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Filhos de famílias conservadoras postam fotos dos looks depois que abandonam o lar.|
Filhos de famílias conservadoras postam fotos dos looks depois que abandonam o lar.|| Foto: Reprodução / Tik Tok

O jovem faz besteira e ponto. É para isso que existe a juventude. Às vezes morro de medo do que acabarão virando, na meia idade, esses jovens que insistem em ser mais conservadores do que os pais. Talvez, em alguns anos, teremos uma geração da terceira idade inteiramente formada por versões de Supla e Paulo Cesar Pereio, sem o brilhantismo do segundo.

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Você muito provavelmente fez bobagens vergonhosas na juventude. Eu também fiz, aos montes. Algumas vezes consegui não ser descoberta e, na maioria das vezes, paguei o preço. A família estava lá para dar limites aos desatinos naturais da idade. Toda geração tem grupos que exploram jovens oferecendo "alternativa" às famílias e agora isso é feito também pela internet.

Obviamente é sempre uma minoria quem se mete nessas empreitadas malucas. A maioria ou é contida pela família a tempo ou cai na real e desiste porque percebe a manipulação. Nas décadas de 1970 e 1980 foram muito famosas as seitas religiosas e os movimentos revolucionários. Muitas famílias não entendiam como os filhos, com vidas encaminhadas, jogavam tudo para o alto e metiam-se naquilo.

Houve quem arruinou a vida e houve quem voltou e refez a mesma vida que tinha antes. Por que, como diz a música, apesar de terem feito tudo o que fizeram, ainda eram os mesmos e viviam como os pais. Estamos acostumados a ver jovens absurdamente idealistas ou sonhadores que, pelo menos por um período, podem acabar desgarrados da família e de suas raízes. Toda geração tem os seus.

A novidade vinda com as redes sociais é trair a família para pintar o cabelo, colocar unha postiça, fazer tatuagens ou usar roupas de estética questionável. Salvo casos de famílias extremamente radicais ou violentas, parece até um pouco ridículo que um jovem precise sair de casa para fazer esse tipo de "transgressão". Vivemos a apoteose da superficialidade.

As queixas existenciais dos jovens sempre foram estopim de grandes loucuras. Os amores, as traições, os ideais, a religiosidade ou a negação dela estão no centro de todos os grandes enredos da literatura mundial desde sempre. Mas pintar o cabelo? Usar calça rasgada? Sinceramente, isso é coisa que jovem costumava fazer só pelo prazer de irritar os pais. Ocorre que hoje há uma valorização social de quem transforma isso num drama que leva à traição da família.

Uma moça de 19 anos e usuária do Tik Tok iniciou a tendência há quase um ano. Postou a transformação visual após ter conseguido livrar-se de uma família conservadora. Ao olhar o shortinho, a sombra, a sobrancelha feita e o lápis de olho em um passeio à Disney, as mulheres da minha família certamente discordariam da classificação "conservadora". Mas a moça dizia não conseguir se expressar pelas roupas porque os pais proibiam.

Ela fez um vídeo que tem mais de 2,8 milhões de visualizações relatando essa opressão terrível de vestir roupinhas comuns e como livrou-se da família para a realização sublime de uma tintura de cabelo malfeita e unhas do Zé do Caixão em verde e amarelo. Até aí, não vejo problema.

Eu era arrimo de família nessa idade, mas jovem faz bobagem mesmo. Nossa geração não tinha rede social para que ficassem registrados nossos momentos mais patéticos. O problema é que outros começaram a levar isso a sério e parte da imprensa progressista assumiu esse discurso. Mais de 900 jovens entraram na dança do Tik Tok. Quer dizer, não teve dança, pelo menos.

Usaram a narração feita por Cherryemojigirl e colocaram suas próprias fotos de transformação após sair de lares conservadores. Como vocês verão na maioria das fotos do "antes", os lares não eram conservadores coisíssima nenhuma. Se você nasceu numa família liberal do Brasil, que é um país mais conservador, já não podia vestir-se como uma cheerleader norte-americana na adolescência. Pelo menos não na frente dos pais. Elas podiam.

Há uma enorme confusão entre o que se atribui a limites impostos por famílias conservadoras e as convenções sociais. Vestir-se de uma forma que não é o padrão da cultura onde você vive tem consequências. Para algumas pessoas, é tão importante que elas assumem. Não parece ser o caso. A intenção é tentar que a sociedade se dobre à vontade de alguns jovens, o que não parece possível.

As postagens falam em "glow up" depois de sair de uma família conservadora, expressão que significa melhorar, ganhar brilho. Não há dúvidas de que as pessoas ficaram mais chamativas e passaram a destoar da forma como os demais se vestem. Não fica claro, no entanto, o que esses jovens desejam com a mudança no visual.

Postam que estão muito felizes e finalmente encontraram quem são verdadeiramente. Mas o fazem na expectativa de likes e comentários, ou seja, da aceitação de terceiros. Buscam também mostrar que são parte de um grupo que rejeita os costumes de seus pais, conservadores.

Caso realmente estivessem seguros e não precisassem da aprovação de terceiros, não faria sentido precisar sair da família para mudar de visual. A saída da família não é para que seja possível fazer algo, é para não assumir consequências e viver em um grupo onde só há pessoas que apóiam aquilo. Formar seitas é cada vez mais fácil e criativo na era da internet.

O mais curioso da história é a crença real de que os cabelos, unhas e roupas são realmente manifestações individuais e não um sinal de pertencimento ao grupo. Somos humanos, pensamos por meio da lógica de grupo, não da individualidade. Observe o antes e depois de várias fotos. Ao final, você identifica facilmente todos como sendo de um mesmo grupo, com as mesmas predileções estéticas. Não há nada de disruptivo ou individual.

O fenômeno psicológico em que as pessoas acreditam pensar de forma objetiva e original, sem influência do grupo, chama-se Realismo Ingênuo. Os fugitivos das famílias conservadoras realmente acreditam ter de deixar as famílias para viver uma experiência nova e de expressão individual. Repetem o que fizeram nas gerações anteriores os emos, hippies, punks e o que mais você se lembre.

A novidade é o jovem imaginar que a transgressão vem acompanhada de inimputabilidade. E também imaginar que pintar o cabelo de azul qualifica como transgressão após os 12 anos de idade. O site Bored Panda fez uma reportagem levando tudo isso a sério, a repercussão persiste até hoje em fóruns do Reddit. Postagens assim são feitas porque geram cliques, mas impactam pessoas reais e dão a entender que essa é realmente uma questão importante. Precisamos parar o trem da idiotização coletiva.

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