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Restrições - vacinação
| Foto: Mark Ralston/AFP

Dia desses, participei de mais um evento que discutia "Fake News". Estava ansiosa pela fala de um procurador do Estado, pessoa com doutorado na Europa, que parecia bem enérgico e empolgado nos bastidores. Começa a palestra, material muito interessante, ele projeta um vídeo. Era publicação de um notório canal de "Fake News", um site que mimetiza a estética dos jornais mas publica uma coletânea do que vier à cabeça do dono, sem critério. É figurinha carimbada no Judiciário e presença marcante em diversas investigações. Como alguém tão preparado cai nessa?

Ficamos perplexos quando pessoas bem informadas acabam se enrolando nesses grupos de picaretas ou radicais, seja da ala da teoria conspiratória ou do justiçamento social. Está exatamente aí um dos nossos grandes enganos. Em muitos casos, o problema não está na falta de informação, mas no excesso de busca por ela. Parece loucura, mas é a base do SIFT, treinamento de Alfabetização Midiática que faz sucesso nas universidades dos Estados Unidos e Canadá.

O método recebeu destaque na coluna de opinião de Charlie Warzel no New York Times, uma das mais tradicionais da área de tecnologia. Ele aborda a aplicação das técnicas desenvolvidas pelo especialista em Alfabetização Digital da Washington State University Vancouver, Michael Caulfield. Hoje, muitas escolas já têm treinamentos específicos de Cidadania Digital ou Alfabetização Digital, mas nenhum adulto passou por isso. São habilidades que não temos e das quais precisamos. Na hora do aperto, nos viramos com o que sabemos, aquilo já comprovado no mundo analógico.

Nós temos a sensação de que essas técnicas ainda funcionam sobretudo quando aprendemos a usar bem as ferramentas digitais mas ainda não temos muita clareza sobre o quanto a manipulação das nossas emoções é fundamental para os negócios das Big Techs. O parâmetro que aprendemos é sempre o do conteúdo, o fato, as provas, a fonte, a opinião, a liberdade. No universo digital há que se levar em conta um outro parâmetro de igual valor, o contexto. Não se trata apenas do que está sendo dito, mas por que aquele assunto toma tanto do seu tempo.

No século XX, o poder esteve ligado à corrida espacial e ao desenvolvimento armamentista. O século XXI é a era em que o poder vem da utilização da informação como arma de guerra e o domínio de tecnologias digitais. Sobreviver nesse caos exige que a gente aprenda a avaliar contextos, não somente conteúdos. Além disso, é imperativo compreender a dinâmica da Economia da Atenção, em que o seu tempo é a mais importante commodity do mercado.

Métodos de checagem de informações são ensinados em diversas profissões, com objetivos diferentes. Médicos, engenheiros, professores, pedreiros, policiais, encanadores, enfim, cada profissão tem métodos técnicos específicos para a aferição daquilo que é o coração do seu dia a dia. O tipo de checagem que o cidadão comum faz hoje nas redes sociais é mais relacionado àquele aprendido no jornalismo. Você quer saber a verdade sobre um acontecimento, ouve pessoas, vai atrás de elementos que comprovem o que essas pessoas disseram, verifica a veracidade desses elementos e eventuais elementos ou depoimentos que os contraponham, tenta recontar a história com a maior fidelidade possível. Faz sentido, mas só era suficiente no mundo analógico.

Até 2010, ainda vivemos em uma realidade híbrida, do misto do mundo analógico com o digital. Você falava com o gerente do banco e usava internet banking, por exemplo, um consertava as falhas do outro. Assim também foi com jornalismo e checagem de fatos. Os fatos considerados importantes vinham majoritariamente do mundo analógico até 2010. O mundo digital era usado para parte da checagem e da divulgação. Hoje, tudo isso passa pelo mundo digital, não há escapatória. Por isso, é preciso adaptar os métodos de checagem para ter atenção ao contexto.

Se você encontra uma declaração ou informação que não faz sentido, qual é a tendência? Começar a ir atrás dos dados para saber se é verdadeira ou não. No contexto da hipercomunicação, acabamos numa espiral em que um dado leva a outro, mais um, mais fontes, uma infinidade de informações. De repente você é sugado por uma espiral de informações sobre um tema que era apenas um detalhe, algo que te causou estranhamento ou irritou. Pode ser que você queira desmentir algo e aí a espiral é mais robusta. Toda sua atenção, sua commodity mais valiosa, será sugada para algo que, na verdade, nem te interessa tanto assim.

Vivemos tempos estranhos em que adultos perguntam, com sinceridade: "quem define o que é verdade?". Se alguém tem o condão de definir, então não é possível se tratar de verdade. Verdade é algo objetivo e verificável. Existem fatos que não são verificáveis, não deixam rastros, provas, às vezes nem testemunhas. Nem sempre saberemos qual é a verdade, mas sempre sabemos o que é do nosso interesse e quando estamos sendo explorados. Aí que entra o método SIFT de validação de informações e fontes, voltado para o cidadão comum.

Não falamos apenas de validar fontes e informações, mas de analisar o quanto de tempo realmente queremos dedicar a um tema. Todos nós que usamos redes sociais já nos pegamos empolgadíssimos pesquisando o detalhe do detalhe do detalhe de algo que não tem a menor importância. Também já tentamos argumentar com pessoas que não estão dispostas a debater, querem só fazer propaganda das próprias ideias para o nosso círculo de relacionamento. Precisamos aprender a decidir conscientemente em que ocasiões vamos dedicar nosso tempo e nossa atenção a essas atividades.

Às vezes parece até um vício a forma como nos comportamos checando informações nas redes sociais. Há quem tente sair, corte comunicações, fique realmente cansado e queira desistir. Também já tive essa vontade, mas não creio que seja muito efetivo nem que seja um grande benefício para o usuário. As redes têm muitas oportunidades e serviços interessantíssimos para todos nós, seja nos contatos pessoais, profissionais, na nossa evolução como seres humanos ou até para sentir proximidade com as pessoas em tempos como esse que vivemos. Michael Caulfield criou, com base no método jornalístico mas levando em conta a economia da atenção, uma fórmula para validar informações.

SIFT é o acrônimo de stop, investigate, find e trace. São 4 passos a seguir assim que você se depara com uma informação ou afirmação. Vamos exemplificar: pode ser postagem de artista defensor de cloroquina ou artista militando pela linguagem neutra. O que você faz:
1. Pare
2. Investigue a fonte
3. Encontre cobertura melhor do tema
4. Rastreie afirmações, frases e mídia até o contexto original
O processo geralmente demora até 90 segundos e, segundo as universidades canadenses que o adotam, é mais efetivo para tomada de decisão do que pesquisas exaustivas.

Fontes confiáveis de informação também erram. São equipes formadas por seres humanos que produzem as informações. Uma fonte confiável não é aquela à prova de erros, é a que tem experiência comprovada em um tema. Suponha que você viu uma postagem de um artista famoso com uma posição inflamada e completamente contrária à reabertura de escolas na pandemia. Você tem filhos e começa a ficar com receio. Fazer perguntas a esse artista ou apresentar um contraponto terá o efeito de maximizar essa opinião. Vamos ao método SIFT.

Primeiramente, pare. O passo 2 é pesquisar quem é esse artista. Você coloca o nome no Google e vê que é uma pessoa muito ligada a outras que partilham da mesma opinião. No passo 3 você se pergunta sobre a possibilidade de achar rapidamente qualquer fonte mais confiável para falar do tema. Só colocar no Google "reabertura das escolas" e haverá uma lista: educadores, professores, infectologistas, publicações tradicionais que podem ser cobradas. Haverá alguns favoráveis e outros contrários à reabertura, mas nenhum terá um posicionamento tão radical quanto do artista, que não pisa numa escola desde que era estudante. Conclusão: não é a melhor fonte sobre o tema, deixe essa fonte de lado.

Quanto mais tempo for dedicado a tentar contrapor ou buscar informações sobre um tema com base em informações obtidas de fontes que não são as melhores, maior a chance de você acabar entrando numa espiral de desinformação. Nós vamos encontrando tantos pedaços de informação que se torna difícil assimilar e impossível analisar. Se engajamos num debate então, fecha-se o canal da razão e abre-se o da emoção. Nossa tendência será então aceitar as informações que coincidem com aquilo que já pensávamos e rejeitar de pronto o que não coincida. E, sem que a gente se dê conta, já teve a atenção desviada para outra polêmica na qual não havíamos pensado antes. Novamente repetimos a coreografia e, além da confusão, não ganhamos nada.

O método SIFT não muda visões políticas nem é a solução contra a desinformação. Alfabetização Midiática é o caminho, aprender a usar o melhor das redes a nosso favor e evitar trabalhar de graça para as Big Techs, gastando nosso tempo e saúde mental. Na entrevista ao colunista do New York Times, Michael Caulfield diz que “no momento, estamos pegando o recurso mais escasso e valioso que temos - nossa atenção - e o estamos usando para tentar consertar o ecossistema de informações terrivelmente quebrado”. É como acender vela boa para santo ruim. Nas instruções para acidentes de avião, primeiro colocamos a máscara de oxigênio em nós mesmos e depois nos outros. Enfrentar a confusão de algoritmos das Big Techs começa por aprender a ficar a salvo deles.

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