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Neste 2020, teremos “as eleições do whatsapp” – entrevista com Rodrigo Gadelha
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Pouco importa nossa opinião para que a realidade se imponha. Gostemos ou não das redes sociais, elas começaram a ser importantes na política há anos e foram importantíssimas nas últimas duas eleições presidenciais. Qualquer que seja a combinação entre a expressão do cidadão comum e a manipulação dos marketeiros, a presença das mídias sociais é fato consumado nas campanhas políticas.

Nas eleições nacionais, o uso das redes é mais claro, já que a discussão de grandes temas, ideias e ideologias movimenta corações e mentes com facilidade. A diferença neste ano, 2020, é que teremos eleições municipais. Embora os temas apaixonantes ainda possam ser usados por candidatos, o foco deles é na cidade em que disputam. Qual será o papel das redes sociais nesse contexto? E as Fake News, que não foram enfrentadas devidamente até agora?

Eu não tenho essas respostas. Por isso, resolvi entrevistar um especialista em marketing político digital que já fez campanhas de todo tipo - locais e nacionais, legislativas e executivas, no Brasil e no exterior. Rodrigo Gadelha, doutor em psicologia social e fundador da RG Organic, sentencia que precisamos mudar o paradigma para entender o "mindset digital". Não estamos lidando com uma nova tecnologia, mas com um fenômeno social.

É nesse contexto que ele aborda o fenômeno das Fake News. Muita gente gosta de checar antes se o conteúdo que recebe é confiável, mas esse processo toma tempo e não serve a quem está viciado em likes pela perda do "timing" da publicação. Se a pessoa quer muito o engajamento nas redes sociais, acaba atropelando os fatos mesmo quanto tem condições de verificar.

Além disso, há um dado social que deve ser levado em conta quando falamos das eleições deste ano: nem todo mundo tem como checar as informações que recebe pelas redes. Mais de 95% da população, segundo levantamento do DataSenado, tem o celular como principal meio de acesso à internet. Outro dado: 79% das pessoas sempre usam redes sociais como fontes primárias de informação. A maioria dos brasileiros tem planos básicos de dados ou celulares pré-pagos e, nesse contexto, a checagem de informações deixa de existir.

"O pré-pago tem acesso gratuito ao whatsapp, mas ele não tem acesso à internet, ao resto. Ou seja, se eu tiro um print e coloco num grupo de whatsapp, é ali que ele pára, por impossibilidade. A gente tem acesso, nós, a maioria não. Ele não tem acesso porque o plano dele às vezes não permite." - Rodrigo Gadelha

A preferência pelo celular é de ordem econômica, já que a maioria das pessoas tem de fazer a opção financeira entre ele e o computador. Como não dá para sair com o computador para todo lado, o celular é a solução mais viável financeiramente. Os planos de dados mais básicos e até os pré-pagos dão acesso gratuito a alguns aplicativos, entre eles o Whatsapp. Algumas operadoras começam a dar acesso ao Facebook.

Esse contexto não é levado em consideração pelos profissionais e instituições que trabalham com combate a Fake News. Embora notícias falsas, difamações e boatos passem por escrutínio profissional e a verdade seja divulgada, isso é feito de uma forma que não chega a quem consumiu a inverdade. É necessário mudar o paradigma, não apenas aprender a usar os instrumentos tecnológicos para divulgar informação, mas mergulhar no "mindset digital".

"Quem luta contra Fake News tem um problema sério: acha que só botar no YouTube num site resolve, mas não resolve porque o cara não vai até lá. Então, tem que ir onde as pessoas estão e onde elas estão consumindo. É essa a mudança de paradigma que a gente tem que ter." - Rodrigo Gadelha

Muita gente é enganada pela falsa ideia de que as redes sociais são a Meca da liberdade de expressão. Elas já foram há muitos anos, quando surgiram. Hoje, especialistas em comunicação e propaganda já dominam técnicas para pautar discursos e produzir falsos consensos e falsos dissensos. Os políticos se alimentam disso e sabem como tirar proveito da polarização mais agressiva, só que muita gente está cansando desse clima.

São poucos os líderes políticos que transitam bem em várias tribos e as redes sociais ajudam a deixar o Brasil bem dividido. Quem entende de política reconhece claramente a existência de feudos que podem ser constantemente alimentados para formar uma base sólida, em todos os matizes ideológicos. O problema para esses políticos está naqueles que não entram nos feudos, que concordam e discordam com atitudes e propostas dos pólos diferentes.

A RG Organics faz periodicamente uma pesquisa chamada "Eleitor Conectado". Nesta, haverá um aprofundamento para verificar quem são os eleitores que não se sentem mais à vontade para debater e quais são os assuntos sobre os quais eles se calam.

"Ainda dá para falar na internet tudo o que você quer. A gente vê um monte de gente falando um monte de absurdo. Mas tem uma parcela da população que pensa antes de escrever e calcula: 'se eu falar isso, eu vou apanhar ali mas, se eu falar aquilo, eu vou apanhar aqui' e se cala." - Rodrigo Gadelha

Rodrigo Gadelha se convenceu do poder da coleta de dados para manipulação de opiniões em 2014, quando fez sua primeira campanha presidencial. Ali viu o volume de informações que as redes sociais geram e como é possível utilizar esses dados para convencer pessoas a mudar de opinião sobre temas e sobre candidatos.

A vocação das redes sociais é diferente de informar. Nelas, o que gera engajamento não é a relevância do assunto, mas as declarações que chamam a atenção. E a imprensa está se rendendo cada vez mais à pauta das mídias sociais, quando dá força ao jornalismo declaratório, matérias que fazem sucesso por pinçar as falas mais polêmicas dos políticos nas redes.

Muita gente fica empolgada com o burburinho e tem a ilusão de que pode assumir várias personalidades diferentes. A pessoa se comporta de uma maneira no LinkedIn, de outra no Twitter e assume uma terceira persona no Instagram, que nada tem a ver com sua vida real. A falta de percepção de que as coisas se conectam é muito útil para o discurso político mais radical, mas não é um grande serviço para o cidadão comum. As empresas já sabem que as pessoas se deixam levar pela emoção e ilusão de anonimato.

"É esse mindset que as pessoas ainda não se ligaram, mas muitas empresas já e usam para contratar. A empresa faz o quê? Levanta todas as redes sociais, levanta a vida. Eu já vi vários casos de pessoas que perderam grandes oportunidades por conta de um tweet." - Rodrigo Gadelha

Um mecanismo importante para aumentar a relevância de determinadas narrativas e pautas tem sido a utilização de perfis falsos, os robôs. Eles não inventam a realidade nem fazem discussões sozinhos, são usados para potencializar algo de que as pessoas já estão falando ou iniciar discussões que geram muito engajamento, inclusive Fake News.

Quem acompanhou como o Tribunal Superior Eleitoral lida com esses casos sabe que praticamente nada de efetivo foi feito. Como o timing da divulgação digital e dos trâmites da Justiça estão num descompasso gigantesco, qualquer medida é tardia e as punições não são suficientes para inibir o uso dessas técnicas, que invadiram praticamente todas as campanhas. Em 2020, pode haver mudanças.

"A guerra contra os robôs foi instalada. Antes, se a gente dissesse que seria fiscalização do governo, como foi na última eleição, eu diria: 'esquece'! Mas eles conseguiram uma coisa positiva, que o Facebook - dono de 3 pontos de contato importantes - está banindo os robôs." - Rodrigo Gadelha

O especialista em marketing digital prevê uma queda na venda de serviços de disparos automáticos e orquestração de robôs para campanhas eleitorais. Facebook e Instagram estão banindo perfis falsos. O Whatsapp está banindo empresas que faziam disparos em massa. O Google também diz estar eliminando contas falsas que seguiam canais. O Twitter anunciou várias medidas com relação a quem pode interagir com um tweet, mas não tem nada de concreto contra o uso de robôs.

Muitos políticos e marketeiros estão migrando do Facebook para o Instagram por questões financeiras. O algoritmo do Facebook é muito vinculado à publicidade paga, então é necessário muito dinheiro para alavancar um perfil. O Instagram ainda entrega engajamento com menos investimento. Há ainda muita gente vendendo disparos em massa pelo Whatsapp para políticos, "mas não entregam", diz o especialista em marketing digital. Entre todas as redes, ele prevê que a mais importante será o Whatsapp.

"Ainda vai ser uma eleição de whatsapp por uma questão simples: nem todo mundo vai nas redes sociais e fica consumindo o tempo todo. A gente pode ir uma vez por dia, mas não fica o tempo todo. Mas no whatsapp, cara, ninguém consegue sair de lá." - Rodrigo Gadelha

Trabalhar com o Whatsapp ainda é um grande desafio para os políticos e para muitos marketeiros, que ainda vivem a lógica dos disparos em massa. Hoje, com cada vez mais gente nessa rede e fazendo parte de grupos, é necessário ter estratégia para criar vínculos com os eleitores. Whatsapp não é uma rede pública como as outras, ela pressupõe tratamento pessoal.

"Se você começa a banalizar a relação com alguém, a pessoa vai banalizar a atenção que ela te dá", explica o especialista em marketing digital. Pense em quantos vídeos, fotos e links você recebe todos os dias por Whatsapp, individualmente ou em grupos. Nós não abrimos nem as mensagens dos conhecidos simplesmente porque ninguém tem tempo para isso. Mandar vídeos aleatórios ou mensagens padronizadas pelo Whatsapp é a melhor receita para uma campanha política ser ignorada.

Se a lógica da eleição presidencial é o "quanto mais gente, melhor", a das eleições municipais é diferente. É inútil falar de todos os temas e com todo o país, é inútil falar até mesmo com o município inteiro em que se pretende concorrer, no caso de eleições para vereador. O político agora precisa identificar seu "nicho", as pessoas que apóiam suas ideias e maneira de ser e procurar um engajamento com elas que seja o mais pessoal possível. A era de mandar qualquer propaganda acabou, as pessoas se irritam com isso, querem receber o que realmente interessa.

Construir uma rede de contatos realmente interessados no projeto político passou a ser a prioridade dos candidatos. Antes da era digital, essa rede era construída seguindo a lógica de massas, hoje a lógica é dar importância às particularidades dos indivíduos. Já foi uma verdade absoluta da política a de que começar a campanha muito cedo queimava o candidato na reta final. Essa era acabou. "Sai na frente quem começar a fazer relacionamento, por tudo quanto é ponto de contato que for possível", sentencia Rodrigo Gadelha.

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