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O populismo depende da ignorância cívica – entrevista com general Paulo Chagas
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Carente de memória e de educação cívica, o Brasil ressuscitou nos últimos anos o slogan que Fernando Collor adorava bradar: "nossa bandeira jamais será vermelha". O tanto de cidadãos que julgam ser novidade dá a medida do abismo de ignorância política em que vivemos. Mais grave que isso é a ideia de sabermos exatamente o que rejeitar mas não termos a menor ideia de planos para o futuro.

"Nós, no Brasil, caminhamos como caranguejo: sempre da direita para a esquerda, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, caminhamos para os lados e esquecemos que temos de ter é um futuro, temos de ter um projeto de nação.", alerta o general Paulo Chagas.

As grandes nações do mundo, as que têm instituições sólidas e capazes de dar apoio aos sonhos dos cidadãos e das famílias que formam seu povo, suportam todo tipo de embate político e polarização porque não se afogam neles. Ora têm uma condução de governo mais à direita, ora mais à esquerda sem nunca perder de vista o mais importante: um país não é seu governo, é seu povo.

Se ter essa noção de pátria, amor ao Brasil e aos nossos cidadãos e um projeto para o nosso futuro interessa a todo o povo brasileiro, é algo que jamais interessou aos donos do poder. Como vão continuar jogando entre si e fingindo que são a grande mudança, a nova política, os salvadores da pátria, o fim da corrupção se as pessoas tiverem educação para a cidadania? Seria imposível enganar tanta gente sucessivamente com a mesma conversa.

"O poder quem tem é o povo, que tem de aprender a utilizar bem este poder. Isto, para mim, é a grande vulnerabilidade do Brasil. Nós temos um povo que é mantido - e é mantido propositadamente - inculto politicamente, imaturo politicamente porque ele inculto acredita em demagogia e o demagogo é sempre eleito para mantê-lo sempre inculto. É o cachorro correndo atrás do rabo e nós não evoluímos nunca.", analisa o general Paulo Chagas.

Obviamente tivemos uma grande mudança nas últimas eleições. Após sucessivos pleitos em que a orientação ideológica tendia mais à esquerda, o último mostrou uma tendência mais à direita. Mas o Brasil não evoluiu um milímetro em relação a ter um plano de futuro para a nação ou em finalmente providenciar educação cidadã e cívica. Aliás, os movimentos políticos têm tratato de deseducar o povo neste sentido, apropriando-se de símbolos pátrios, como se fossem pertencentes a pequenos grupos e vinculados a ideologias.

É sinal da nossa ignorância cívica encarar com naturalidade a utilização da bandeira nacional como símbolo ideológico e, pior ainda, personificação de um único personagem da política nacional. Significa que sequer temos a noção de pátria, o amor pelo Brasil, a clareza de diferenciar o patriotismo do nacionalismo.

Se todo ato de violência física - seja em disputas particulares ou em enfrentamentos públicos - começa pelas palavras, o desmonte das instituições que nos levam a um projeto de futuro começa por violar os símbolos pátrios.

Há inúmeros exemplos de como a bandeira do Brasil tem sido utilizada como o avesso do que representa, vou me ater aos mais recentes. No último final de semana, há dois exemplos claros de como se tornou praticamente ponto pacífico, até para agentes de Estado, que um grupo político pode se apropriar da bandeira nacional e até utilizá-la para antagonizar outros cidadãos brasileiros.

Um vídeo circula pela internet em que um policial obriga uma cidadã a remover de seu carro a bandeira do Brasil. "Por quê? Por que aquele cidadão que estava com a bandeira representa algum partido?" O outro episódio, bem mais grave, envolve uma servidora pública que agrediu uma repórter com uma bandeira nacional durante uma manifestação política em Brasília. Para Paulo Chagas, além do crime da agressão, há outros. "Se ela era uma repórter, ela estava querendo impedir de divulgar, então já é um outro crime. E terceiro é o uso da própria bandeira. A bandeira não foi feita para agredir pessoas, a bandeira é um símbolo nacional que tem de ser adorado", explica.

"Para mim, isso tudo é uma coisa bem planejada e planejada há algum tempo, para que nós perdêssemos esse amor cívico pelo Brasil. Nós tínhamos - e as pessoas enxergam como uma forma autoritária ou como resíduo ainda do regime militar, entulho autoritário - o tal do OSPB", diz o general Paulo Chagas, referindo-se à simples eliminação da disciplina de Organização Social e Política Brasileira do currículo escolar.

O processo de demolição de símbolos já chegou às instituições. É a terceira vez em que o general da reserva, que já foi comandante dos Dragões da Independência, alerta para o uso político de um símbolo do Estado Brasileiro e da guarda das instituições que pertencem ao povo, não ao governo nem ao governante da vez. A primeira vez foi no governo FHC, quando o jogador Vampeta deu uma cambalhota na rampa do Planalto diante da guarda. Depois, quando os Dragões da Independência permaneceram ao lado de cartazes de movimentos sociais pregados nos vidros do Palácio durante o governo Dilma. Agora, eles já viraram seguranças de comício.

"Para mim, acima de tudo está o Brasil. Para mim, não é letra morta, não é campanha política, não é slogan de campanha. Para mim e para todos os soldados que eu conheço, isso não é slogan, isso é um compromisso de vida. Daí eu vejo a rampa do palácio ser transformada num comício e os Dragões (da Independência) permaneciam lá.", protesta o general.

Os Dragões da Independência são a tropa com mais simbolismos e a mais antiga do Exército brasileiro, criada em 1808, quando a D. João VI veio para o país. Estiveram ao lado dos mandatários brasileiros em todos os momentos históricos mais importantes, como a independência e a proclamação da República. São a sentinela da pátria, parte importantíssima da nossa história e da nossa cultura, um patrimônio do povo brasileiro. Os Dragões da Independência simbolizam as Forças Armadas guardando o Estado, além de efetivamente fazerem a guarda das instalações da presidência.

O uso político dos nossos símbolos pátrios está tão banalizado que nem os Dragões da Independência, mais antigos e tradicionais que o nosso hino e nossa bandeira, são poupados dessa exploração. Precisam ser. "O sentinela da hora não está ali para defender ou para atacar, está ali como um símbolo da missão das Forças Armadas, que é garantir, a lei, a ordem, a defesa nacional e a defesa da pátria", diz o ex-comandante dos Dragões da Independência, que afirma que teria substituído os sentinelas por outros militares.

Há outros militares que podem fazer a segurança presidencial perfeitamente, são treinados para isso, estão a postos e passam por um processo muito criterioso de escolha para atuar na presidência da República. Não há razão para deixar que a figura mais simbólica e mais antiga das nossas Forças Armadas seja rebaixada do seu posto a uma manifestação de apoio político a quem quer que seja. "Não podemos permitir que a nossa irreverência se torne deboche", conclui o general.

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