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Stalkers na mira da Justiça: parecem inocentes, mas podem ser monstros
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Há um tipo de criminoso perigoso que confundimos com brincalhão inocente no Brasil, o "stalker". Pode ser que o hábito de usar o verbo "stalkear" para algo simples como ver foto de um ex numa rede social contribua para a distorção. Há quem pense que se pretende criminalizar o ato solitário de ver postagens públicas dos outros. Não é nada disso.

O stalker é um criminoso perigoso, já amplamente descrito pela criminologia mundial, punido na maioria dos países e que, só agora, começa a ser percebido no Brasil.

No ano passado, escrevi um artigo extenso sobre o que é stalker e quais são as definições científicas para esse tipo de perversão. De lá para cá, já houve mudança no comportamento da Justiça. Embora ainda não tenhamos a criminalização, passou-se a adotar dispositivos da Lei Maria da Penha para tentar assegurar o fim da perseguição.

Há dois anos, um congresso de juízes brasileiros avaliou que é preciso fechar essa lacuna da nossa lei se queremos impedir que os stalkers cometam os crimes que pretendem. Quando passa a fase do deleite com o sofrimento da vítima pela perseguição, a maioria age com violência que pode chegar à morte.

Há 5 tipos de stalkers aceitos mundialmente pelas ciências biológicas: o rejeitado, o predador, o rancoroso, o carente de intimidade, e o conquistador incompetente. O primeiro é o mais perigoso: faz ameaças em 70% dos casos e escalona para a violência em metade deles.

A Defensoria Pública de São Paulo conseguiu na Justiça medidas protetivas para uma mulher que nunca se encontrou pessoalmente com o homem que a perseguia. Eles conversaram online durante um tempo e ele disse que queria um relacionamento. Ela resolveu parar com os contatos. Inconformado, ele começou a insistir. Até aí, parece normal. Só que extrapola.

Como ele ligava o dia inteiro, ela bloqueou o número dele. Então, ele começou a ligar de outros números. A gota d'água foi quando apareceu pessoalmene no trabalho da moça dizendo que iria levá-la para almoçar e fazer um pedido de casamento. Obviamente, ela negou e aí começou a represália.

O perseguidor criou vários perfis falsos em redes sociais para difamar sua vítima, entrando em contato com familiares. Além disso, continuava a ligar o dia todo. Na ação, a Defensora Pública Mariana Chaib apontou que o stalker já havia sido processado por violência doméstica e a mulher - que, dessa vez, havia tido um relacionamento real com ele - ganhou medidas protetivas contra a perseguição.

Na ação, a Defensora Pública Mariana Chaib, que atua na Casa da Mulher Brasileira, apontou que Marcos já havia sido processado anteriormente por violência doméstica contra uma mulher com quem teve relacionamento amoroso, tendo sido aplicadas medidas protetivas contra ele.

"Apesar de aparentemente não se tratar de violência no âmbito doméstico, trata-se de situação sui generis, que permite a aplicação da Lei Maria da Penha", diz a Defensora Pública. Mas não seriam medidas apenas para relacionamentos reais? Esse, no caso, era um relacionamento imaginário, platônico: "Tendo em mente que o objetivo primário da lei é a proteção da mulher em decorrência de seu gênero, deve-se levar em consideração que o requerido, por toda a narrativa trazida, acredita veementemente que viveu, vive ou viverá em um relacionamento amoroso com a requerente" - defende Mariana Chaib.

Na decisão, a Juíza Danielle Galhano Pereira da Silva considerou a existência de "cenário que evidencia existência de risco à integridade física, psicológica e moral da ofendida", levando em conta os antecedentes do stalker. Ele ficou proibido de entrar em contato com a vítima e seus familiares bem como se aproximar dela.

Há outra decisão aqui em São Paulo, envolvendo uma pessoa pública que passou a ser perseguida por um fã. Talvez a primeira vez em que alguém tenha atentado para a periculosidade dos stalkers foi no caso trágico envolvendo Ana Hickmann. Um fã que ela jamais conheceu convenceu-se de que os dois tinham um relacionamento até que tentou matá-la por isso. Felizmente, o cunhado da apresentadora conseguiu intervir, mas acabou por ter de tirar a vida do stalker e responder um processo para esclarecer os fatos.

O escritório Arruda Botelho Sociedade de Advogados, também em São Paulo, conseguiu uma decisão de medida protetiva com base na Lei Maria da Penha para stalker que tinha um relacionamento com sua vítima apenas na imaginação, era fã. Ele mandava mensagens por todas as redes sociais o tempo todo e fez um site para "homenagear" a atriz. É típico do stalker tentar qualificar como boas intenções as atitudes que dão a ele o deleite de ver a vítima entrar em desespero.

Só que ele começou a ir a todas as apresentações de teatro da atriz que perseguia pela internet. Não há duas personas, uma na internet e outra na vida real, tudo é vida real. Quem persegue persegue, usando todo instrumento que tiver à disposição. O escritório pediu medida protetiva para a atriz e a Justiça decidiu proibir qualquer tipo de contato. O stalker sumiu. Caso viole a medida, pode ser decretada prisão preventiva. Ambos os casos correm em segredo de Justiça.

Pode parecer a mais absoluta loucura alguém que nunca teve um relacionamento com outra pessoa convencer-se de que há algo entre os dois e começar a perseguir sem dar sossego. Acontece mais do que pensamos, na maioria das vezes com mulheres, mas também com homens.

Punir o stalker porque ele poderia descambar para a violência - e vai, na maioria dos casos - seria lidar com futurologia na área do direito criminal. A punição é por outro motivo: ele viola a liberdade e a sanidade mental da vítima para atender seus desejos torpes de ter prazer com o sofrimento alheio. Não se pode dar a ninguém o direito de fazer outra pessoa de refém, física ou psicologicamente. Os juízes apontam que precisamos preencher esta lacuna.

Seguindo exatamente o ponto que é avaliado pelo Judiciário com base na experiência, o deputado Fabio Trad apresentou o Projeto de Lei 1020/2019, que altera o artigo 147 do Código Penal para criminalizar o stalking. Como você pode ver pelo texto, não há como confundir o stalker criminoso com a pessoa inocente que olha ou curte fotos de outras nas redes sociais.

Assédio obsessivo ou insidioso

147-A Assediar alguém, de forma reiterada, invadindo, limitando ou perturbando sua esfera de liberdade ou sua privacidade, de modo a infundir medo de morte, de lesão física ou a causar sofrimento emocional substancial.

Pena - reclusão, de dois a quatro anos e multa.

Assédio obsessivo ou insidioso qualificado

§1º Se o autor do fato foi ou é parceiro íntimo da vítima. Pena – reclusão, de três a cinco anos e multa.

§2º Incorre na mesma pena do §1º aquele que praticar o assédio com uso de tecnologia informática para inclusão, alteração de dados ou usurpação de identidade digital da vítima.

§3º As penas previstas nesse artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

Sempre existiram stalkers e sempre foram odiosos. Os criminosos mais perigosos são justamente os que se deleitam com a ação, não estão em busca de uma recompensa maior. Ocorre que a era da hiperconectividade deu a esses criminosos uma série de formas mais fáceis, rápidas e efetivas de tentar acabar com a vida de suas vítimas. Os países mais avançados já sabem do perigo deles. Precisamos de leis e de mudança cultural.

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