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Olavo de Carvalho, PayPal, PagSeguro e a sua liberdade
| Foto: Reprodução/Youtube

Todo debate acalorado que envolva a palavra liberdade nas redes sociais tem dois lados: o de quem está ganhando dinheiro e o de quem está no cheque especial. A turma que tem a conta no vermelho grita suas convicções enquanto a outra turma, de olho em engordar mais a conta, grita o que fizer a turma das convicções ficar mais animada naquele momento. E, no dia seguinte, se precisar gritar exatamente o oposto, o faz sem problemas, sempre em nome da liberdade.

A preocupação do cidadão comum é saber até que ponto sua liberdade pode ser tosada de forma arbitrária nesse novo mundo em que somos vigiados pela tecnologia utilizada em quase todos os serviços necessários para a vida em sociedade. Tentar encaixar nesse conceito brigas comerciais é extremamente lucrativo.

Até ontem, lacradores consideravam que empresas não podem ter preconceitos ao fornecer seus serviços. Eles se opunham aos liberais, que consideram que propriedades privadas devem ter liberdade de decisão. Daí, PayPal decide bloquear as contas de Olavo de Carvalho após pressão do Sleeping Giants. Todo mundo muda de lado num piscar de olhos e sem a menor vergonha.

Os liberais passam a defender que a empresa privada não pode, com base em seus próprios conceitos, interesses e regulamentos, tomar decisões comerciais e de imagem. Os lacradores passam a defender que não precisa mais ser democrático nem dar acesso a todo mundo e pode sim proibir o acesso porque, afinal, é o Olavo de Carvalho. O mais interessante é que ambas as torcidas se empolgam com o discurso, ou seja, não são livres para pensar porque a prioridade é conseguir doses periódicas de estímulo.

Não tenho opinião formada sobre o imbroglio envolvendo o PayPal, Olavo de Carvalho e o Sleeping Giants. Não sei por que a empresa resolveu banir a conta do guru brasileiro e não entendo por que ele não usa o sistema bancário tradicional. Só sei que ali é todo mundo maior de idade, vacinado, rico e com amigos poderosos. Podem brigar entre si e se defender. Como ficam os pobres mortais na mesma situação? Desinformados.

Muita gente tem certeza sobre as motivações do PayPal sem nunca ter trabalhado lá, isso demonstra o nível de confusão entre verdade e fantasia. Empresas privadas não costumam revelar segredos voluntariamente, todo adulto que já trabalhou em uma sabe bem. Muitas vezes, para o público externo a impressão é uma enquanto o processo interno segue lógica completamente diferente. O mesmo vale para a empresa que vende os cursos do guru. Sabemos o que dizem e dizem o que interessa dizer, dos fatos apenas desconfiamos.

Há quem se dedique a defesas apaixonadas com base no que acha ou que está evidente. Todos são livres para isso. Eu desfruto do direito de nunca achar nada: ou sei ou não sei. Neste caso, eu não sei. Tenho sentimentos, claro, cada um de nós tem porque é um caso intrigante, que foi muito comentado, envolve gente famosa e uma ferramente usada por muitos, o PayPal. Natural que todo usuário cogite se a conta dele pode ser encerrada do dia para noite e como regulamentar o tipo de justificativa que uma empresa dessa natureza, que não é do sistema bancário, teria de dar publicamente para isso.

Vamos sair do campo em que não sabemos, apenas sentimos, para o campo em que é possível colher informações. O PayPal tem concorrente no Brasil, o PagSeguro, que é um dos braços do UOL, empresa de capital aberto controlada por Luiz Frias e com participação empresa Folha da Manhã S.A. Se essa empresa fizesse uma "reportagem" sobre o caso PayPal x Olavo, seria informação ou desinformação? Pois bem, ela fez.

Ninguém vai ao site da concorrente da empresa saber sobre ela, geralmente vamos aos clientes. O problema aqui é que as pessoas foram a um portal jornalístico, pensando consumir conteúdo jornalístico e não receberam em nenhum momento a informação de que se trata da holding concorrente da empresa criticada na reportagem não assinada e de título "Veto de PayPal a Olavo de Carvalho é discriminatório, dizem especialistas". Impossível saber se os interesses comerciais influíram ou não no resultado da reportagem, mas entendo que o leitor gostaria de saber que o UOL é dono do PagSeguro, concorrente do PayPal.

Todos os especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes: é discriminatório vetar o acesso à plataforma de pagamentos. O conteúdo é parecido com o que embasa as postagens feitas pelos perfis do PagSeguro nas redes sociais. Só que, nas mesmas redes sociais, outros especialistas que têm a visão oposta dizem ter dado entrevista que não foi publicada.

Outra empresa ligada ao grupo UOL, o jornal Folha de S. Paulo, vive em guerra aberta com os olavistas há anos. Há inclusive processos judiciais, queixas policiais, histórias de hackeamento, difamação e perseguição de profissionais. No jornal, as reportagens parecem apoiar o movimento Sleeping Giants e o posicionamento do PayPal. Já no portal, também parte do grupo, uma reportagem não assinada diz o oposto. E aí é que vem o questionamento: qual é mesmo o business dessas empresas?

Seria natural ter opiniões diferentes. Por exemplo: dois colunistas ou dois profissionais que fizessem artigos em que, com pleno conhecimento dos fatos ou dizendo exatamente até que ponto sabem dos fatos, aplicassem sua experiência e preparo acadêmico para opinar. O jornalismo opinativo é claramente opinião e deve deixar claro que é, como é o caso desta coluna. Mas não é disso que falamos aqui, falamos de reportagem, que o público julga ser um elenco de fatos, não de opiniões. Quem lê a peça com as aspas de diversos juristas precisaria ter a informação de que outros foram ouvidos e discordaram ou que uma empresa do mesmo grupo econômico tem interesse naquela reportagem.

É uma questão ética que precisa ser debatida à medida em que a tecnologia vem evoluindo e mais grupos de comunicação, em todo o mundo, passam a ser associados a empresas de outra natureza. Se o compromisso maior do CEO das empresas é com os acionistas, o compromisso maior de uma empresa de comunicação é com o público. Como equacionar isso financeiramente? Desse debate depende o rumo do jornalismo.

Não adianta condenar em editoriais e desvendar em reportagens investigativas sistemas de desinformação mas, por interesse econômico dos acionistas, que é lícito, fazer parte de forma indireta desse mesmo sistema. Credibilidade é agir durante um longo período de tempo da forma como prega e se trata do principal patrimônio de uma empresa e dos profissionais de comunicação. O problema é que, no curto prazo, não dá tanto retorno.

É evidente que o jornalismo-espetáculo, o tretismo e a desinformação rendem mais cliques e mobilizam mais as pessoas do que a apuração técnica, metódica e serena dos fatos. A realidade é chata demais para gerar o mesmo engajamento que as tretas, mesmo nas piores tragédias. A lição desse caso para o jornalismo é apontar o nó que precisamos desfazer: o alimento diário pode matar aos poucos a galinha dos ovos de ouro.

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