Temer diante da pressão de legalizar uma construção ilegal feita pelo ministro Geddel Vieira Lima. A velha política considera que vale tudo para manter os cargos e tem, cada vez mais, quebrado a cara.

Temos uma fagulha de esperança com os nomes da nova política. O grande entrave a eles não são as velhas raposas, é a nossa ingenuidade. Um povo que dá mais importância a discurso abre a porta para lobos em pele de cordeiro. Que saibamos valorizar retidão de caráter, princípios, conhecimento, experiência e serviços prestados ao Brasil.

Nossa mania de encantamento com conversa mole e palavras de ordem tem construído por todo o Brasil governos incapazes de conviver com quem tem o compromisso de cumprir as próprias obrigações. Precisamos mudar.

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