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Religiosidade como arma de combate à pobreza
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Aceito na mais antiga publicação de economia do mundo, The Quarterly Journal of Economics, editado pelo Departamento de Economia da Universidade de Harvard, o estudo virou polêmica nas redes sociais por afirmar que o protestantismo evangélico está diretamente relacionado à melhoria financeira em famílias de baixíssima renda.

Parte da problematização nas redes sociais vem de inteligentinhos que não leram o estudo nem entendem de economia, mas confundem o enunciado com a "teologia da prosperidade".

O estudo é, na verdade, um experimento feito com pessoas que vivem na extrema pobreza nas Filipinas, conduzido pelos economistas Gharad Bryan, da London School of Economics, James J. Choi, da Universidade de Yale e Dean Karlan, da Universidade Northwestern. O modelo do estudo foi aprovado e registrado na Associação Econômica Americana e foi financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates.

Foram selecionadas 320 comunidades e 7999 famílias para que recebessem as aulas do programa "Transform", aplicado tradicionalmente pela International Care Ministries (ICM), uma organização protestante contra a pobreza que atua com missionários em diversos países do mundo. O programa completo tem 15 reuniões semanais de uma hora e meia cada uma, dividida em 3 partes: Teologia Protestante, valores e virtudes de caráter (comportamentos saudáveis, meios de subsistência e talentos). Uma última reunião é a formatura.

No bate-boca das redes sociais, parece que o mundo dos estudiosos e técnicos é o avesso do mundo religioso. Mas eles convivem quando se trata de atender as pessoas mais desafortunadas do planeta. Em guerras, tragédias e pobreza extrema, o trabalho de campo é feito por técnicos internacionais e missionários, ombro a ombro, em colaboração.

Dean Martin, um dos economistas que chefiou o estudo, é fundador da Innovation for Poverty Action, que atua em alguns dos lugares mais miseráveis do mundo. Ele sabe que a relação entre os valores cristãos e a prosperidade financeira é explorada tanto na teoria econômica quanto entre os técnicos de campo. Já tive essa experiência e tínhamos a sensação de que as famílias religiosas tinham condições mais dignas de vida, mesmo quando os líderes eram de idoneidade questionável. É conversa corrente nos atendimentos em campo, mas sempre como sensação, percepção individual. Adam Smith e Max Weber já exploravam a ideia de que características ligadas aos grupos religiosos - diligência, economia, confiança e cooperação - eram determinantes para o sucesso econômico.

A teoria parece razoável e, para quem já viveu essa experiência, realmente dá a impressão de que a intervenção dos missionários reduz a pobreza. Mas como medir isso? As 7999 famílias foram divididas em 4 grupos que tiveram aulas diferentes. O primeiro teve o currículo completo. O segundo aprendeu só a parte prática, dos comportamentos saudáveis, meios de subsistência e talentos. O terceiro aprendeu somente a parte dos valores cristãos. E o quarto grupo foi o grupo de controle, que não recebeu nenhuma aula.

O estudo comparou o nível econômico das famílias que participaram nos 30 meses após a intervenção e os resultados desafiam a lógica, mostrando que as teorias e narrativas, na prática, podem não sobreviver muito tempo.

As aulas dos missionários funcionam. O quarto grupo, o que não teve nenhuma aula, era o que estava pior 30 meses depois. A questão é como funcionam. Comparando o grupo que teve o programa completo com aquele que aprendeu só a parte prática, de hábitos saudáveis e subsistência, o segundo é o que estava melhor depois de 30 meses. Por outro lado, se compararmos o grupo que aprendeu só valores cristãos ao que não teve aula, vemos uma significativa melhora econômica nas famílias.

"Nosso artigo contribui para uma literatura recente que argumenta que habilidades não cognitivas são importantes propulsores de resultados econômicos e pode ser aprimorada por meio de intervenções específicas. Esse corpo de trabalho aumenta a possibilidade de que programas para melhorar habilidades não-cognitivas possam ter grandes impactos positivos vidas das pessoas mais desfavorecidas.", diz o texto com as conclusões do estudo.

Gostamos de pensar que todas nossas decisões econômicas são racionais, mas sabemos que não são. O estado psicológico, stress, doenças, desesperança ou paixão podem nos levar a desarranjos financeiros daqueles que os números não entendem. Viver na miséria tem seu pedágio psicológico. As soluções para tirar as pessoas da pobreza não são sempre as mesmas dos conselhos financeiros dados a quem nasceu com um colchão familiar de proteção ou com a vida ganha.

O mais interessante do estudo é a reação a ele nas redes, que conta com pacientes explicações de Dean Karlan. Muita gente lacradora e inteligentinha reclama que a religião não deve se misturar com ciência, como se fosse possível compartimentalizar a vida. Agora veio a ciência falar que a religião funciona. Deu tela azul.

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