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Os conselhos da OCDE que o Brasil não ouve
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Muita gente ficou preocupada - e com razão - quando a OCDE alertou o Brasil sobre decisões recentes que dificultam o combate à corrupção, como a nova Lei de Abuso de Autoridade e definições sobre o funcionamento do COAF. Não me parece que seguiremos o conselho. E, na verdade, não é o primeiro nem último que deixamos de seguir. Muitos deles poderiam ser bons para o desenvolvimento do Brasil.

Conhecida popularmente como "Clube dos Ricos", a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma instituição internacional que tem a intenção de colaborar com melhores governanças, tentando influir sobre quem elabora políticas públicas em diversos países. Os aconselhamentos buscam melhoras nas condições de vida do poso nos países e têm o objetivo de atingir níveis melhores de bem estar e desenvolvimento econômico-institucional. Não são apenas conselhos de notáveis, estudiosos nem nada do tipo, são relatórios fundamentados em dados e estudos econômicos, sociais, jurídicos, sobre meio-ambiente, infraestrutura e diversas outras áreas.

Essa reunião de países tem um contexto histórico de resultados entregues. Tudo surge a partir do Plano Marshall dos Estados Unidos. Durante o governo do presidente Truman, que já tinha foco em reconstrução econômica, o Secretário de Estado, George Marshall, propôs um plano específico para reerguer a Europa no pós-guerra. Parte dele incluía uma organização formada por 18 países e chamada OECE, Organização Europeia de Cooperação da Economia, fundada em 1948. É a partir dessa organização que surge a OCDE, em 1960, incluindo também países de outros continentes - atualmente são 36. Da América Latina, já fazem parte México e Chile. Colômbia foi convidada oficialmente a participar no processo de ingresso e Argentina foi indicada pelos EUA.

A OCDE faz relatórios econômicos periódicos reunindo dados e, a partir deles, tirando conclusões que acabam sendo uma espécie de aconselhamento para diversos países do mundo. O último do Brasil foi no ano de 2018, tocou no tema da corrupção e em muitos outros.

É importante deixar claro que se trata de dados objetivos, coletados de acordo com uma série histórica. Os políticos brasileiros adoram fazer parecer que são "camaradas" de gente influente nesse tipo de organização. A realidade é que isso não conta nada, contam os números e a realidade.

Todos os dados são obtidos de órgãos e instituições do Brasil e exterior. Por exemplo: dados referentes à conjuntura macroeconômica - inflação, exportação, importação, PIB, traxa de desemprego, pirâmide etária e população - as informações são quase todas do governo brasileiro. Diversas instituições têm esses dados, entre elas o Banco Central, o Ipea e o IBGE. Outros tipos de dados, aqueles usados nas comparações com outros países ou para fazer rankings por países, são coletados nas bases de dados da própria OCDE e também em instituições como Banco Mundial, FMI, OMC e Unctad.

A última divulgação sobre o Brasil é um calhamaço de 166 páginas com muitos dados, gráficos e referências a outros documentos. É um material bastante interessante para conhecer o que a OCDE e os países membros pensam sobre o nosso país, além de entrar em contato com experiências que já foram feitas para resolver problemas semelhantes aos nossos e deram certo. Também são reconhecidos esforços e conquistas do Brasil em diversas áreas. Logo na abertura, há um Sumário Executivo, uma espécie de "tríade de ouro" para reverter dados que continuam negativos ou que voltaram a ser depois de uma melhora:

1. Manter crescimento inclusivo com mais reformas significativas

2. Investimento mais forte e produtividade são a chave para o crescimento futuro

3. O Brasil pode obter grandes benefícios com uma maior integração global e regional

O documento mede os dados disponíveis em 2016, foi discutido pela OCDE em 2017 e agora se torna uma publicação oficial consolidando mais dados do ano passado. Não se trata de avaliação de governos e não tem ainda dados relativos à administração de Jair Bolsonaro. Aliás, é bom deixar claro que a ideologia de quem está no poder pouco importa para a avaliação. Por suas origens, a OCDE tende a ter uma visão mais liberal e obviamente isso tem algum impacto nas avaliações, mas não se faz escolha de ideologia nos documentos baseados em dados.

Um gráfico indica a necessidade da primeira medida: indica como o equilíbrio fiscal do Brasil começou a se deteriorar a partir de 2013 e, ainda que tenham sido feitos esforços - veja que a curva vermelha muda após 2016 - não foram suficientes para que voltássemos ao estágio anterior.

Daí vem a recomendação 1: Manter crescimento inclusivo com mais reformas significativas. Segundo o relatório da OCDE, o Brasil teve, nas últimas duas décadas, um crescimento alto e um progresso social notável, mas isso se deteriorou desde a crise de 2014 e a recuperação da economia tem sido lenta. Como a desigualdade continua alta e o equilíbrio fiscal se deteriorou, aponta-se a necessidade de reformas estruturais para sustentar o progresso e o crescimento inclusivo.

A OCDE recomenda que o Brasil invista mais nos pobres, reduza as transferências econômicas quase automáticas para o setor corporativo e combata a corrupção.

Não, eles não são socialistas. A OCDE é, por excelência, capitalista. Por isso, vê o capitalismo de compadrio brasileiro, baseado em amizade e corrupção - não em produtividade - como empecilho para o crescimento. A Lava Jato nos mostrou bem o tamanho do problema, que os dados econômicos também apontam. Segundo o estudo, gastar mais com os pobres, além de reduzir a desigualdade, ajuda a equilibrar a dívida pública.

A questão das transferências para empresas privadas esteve no centro também da CPI do BNDES. Segundo a OCDE, é preciso reduzir essas transferências sistemáticas e, simultaneamente, conduzir avaliações sistemáticas dos programas de investimento público. A avaliação, com base em experiências de outros países, é que isso fortaleceria o crescimento, melhoraria a governança econômica e reduziria, no longo prazo o espaço público para monopólios e corrupção política. Há ainda a dica de que é necessário continuar as reformas que responsabilizem corruptos para combater a corrupção no Brasil.

Um outro gráfico mostra a necessidade de mais produtividade e investimento, ao comparar o que acontece no Brasil com outros países no mesmo estágio de desenvolvimento que nós estamos. As taxas de investimento são o percentual do PIB, Produto Interno Bruto ou tudo que é produzido num país anualmente, que se transforma em investimento.

A comparação do baixo nível de investimento leva à recomendação 2: Investimento mais forte e produtividade são a chave para o crescimento futuro. Há um obstáculo diante do crescimento do Brasil que não será solucionado por nenhuma ideologia ou política pública, que é a demografia. Nós crescemos muito nos "anos dourados" da economia devido a uma enorme força de trabalho que foi crescente em número de pessoas durante anos.

O terceiro gráfico do Sumário Executivo mostra que nosso nível de abertura econômica, que é de aproximadamente 25% do PIB, está entre os mais baixos se considerados os países com o mesmo nível de desenvolvimento do Brasil. Não estamos sendo comparados com gigantes, como Estados Unidos e Europa, mas com países como Colômbia, Peru e Turquia - todos mais internacionalizados que nós.

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para infraestrutura e estruturação de projetos

O estudo da OCDE cita a necessidade de que as empresas brasileiras transponham as barreiras comerciais e leva em conta os dados coletados entre os anos de 2010 e 2016. O que ganharíamos com isso? Poderíamos importar melhores bens de capital intermediários e matéria-prima, o que nos possibilitaria uma melhoria do nível da produção doméstica. A reação prevista, com base em outras experiências, é em cadeia: aumentando a produção, cresce a produtividade e também a remuneração dos trabalhadores. É possível criar novas funções, já que há novos e mais produtos e, apesar de ser uma grande oportunidade principalmente para os qualificados, também é algo bom para quem não tem qualificação. Os consumidores também sairiam ganhando devido à competição entre produtos.

Mas como abrir o nosso mercado? Fernando Collor já não fez isso na década de 90? Sim e não. Nossas regras não possibilitam uma relação plena com outros mescados como mostram os números. As medidas recomendadas pela OCDE para maior integração com outros países é reduzir impostos de importação, aumentar a participação local nos produtos e qualificar os trabalhadores mais afetados.

Os consumidores também sairiam ganhando para melhorar o nível de produção doméstica e elevação da produtividade do trabalho interna e remuneração, incluindo para os menos qualificados pela criação de novas funções. Para os consumidores, haveria a melhora da competição com os produtos internacionais. Recomendações: redução tributária de importação e aumento da participação local nos produtos; qualificação dos trabalhadores mais afetados pelas mudanças.

Além do Sumário Executivo, a OCDE deixou mais uma recomendação como chave para crescimento sustentável: incentivos para continuar a redução do desmatamento.

Você pode ter muita bronca com catastrofismo e movimentos que são mais marketing do que ação. Muita gente tem, aliás. No entanto, tem a ponta do lápis: o que nós, com pouca produtividade e competitividade, temos a oferecer de melhor? A imagem. Muito do nosso produto é consumido devido à boa imagem do Brasil, à marca Brasil. Hoje, marcas são ativos valorados e negociados em bolsa. Adquirimos ao longo dos anos a marca da alegria e respeito ao meio-ambiente, o que se torna uma carta importantíssima para fechar negócios com quem tem ativos diferentes e, algumas vezes, muito mais palpáveis, a oferecer.

A OCDE não dá dicas nem conselhos sobre como implementar essas medidas. Poderia dar, talvez, algumas dicas sobre como fazer políticos lerem o relatório e aparecerem com propostas parecidas, baseadas em números, estudos e experiências reais.

*** Meus agradecimentos ao economista e amigo James Habe, que trabalhou na coleta de dados do documento da OCDE e ajudou a guiar meus passos no meio de tantos números, gráficos e expressões que só os economistas entendem.

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