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O massacre na Praça da Paz Celestial: 31 anos
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A infância da minha geração foi marcada pela imagem quase surreal de um homem desarmado parando uma fileira de tanques de guerra na "Praça da Paz Celestial", na China. O "rebelde desconhecido" foi escolhido uma das figuras mais influentes do século XX pela Revista Time. O governo chinês jamais revelou seu nome ou seu destino, ele simplesmente desapareceu na multidão.

Este ano, pela primeira vez, foram proibidos os memoriais pelos que tombaram no maior banho de sangue promovido por um governo contra seu próprio povo na história moderna. O Partido Comunista Chinês chocou o mundo em 1989 colocando a força do Exército contra os intelectuais, estudantes, trabalhadores e quem mais exigisse transparência e fim do favorecimento de amigos.

O vídeo que você vê acima é um pedaço vivo de história mostrando como a imprensa internacional livre tem sido o único antídoto para a poderosa máquina de propaganda do Partido Comunista Chinês, que flagrantemente desrespeita a vida e a liberdade dos próprios chineses, mas realmente consegue convencer a maioria de que é para o bem deles. Conto a história do filme junto com a do protesto.

Tudo começou com a morte do presidente reformista do Partido Comunista Chinês, Hu Yaobang, em 15 de abril de 1989. Ele era um líder controverso, já expurgado muitas vezes antes do regime comunista, inclusive durante a Revolução Cultural, por atuar em defesa da transparência do governo e das liberdades individuais. Foi chamado de traidor burguês. Quando ele morreu, intelectuais e estudantes começaram a ir às ruas. Hoje, a história de Hu Yaobang não pode ser contada na China continental.

Num primeiro momento, o governo chinês tentou métodos não violentos para dispersar as multidões que exigiam mais transparência no Partido Comunista Chinês e respeito às liberdades individuais. Enquanto tudo ficava em casa, o governo foi levando em banho-maria. O problema é que em breve ocorreria a visita do líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, que colocaria os olhos de toda a imprensa em solo chinês. Seria a força do exército suficiente para conter os jornalistas? Não, mas seria para conter um povo desinformado.

O Partido Comunista Chinês mandou um exército de 200 mil homens ao local das manifestações e disse que os manifestantes tinham uma hora para sair. Passado o tempo, dispararam contra a multidão, auxiliados por snipers e soldados que se infiltravam nos protestos com baionetas. Foi um massacre que chocou o mundo.

Em seguida, o governo chinês mandou empilhadeiras para remover os corpos, que foram incinerados. Feridos foram levados aos hospitais. Segundo o Partido Comunista Chinês, a ação era absolutamente necessária para conter o risco de uma contrarrevolução na China após a morte de Xu Yaobang.

Segundo o governo chinês, a ação resultou em 300 mortos. A Cruz Vermelha Chinesa, na época, disse à imprensa internacional que eram pelo menos 2700 mortos. Documentos da diplomacia inglesa revelados ao público somente em 2017 falam em mais de 10 mil mortos e detalham os motivos da escolha daquele batalhão específico, o 27o Grupo do Exército, para a tarefa: a maioria não era nem alfabetizada e obedecia cegamente as ordens do Partido Comunista Chinês. Não questionaram a barbaridade que cometiam contra cidadãos de seu próprio país.

O exército chinês foi atrás dos jornalistas internacionais que fizeram imagens do massacre. Felizmente, quem é criado dentro da liberdade não aceita as regras do mundo da obediência cega.

O exército chinês percebeu que jornalistas haviam feito imagens da varanda do hotel onde estavam hospedados e resolveram revistar os quartos. Todos foram ameaçados, sob a mira de armas, e instados a entregar rolos de filmes fotográficos e de vídeos. Ocorre que eles entregaram outros filmes, menos importantes e ficaram com os do massacre, algo que o exército chinês não previu que pudesse ocorrer.

As fotos e filmes a que todo o mundo tem acesso hoje saíram da China disfarçadas dentro da bagagem dos jornalistas. Um deles escondeu tudo em caixas de chá. Todos assinaram confissões de que haviam violado as leis marciais chinesas. Stuart Franklin publicou sua foto nas revistas Time e Life. Charlie Cole ganhou o prêmio World Press Photo do ano de 1990. A foto de Stuart Wiedener para a Associated Press foi a mais distribuída no mundo todo.

Até hoje a mídia chinesa é proibida de mencionar o massacre da Praça da Paz Celestial. O evento foi apagado da história e não é ensinado às crianças nas escolas, é como se jamais tivesse existido. A única preservação da memória é a cerimônia anual em Hong Kong e o registro dos jornalistas.

Quem ousa lembrar do evento passa a ser perseguido de forma implacável pelo Partido Comunista Chinês. É o caso do artista plástico Badiucao, que publicou hoje nas redes sociais uma coletânea de obras em homenagem aos chineses que tombaram em defesa da liberdade há 31 anos.

Badiucao passou a ser visto como uma grande ameaça quando começou a usar as redes sociais para entrar em contato com jovens incentivando homenagens a quem foi massacrado na Praça da Paz Celestial. Ele criou um movimento em que as pessoas postavam fotos em frente a monumentos chineses levando nas mãos duas sacolas plásticas, como o homem que parou os tanques. Não é preciso dizer que viralizou. A mentira precisa de muita violência para ser imposta, mas a verdade triunfa sem virulência. O mundo não esquecerá o massacre da Praça da Paz Celestial.

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