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Prepare a paciência: CUT ressuscita os MAVs, militância virtual do PT
| Foto: divulgação CUT

Você já deve ter ouvido nas redes sociais alguém falar nos MAVs. Talvez não tenha ideia do que sejam porque, quando surgiram, eram coisa de gente muito nerd. Eu, por exemplo. Em 2011, o PT decidiu montar os núcleos de Militância em Ambiente Virtual, MAVs. Tivesse lido a cartilha do Ibama sobre espécies exóticas invasoras, jamais teria feito isso.

Os MAVs marcam o início não da militância virtual, mas da gourmetização do militante de esquerda. Em 10 anos, ela funcionou como um caracol gigante africano. Gerou alguns bebês de Rosemary: o núcleo de identitarismo estético, o parque de areia antialérgica e os Che Guevara de apartamento. Se você tem dúvida de quem são eles, confira a cartela do bingo:

O caracol gigante africano é uma das piores espécies exóticas invasoras do Brasil. Chegou por volta da década de 1980, quando alguém do parque de areia antialérgica da sociedade teve a maravilhosa ideia de turbinar a indústria de criação de escargots no Brasil. Claro que sempre haverá mercado para escargot, como também haverá mercado para identitarismo. É praticamente o mesmo recorte socioeconômico de público alvo. Mas não é esta a questão.

O Ibama preconiza que, ao introduzir uma espécie exótica no meio ambiente, é preciso avaliar os riscos com cuidado. Até aquela época, o parque de areia antialérgica frequentava a esquerda mais para contrariar os pais, contar vantagem para a moçada e arrumar emprego em jornalismo ou publicidade.

Dentro do partido lideravam, quando muito, o movimento dos alvos de chacota. De repente, eles passaram a liderar a militância. Como só gente com mais dinheiro tinha condições de ter banda larga e tanta internet disponível à época, os militantes tradicionais ficaram de fora. Além disso, a militância gourmet tem mais dinheiro e relacionamentos, o que a colocou como prioridade na imprensa.

Recomendação do Ibama para a introdução de espécies exóticas
Recomendação do Ibama para a introdução de espécies exóticas

Se você não é da velha guarda, pergunte a alguém o que pensa da militância raiz do PT. Se for petista, vai dizer que era maravilhosa, sindical, vinda da classe trabalhadora. Se não for, provavelmente vai dizer que eram arruaceiros, exageravam, eram broncos. Mas ninguém vai te dizer que eram almofadinhas, malas e não faziam nada além de sinalizar virtude. É isso o que os MAVs fizeram pela militância de esquerda.

O caracol gigante africano teve um efeito semelhante no nosso país. O Brasil virou grande produtor e grande consumidor de escargot? Não. Mas, em compensação, temos agora, segundo o Ibama:
1. Ameaça de extinção para as espécies nativas de caramujos
2. Criadouros para mosquitos do gênero Aedes sp
3. Hospedeiros intermediários de parasitas humanos e de animais domésticos para doenças como esquistossomose, fasciolose, meningite eosinofílica e angiostrongilíase abdominal.

Deu super certo, né?

A gourmetização da CUT e o revival dos MAVs

Quando soube que a CUT é quem faria os novos MAVs, já pensei que poderia ser menos pior. Pelo menos é alguém que já pegou ônibus na vida e sabe a alegria de quitar um carnê. Inocência da minha parte. A CUT está definitivamente gourmetizada.

Dei graças a Deus porque meu pai morreu antes disso. Bancário, era defensor ferrenho do Sindicato dos Bancários do ABC, filiado à CUT. Avalia esse pessoal das Comunidades Eclesiais de Base vendo a CUT virar uma espécie de coxia de desfile do Denner (era mais fino ainda que o Clodovil e Ronaldo Ésper). O anúncio da iniciativa digital da CUT foi feito em francês.

É um jornal de militância política da França. Defende Lula no caso da última rodada de fake news, aquela da foto na lancha que seria do amigo. Era um velho da lancha aleatório, não o Lula.

Eu não tenho maturidade para ver a CUT debater este tema, ainda mais em francês. Tudo dito em francês parece sofisticado e delicado demais, eu não tenho maturidade para isso. Em francês, lixeira se diz "poubelle". Eu não tenho nem lixo qualificado para jogar numa "poubelle", avalia os camaradas da CUT.

E eles toparam dar entrevista para um jornal que descreve "velho da lancha" com a frase: "Sur le bateau, un homme barbu, visiblement âgé, en caleçon de bain". É um disparate. Chega a ser desrespeito com o Lula, com a CUT, com o velho da lancha e até com o cantor Thierry.

O segundo ponto importante que me ocorreu é: sindicato não pode contribuir para campanha eleitoral nenhuma, nem com dinheiro nem com serviços ou mão-de-obra. Tem aí uma saída boa, negar que seja para campanha e dizer que é um investimento em formação digital. Nada a ver com política, mas com defesa dos ideais do sindicato.

Cantaram essa bola para mim e fui atrás. Efetivamente é o que disse o presidente da CUT, Sergio Nobre, ao jornal francês. “Os brigadistas terão a tarefa de resgatar as informações factuais nas redes sociais.  Essas brigadas também são um espaço de formação, portanto estratégicas para que a CUT dê um salto organizativo e representativo". São as Brigadas Digitais da CUT.

"A população precisa saber de toda a destruição causada por Bolsonaro, mas também precisa de solidariedade, ajuda para resolver seus problemas urgentes e imediatos causados ​​pelo governo.  Quem está com fome, sem trabalho, sem casa para morar, sem dinheiro para o transporte público não pode discutir o amanhã, precisa de uma solução para hoje", prosseguiu. Se você não é petista, obviamente viu aí uma possível participação do sindicato na campanha. Convenhamos, é uma linha tênue.

Resolvi então ler a cartilha que a CUT fez para as Brigadas Digitais. Será que diriam ali ter a intenção de militar por uma candidatura específica? Bem, eles disseram. Deixo a foto abaixo, mas você pode conferir a cartilha inteira neste link.

A defesa de ideias no campo digital é legítima, guiada pelos mesmos princípios que regem toda nossa vida. O problema está em outro ponto que o trecho acima mostra: colocar o proprio grupo como inerentemente bom e única chance de vitória numa jihad contra um grupo necessariamente ruim, que vai destruir tudo aquilo que você tiver. Eu fiz até um artigo mostrando como essa técnica usada pelo identitarismo e é efetiva em esgarçar o tecido social.

Quando os MAVs apareceram, pela primeira vez precisei bloquear alguém na vida. Um jornalista muito amigo há anos, gente que frequentava a minha casa. Naqueles idos de 2011, havia virado moda entre parlamentares do PT mandar assessores empurrarem repórteres da TV Globo durante transmissões ao vivo em Brasília. Eu reclamei no Twitter. O outro jornalista já lançou algo como: ah, coitadinho do repórter que contribui para o fascismo que esmaga minorias, misoginia contra a Dilma...

Na época, eu assustei. Ainda não havia visto jornalistas defendendo ataque físico contra outros jornalistas em horário de trabalho. Este tipo de comportamento acaba gerando uma reação contrária na mesma intensidade, com intenção de ser mais violenta. Presenciamos essa escalada nos últimos 10 anos.

A virulência como regra, a lama moral nas ações, o esfacelamento de princípios, o crescimento de sonsos e a alta tolerância com canalhice nos trouxeram a um ambiente político onde mal se pode respirar. Adicionar 60 mil Brigadistas Digitais da CUT a esse caldeirão será um belo de um tempero.

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