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Roda Viva: como funcionam os bastidores
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O Roda Viva é o mais tradicional e mais longevo programa de entrevistas da televisão brasileira. Começou em 1986, comandado pelo jornalista Rodolfo Gamberini e tendo ao centro da roda o ministro Paulo Brossard. O formato nunca mudou: há um apresentador, vários entrevistadores diferentes convidados a cada edição, selecionados pela equipe do programa, e o entrevistado fica ao centro, em uma cadeira giratória.

Tive a honra de ser convidada pela apresentadora Vera Magalhães para entrevistar um dos políticos mais contundentes do Brasil, coincidentemente o segundo entrevistado da história do Roda Viva, Ronaldo Caiado. Atualmente governador de Goiás, foi sempre parlamentar destacado da direita brasileira, muito ligado ao movimento ruralista.

Muita gente me procurou com diversas curiosidades sobre como funcionam o programa, a pauta, as perguntas, a relação com o entrevistado. Em tempos de teoria da conspiração e neste 7 de abril, dia do jornalista, é praticamente uma obrigação contar essa história.

Conto o que vivi e presenciei, do jeito que realmente foi a minha percepção. Para quem espera algo apimentado, melhor esperar o artigo de 11 de dezembro, dia da Ficção Científica Brasileira. Esse vai ser sobre bastidores do jornalismo que, na maior parte do tempo, são muito trabalho e pouco glamour. A íntegra do programa está no vídeo abaixo:

Sobre a ideologia dos entrevistadores convidados e a relação deles com o entrevistado, há de tudo o que se possa imaginar. Alguns colegas ali eu conhecia há mais de 20 anos, a outros fui apresentada pessoalmente no dia. Conhecia o trabalho de todos. Havia gente de todos os espectros ideológicos, inclusive ferozes críticos da administração do Governo do Estado de São Paulo, que financia a TV. Ronaldo Caiado conhecia bem alguns jornalistas, um pouco outros e de outros precisava recordar o nome. Não havia ninguém muito próximo dele nem desafeto específico.

Os contatos são feitos pela produção, como é padrão em todos os programas de rádio e televisão com entrevistados e convidados. O convite foi muito profissional, informou a data, o nome do entrevistado, o horário e a logística do deslocamento até a sede da TV Cultura. Não soube quem eram ou seriam os outros convidados e também não perguntei.

A grande curiosidade das pessoas: NÃO há combinado de pauta, de pergunta, de nada. Trabalho com programas ao vivo desde os 17 anos de idade e atesto que o Roda Viva é um legítimo NHS, Na Hora Sai.

Todo o trabalho de organização é para ter as pessoas no estúdio e ter a parte técnica funcionando. Aliás, um trabalho impecável a recente modalidade das entrevistas à distância, via satélite, a de Ronaldo Caiado feita com apoio da correspondente local da TV Cultura. A pauta é livre. Não me foi feita nenhuma pergunta, nenhum material me foi passado, não me foi dada nenhuma orientação e nenhuma restrição foi feita.

Cada jornalista aparentemente tinha uma pesquisa pessoal sobre o entrevistado e o noticiário. As perguntas também saem diferentes porque os convidados têm perfis e interesses diferentes, então obviamente a apresentadora do programa já espera que se dediquem a pautas diferentes umas das outras. Só que disso não se fala nem na antessala informalmente.

Chegamos separados, com essa logística de tempos de coronavírus. Eu já conheço Vera Magalhães há tempo, é uma das jornalistas mais competentes do Brasil e uma referência no jornalismo político bem antes dessa fase mais midiática, televisiva. Chegamos a trabalhar na mesma emissora, em programas diferentes durante um período. Foi esquisito cumprimentar de longe, não abraçar. Depois não abraçar nenhum dos colegas que chegava e se sentava, sempre a mais de um metro de distância, numa mesa nos bastidores.

Ali conversamos sobre vários temas diferentes: a quarentena, temas jornalísticos, questões pessoais, famílias, coisas que filhos falam, algo da política. Mas não se falou especificamente do programa, de que pergunta seria feita, de nada.

A única orientação foi dada quando já estávamos no estúdio, todos acomodados e a poucos minutos de começar. Vera Magalhães informou que, no primeiro bloco, os entrevistadores fariam uma pergunta cada um, seguindo o sentido horário da Roda. Fora isso, nenhuma restrição.

A ideia é mesmo submeter o convidado a uma Roda Viva de questões, ser toda hora inquirido e desafiado a novas linhas de raciocínio, tendo de se virar a cada momento para um entrevistador diferente, num ambiente em que não é possível controlar que tipo de pergunta ou interrupção vai surgir. Não é para amadores.

Concorde ou discorde dos entrevistados do programa, goste ou não goste, há algo que o público precisa saber: não é uma situação corriqueira. A pressão emocional das diversas câmeras, dos vários jornalistas, das várias vozes diferentes, das interrupções e das várias linhas de argumentação exige entrevistados com profundidade e rapidez de raciocínio. Em tempos de debates rasos e altos, é um alento que o Brasil ainda consiga ser fiel às suas tradições.

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