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Onde estão os líderes?
| Foto: Reprodução/ Youtube

Temos o vício cultural de confundir liderança com carisma e, na política, acabamos com personalidades fortes e resultados questionáveis. O conceito de líder vem da antiguidade, do que mostra o caminho, faz propostas, guia, corre o risco, faz funcionar, absorve as tensões.

Talvez o nosso desamor pela ciência explique o fato de, nas redes sociais, ser comum chamar de "macho alfa" aquele que se comporta de forma estridente e truculenta, quer ganhar no grito. Não existe macho alfa estridente, principalmente com fêmea. Confundimos também os mais ruidosos com os líderes.

Quem é agressivo por natureza não serve para ser líder, pelo menos entre as sociedades dos primatas. Os líderes não têm apenas altas doses de testosterona, que lhes confere a masculinidade comumente associada à liderança, têm também baixíssimas doses de cortisol, o hormônio do stress. Não há líderes reativos ou escandalosos, quem dá chilique não lidera porque liderar é dar resultado, guiar.

Estamos pagando a conta de ter colocado em posição de liderança uma série de pessoas que não têm a menor vocação para liderar, têm carisma, popularidade ou ganham no grito. Só que agora precisamos de líderes.

Não buscamos líderes políticos, buscamos pais e os tratamos como se fossem. Deles não cobramos resultados condizentes com as responsabilidades que têm e perdoamos as falhas, por ação e omissão, daqueles que amamos. Só que líderes não são nossos pais nem vão dividir conosco o legado de suas vidas e o que capitalizaram quando não lhes cobramos o devido.

Estamos no meio de uma pandemia sem nenhum rumo, no meio de um tiroteiro político incessante e cruel, sobre milhares de cadáveres, de histórias de vida, famílias e sonhos despedaçados. Para haver rumo, precisaríamos um líder que tivesse uma proposta concreta para nos guiar rumo à superação da pandemia, a apresentasse, colocasse em prática e arcasse com os riscos. Não temos e não cobramos.

O presidente da República apontou falhas em planos de governadores, prefeitos, Congresso, STF. Só não apresentou o plano concreto do Governo Federal para enfrentar a pandemia, o que deveria ter feito em janeiro, quando já sabíamos do potencial destrutivo da peste. Os governadores, por sua vez, em vez de agir como líderes e cobrar uma posição clara do presidente da República, optaram pelas gambiarras, as soluções locais. Os prefeitos ficaram largados ao salve-se quem puder.

Chegou um ponto em que o Supremo Tribunal Federal impediu que o presidente desfizesse os planos-gambiarra que governadores e prefeitos fizeram para evitar que os corpos se empilhassem nas ruas enquanto o Governo Federal titubeava. Agora isso virou desculpa para não apresentar plano nenhum, mas a medida foi tomada meses depois que o plano já deveria ter sido apresentado e que tanto os governadores quanto o Congresso Nacional tinham a obrigação de ter cobrado. Cruzaram os braços.

Se o Ministério da Saúde prega uma coisa e o presidente da República faz outra, os governadores e Congresso Nacional sabem que a conta vai chegar para nós, cidadãos. Têm o dever de cobrar um posicionamento claro, uniforme, um plano concreto e completo de como será feito o enfrentamento, em que condições e financiado como. Mas não, preferem entendimentos bilaterais, arreglos com o centrão, um cargo aqui, outro acolá e nós que nos viremos. Afinal, tem eleição por aí e brigar com Bolsonaro pode não dar em boa coisa para quem quer eleger seus prefeitos.

O caminho tem de ser trilhado e não temos líderes. Estamos nós trilhando, arcando com os custos, com os riscos, com as dores, com as incertezas. Enquanto isso, ainda financiamos um Estado mastodôntico, que não nos entregou um plano concreto e claro de enfrentamento da pandemia. Quem tinha de cobrar também não cobrou porque preferiu entendimentos bilaterais, arreglo com o centrão, aparições na mídia, causar nas redes sociais. Mas continuam sendo pagos, com certeza do emprego garantido e do bom atendimento médico, muito diferente de quem paga as despesas deles.

Não cabe a autoridades debater sobre isolamento e remédios, elas têm de decidir com transparência, explicar os critérios técnicos e arcar com as consequências. É muito cômodo desfrutar das benesses dos cargos políticos sem ter de fazer a coisa chata: trabalhar e tomar decisões impopulares.

É óbvio que o presidente da República é a figura mais emblemática da nossa vocação macunaímica, mas há um sem número de lideranças políticas apostando na mesma fórmula de não fazer propostas e ficar o dia inteiro arrumando briga em cima das propostas dos outros. Só erra quem faz, então não fazer nada acaba sendo um bom negócio na era das redes sociais, em que virtuoso não é quem tem virtude mas quem aponta o dedo para o outro.

Nossas lideranças políticas já esgotaram todos os limites desse jogo de fingir que trabalham porque passam o dia reclamando, estamos vivendo uma tragédia e precisamos de quem realmente esteja disposto a colocar o povo brasileiro acima dos próprios interesses eleitorais.

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