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Covas e Alckmin recebem a então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, em 2001. Marta venceu a eleição graças ao apoio do PSDB
Covas e Alckmin recebem a então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, em 2001. Marta venceu a eleição graças ao apoio do PSDB| Foto: Prefeitura SP

Embora o resultado das eleições em São Paulo pareça uma renovação brutal, a maior cidade do país está revivendo o próprio passado. A maioria dos paulistanos ainda está na polarização PT x PSDB, mas agora Guilherme Boulos conseguiu alavancar o PSOL para o espaço historicamente ocupado pelo Partido dos Trabalhadores. Parece que o momento de troca de espaço político passou.

Os dois partidos que mais receberam fundo partidário, PT e PSL, naufragaram. Não houve dinheiro que salvasse o Lulismo e o Bolsonarismo em São Paulo. As propostas mais messiânicas que políticas misturadas com a arrogância quando no poder acabaram espantando o eleitorado. A performance ruim não foi apenas de Jilmar Tatto e Joice Hasselmann. Fora Eduardo Suplicy, o vereador mais votado da cidade, todos os outros integrantes dos dois partidos tiveram resultados pífios.

Após 20 anos, Marta Suplicy retribui o apoio de Mario Covas e fica ao lado do neto dele, Bruno Covas. Luiza Erundina repete na chapa de Guilherme Boulos a história de surpresas, reviravoltas, alianças estratégicas e um novo estilo de campanha que a levaram a ser a primeira mulher prefeita de capital no Brasil. A bravata e as personalidades anedóticas continuam tendo seu público, como é tradição. Temos um embate entre dois modelos vitoriosos de campanha, agora com novos personagens e as redes sociais.

Entre os que enxergam fascismo e comunismo até em barraquinha de cachorro-quente, São Paulo vive uma luta entre Deus e o diabo. De um lado o fascista radical Bruno Covas e do outro o comunista radical Guilherme Boulos. Já para os que têm memória, estamos diante de dois projetos conhecidos, mais de centro e com propostas que fizeram história em São Paulo para além das iniciativas de natureza messiânica.

Luiza Erundina não era a candidata lulista à prefeitura de São Paulo em 1988, fazia parte da ala trotskista, a mais radical do partido. Lula, José Dirceu e José Genoíno defendiam a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio para enfrentar Paulo Maluf e João Leiva, candidato do governador Orestes Quércia e de Jânio Quadros. José Serra também concorria mas não assustava. Ocorre que Erundina ganhou as prévias do PT.

Naquela época não havia segundo turno. Luiza Erundina saiu em terceiro lugar e nunca o PT nem uma mulher haviam ganhado eleição em uma capital brasileira. A direita estava com Paulo Maluf que, por mais incrível que pareça, não era a candidatura anedótica da vez. Quem passou a ser espancado por parecer um "fantoche" de seus apoiadores foi João Leiva. Erundina amansou o discurso, rodeou-se de bons quadros e começou a fazer alianças estratégicas, como o PDT e o PC do B. Colou em João Leiva e foi uma surpresa total quando venceu. Paulo Maluf chegou a dizer que iria pedir a recontagem dos votos, mas depois desistiu.

Ainda que não vença no segundo turno, Guilherme Boulos já venceu. É ele o herdeiro político do petismo paulistano, principalmente entre as classes mais intelectualizadas. Não vence na periferia, mas o PT também não vence mais na periferia, nem na zona sul, região de origem de toda a família Tatto. A performance do PSOL na Câmara dos vereadores não deixa dúvidas sobre o feito: Boulos é a nova alma do PT em São Paulo, herdeiro direto de Luiza Erundina.

Marta Suplicy é representante da aristocracia quatrocentona paulistana. Descende de nobres italianos e de bandeirantes que desbravaram o Brasil, foi educada nos melhores colégios de São Paulo, teve um casamento tradicional com outro herdeiro, Eduardo Suplicy e dedicou-se a estudar psicologia e sexualidade. Filiou-se ao PT na fundação, mas fazia sucesso na TV e negava querer fazer política, dizia que o político da família era o agora ex-marido, Eduardo. Candidatou-se pela primeira vez em 1994 a deputada federal e venceu. De personalidade forte, descolou-se rapidamente da figura de Suplicy.

O pas de deux entre Marta e a família Covas começa quatro anos depois, na eleição em que ela, Mario Covas, Paulo Maluf e Francisco Rossi foram candidatos ao governo do Estado. Ela tinha apoio de Lula, era a candidata com a cara do PT, mas saía como azarão. Paulo Maluf estava no auge e Francisco Rossi, com discurso parecido, era fortíssimo. No final das contas, Marta Suplicy passou Francisco Rossi e grudou em Covas, mas ficou fora do segundo turno. Ameaçou processar os institutos de pesquisa. Muita gente, com base nas pesquisas que a colocavam em 4o lugar e com altíssimo índice de rejeição, votou em Mario Covas. A diferença entre os dois foi de apenas 0,4 ponto percentual.

No segundo turno, Marta Suplicy apoiou Mario Covas, representante dos tucanos, um adversário histórico. É a aliança que sepultou o malufismo em São Paulo e inaugurou a dinastia do PSDB no Governo do Estado. Nunca mais o partido perdeu essa eleição e adquiriu expertise em ganhar eleições com a máquina na mão, coisa que o PT não soube fazer com a própria Marta nem com Fernando Haddad. Foi aí que se abriram as portas para que o PSDB ganhasse na capital paulista, até então um tabu.

O capital político de Marta Suplicy em São Paulo também se deve à aliança com Mario Covas. Dois anos depois que ele assumiu o governo do Estado, ela disputou a prefeitura com Paulo Maluf e José Serra. Em seu último suspiro majoritário, Paulo Maluf foi para o segundo turno com Marta. Mario Covas declarou apoio à petista, que já fazia uma campanha mais focada em problemas reais da cidade do que em bandeiras identitárias.

Marta Suplicy não é vice de Bruno Covas, mas o apoio dela é significativo e bem público. Ontem, antes de sair para votar, o prefeito foi tomar um café da manhã com a apoiadora, uma operação bem midiática para frisar que ela está com ele até o final. Até agora, essa aliança mais ao centro havia derrotado o malufismo. Após o primeiro turno, derrotou também o petismo: pela primeira vez um tucano vence em todas as 58 zonas eleitorais da capital paulista. Nem João Dória, que levou no primeiro turno, venceu em Parelheiros e Grajaú. Lá é reduto de Marta Suplicy.

Os tucanos chegaram à prefeitura de São Paulo com a tradição maldita de abandonar a cidade no meio do mandato para entrar na fila de próximo governador do PSDB. Bruno Covas, que concorre à reeleição, era o vice de João Dória. Tanto ele quanto o tucano anterior, José Serra, passaram a campanha jurando de pés juntos que não abandonariam seus mandatos pela metade.

No 2º turno, São Paulo confrontará dois projetos com capacidade de fazer alianças e que já derrotaram a direita malufista, agora fragmentada pela arrogância e vaidade de seus diversos representantes. Outro confronto interessante será entre o poder da máquina pública de Bruno Covas e da estridência das redes sociais de Guilherme Boulos.

Diversos herdeiros do capital político bolsonarista naufragaram, menos o que usou o poder das estratégias de redes sociais, Arthur Mamãe Falei. Nesse campo, ele polarizou diretamente com Guilherme Boulos, que usou estratégias muito similares em uma campanha inovadora para a esquerda. Os dois estouraram em votos e lideraram seus campos políticos, esquerda e direita. A candidatura de Bruno Covas representa o centro, que geralmente é o alvo dos ataques organizados nas redes sociais dos dois outros campos.

Estratégias de redes sociais similares às desses candidatos são típicas de oposição e centradas em contestar o status quo, apresentando-se como alternativa. Apesar de todo o esforço que o TSE demonstrou em combater o que se convencionou chamar de "fake news", as redes sociais ainda não têm regulamentação, é um processo em amadurecimento no mundo todo. No Brasil, ainda há um foco excessivo em controlar o conteúdo, que não é tão importante quanto o regramento do contexto. O fato é que funciona.

Guilherme Boulos é, hoje, maior que o PT em São Paulo. Aliás, até Arthur Mamãe Falei é maior que o PT em São Paulo. O candidato do MBL também se revelou maior do que todas as demais forças políticas da direita, que não foram capazes de se unir. A base social dos dois candidatos é muito menor do que os votos nas urnas. A de Boulos é o MTST e a de Arthur o MBL. São grupos sociais pequenos. Nas redes, os dois se agigantaram.

Celso Russomano ainda saiu com mais votos que Arthur Mamãe Falei, mas é sua pior eleição. Apelidado por adversários maldosos e xenófobos de "cavalo paraguaio", o candidato do PTB sempre começa como favorito e termina mais baixo do que se poderia imaginar. O PT também teve sua pior eleição ña cidade de São Paulo desde a fundação. Até Eduardo Suplicy, que continua sendo o vereador mais votado, viu seu eleitorado cair pela metade. As grandes apostas pessoais de Lula naufragaram.

Fernando Holiday que, segundo muitos analistas, corria o risco de não se reeleger, aumentou a votação e foi o quinto vereador mais votado em São Paulo. O PSOL teve uma performance ainda melhor que o candidato do MBL, dobrou o número de cadeiras na Câmara dos Vereadores. O partido é agora do tamanho do DEM, 3a maior bancada, atrás apenas do PSDB e do PT, que encolheram.

Há outro combo interessante que fez sucesso em São Paulo: o policial-influencer. Felipe Becari, novato, policial civil gato com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram e defensor dos animais há mais de 10 anos foi o 4o mais votado. O Delegado Palumbo, influencer e apresentador do programa "Operação de Risco", da Rede TV, foi o 3o mais votado.

Entre os novatos, Delegado Palumbo é o que teve a maior votação, ficando atrás de dois dinossauros, um deles, seu padrinho, o todo-poderoso Milton Leite. Ele assumiu como vereador no mesmo ano em que eu comecei a fazer reportagem. Naquela longínqua década de 90, foi um dos protagonistas da CPI da Máfia dos Fiscais, como investigado. É o último remanescente daquela fauna e nunca teve outro cargo senão o de vereador. Foi ele quem escolheu o vice de Bruno Covas. Há outros dois dinossauros que já tentaram mais aventuras políticas: o mais votado, Eduardo Suplicy e o lanterninha, Arnaldo Faria de Sá.

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