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Uma fábrica de analfabetos
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Este é o primeiro resultado do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes da OCDE) após uma grande reestruturação na área de avaliação de leitura, que passa a englobar também os desafios do mundo digital. Se, até o último teste, o foco era basicamente em leitura, compreensão e interpretação de texto, agora também se avalia a capacidade de encontrar informações e avaliar as fontes.

A capacidade de leitura é considerada pelos avaliadores a mais importante, acima da capacidade em matemática ou ciências. Ler não é apenas uma habilidade, "a capacidade de leitura não é apenas o fundamento para obter bons resultados em outras áreas do sistema educacional, mas também um pré-requisito para a participação com sucesso na maioria das áreas da vida adulta", estipula a OCDE.

"O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, é a ilusão do conhecimento", cravou Daniel Boorstin, diretor da biblioteca do Congresso dos EUA e autor do indispensável "The Image". A frase descreve a atual sociedade brasileira como se feita para ela.

Tomemos por exemplo os adultos de 30 a 35 anos que expressaram o desapontamento diante do resultado dos nossos jovens lembrando que, na época deles, as coisas eram bem melhores. Não eram. Muitos imaginam que a própria fantasia e saudosismo são conhecimento. Na verdade, estamos mal sim, mas melhoramos desde o início do PISA e estagnamos nos últimos 10 anos. Temos de levar em conta que a avaliação hoje é bem mais exigente do que era até a última edição.

Quando o PISA começou, em 2000, havia a seguinte definição: "Capacidade de leitura é entender, usar e refletir sobre textos escritos, de forma a que o indivíduo atinja os próprios objetivos de desenvolvimento de conhecimento e potencial e participe na sociedade".

Em 2009, 2012 e 2015, com o advento das redes sociais, se adicionou o conceito de interação : "Capacidade de leitura é entender, usar , refletir sobre e interagir com textos escritos, de forma a que o indivíduo atinja os próprios objetivos de desenvolvimento de conhecimento e potencial e participe na sociedade".

Na última edição houve uma mudança completa de conceito de compreensão de leitura, que se estende para as diversas formas de comunicação digital e sua contextualização. Some a palavra "escrito" e passa a ser central para a compreensão a capacidade de avaliar informações. "Capacidade de leitura é entender, usar , avaliar, refletir sobre e interagir com textos escritos, de forma a que o indivíduo atinja os próprios objetivos de desenvolvimento de conhecimento e potencial e participe na sociedade".

Segundo a OCDE, não houve alteração no conceito de capacidade de leitura, mas uma adequação da definição às mudanças sociais. Hoje, o conjunto de habilidades necessárias para compreender textos e aplicar no dia-a-dia é diferente de 20 anos atrás. "Estabelecer e conquistar objetivos não são os motivadores apenas da decisão de interagir co textos, fazer seleção de textos e passagens de texto, mas também decisões de parar de interagir com determinado texto, passar a interagir com outro, comparar e integrar a informação avaliada de diversas fontes", explicam os especialistas em educação que fazem o PISA.

Um leitor fluente é o que tem facilidade e rapidez em compreender o que lê e, segundo o critério estabelecido pelo PISA, há 3 habilidades básicas, divididas em subgrupos:

1. Localizar informação: acessar e colher informação em um texto, procurar e selecionar textos relevantes.

2. Compreender: representar o sentido literal, compreender conclusões e fazer as próprias conclusões.

3. Avaliar e refletir: avaliar qualidade e credibilidade, refletir sobre forma e conteúdo, detectar conflitos e lidar com eles.

O PISA avalia estudantes aos 15 anos de idade, aqui geralmente são aqueles que estão começando o Ensino Médio. Hoje se exige deles uma gama muito maior de habilidades e capacidade de raciocínio para verificar se têm capacidade de leitura. Vamos comparar com o último teste, feito em 2015.

Em 2015, a tarefa era apenas dentro de um único texto, sempre escrito. Sua conclusão dependia de acessar e colher informação, integrar e interpretar, refletir e avaliar. No exame feito em 2018, cujo resultado foi divulgado agora, começamos a ter uma divisão. Num texto único, que pode ser qualquer formato de linguagem utilizado digitalmente, é preciso: examinar e localizar, compreensão literal, compreensão das conclusões, avaliar qualidade e credibilidade, refletir sobre a forma e conteúdo. Além disso, é necessário, quando há múltiplos textos sobre o tema: procurar e selecionar os textos relevantes, compreender as conclusões encontradas nos diversos textos, corroborar ou lidar com os conflitos de informação.

São 7 os níveis de proficiência de leitura, de acordo com o PISA. Apenas no mais alto, o 6, a pessoa tem o pleno domínio da linguagem de forma a usar para o progresso pessoal e participação na sociedade. Somente 2% dos brasileiros estão nessa faixa.

Nível 1b: Localizar uma peça única de informação explícita colocada em local evidente, num texto curto e com simplicidade sintática, em contexto e tipo familiares, como narrativa ou listas simples. São textos que geralmente dão apoio ao leitor repetindo a informação ou adicionando fotos e símbolos familiares. Os leitores podem interpretar os textos fazendo conexões simples entre informações parecidas.

Nível 1a - Localizar mais que uma peça de informação explícita, reconhecer o tema principal e o proprósito do autor em um texto sobre tema familiar ou fazer uma conexão simples entre a informação do texto e o conhecimento do cotidiano. São textos em que a informação principal é bem destacada e o leitor é explicitamente direcionado a ela, sem levar em conta ou havendo um mínimo de informações conflitantes.

Nível 2 - Localizar uma ou mais peças de informações. Podem reconhecer a ideia principal em um texto, entender relações ou interpretar significados em uma parte limitada do texto quando a informação não é tão explícita e necessita um pouco de raciocínio. Nesse nível, as tarefas envolvem comparações ou contrastes baseados em um único elemento do texto. A reflexão típica deste nível requer fazer comparações ou conexões entre o texto e conhecimento externo, recorrendo à experiência e atitude individual.

Metade dos brasileiros estão nesse ponto, no Nível 2 de leitura. 50% dos nossos jovens de 15 anos são incapazes de realizar o tipo de tarefa que você vê adiante.

Nível 3 - Localizar e, em alguns casos, reconhecer relações entre várias peças de informações. Integrar várias partes de um texto em ordem para identificar a ideia principal, entender a relação ou interpretar o significado de uma frase ou palavra. É preciso levar em conta vários fatores para comparar, contrastar ou categorizar. A informação não é tão evidente ou há competição de informações, como obstáculos no texto, por exemplo, ideias que são contrárias às expectativas ou expressas em formato de negação. A reflexão requer, conexões, comparações e explicações ou a avaliação de um elemento do texto. Necessário demonstrar bom conhecimento do texto com relação ao conhecimento familiar e cotidiano. Não chega a requerer compreensão detalhada do texto, mas menos busca de apoio em senso comum.

Nível 4 - Localizar e organizar várias peças com informação embutida. Interpretar nuances de linguagem um parte do texto comparando com o todo. Compreensão e categorização de textos num contexto em que não está familiarizado. Capacidade de criar hipóteses ou avaliar o texto de forma crítica usando conhecimento do senso comum ou acadêmico. Demonstrar grande compreensão de textos longos e complexos com cujo conteúdo ou forma não tem familiaridade.

Nível 5 - Localizar e organizar várias peças com informação profundamente embutida, concluindo quais informações no texto são relevantes. Reflexão por meio de criação de hipóteses ou avaliação crítica a partir de conhecimento especializado. Entender completamente e em detalhe texto cujo conteúdo ou forma não é familiar. Nesse nível - e não nos anteriores - o leitor é capaz de lidar com conceitos que são contrários às expectativas.

Nível 6 - Capacidade de tirar múltiplas conclusões, fazer comparações e contrastes que são detalhados e precisos. Completo e detalhado entendimento de um ou mais textos e integrar informação de mais de um texto. Lidar com ideias não familiares na presença de informações explícitas que concorrem com elas e gerar categorias abstratas para interpretações. Criar hipóteses ou fazer avaliações críticas do texto sobre um assunto em que não são familiarizados, levando em conta múltiplos critérios e perspectiva e aplicando entendimento sofisticado para além do que está no texto. Uma condição importante para identificar e realizar tarefas nesse nível é a precisão de análise e a atenção fina ao detalhe que é quase impercetível nos textos.

Apenas nos níveis 5 e 6 temos leitores capazes de diferenciar fatos de opiniões. São 2% dos brasileiros. DOIS POR CENTO. Se levarmos em conta os mais ricos, são 6% - SEIS POR CENTO.

A partir do nível 5, temos leitores capazes de compreender textos longos, lidar com conceitos abstratos ou controvérsias e realmente estabelecedr a diferença entre fatos e opiniões com base em dicas implícitas do próprio texto ou do conjunto de textos que embasam a informação. 98% dos brasileiros que iniciaram o Ensino Médio no ano passado não têm essa capacidade.

Não sabemos o percentual da população em geral que é capaz de observar uma mensagem de whatsapp, um post em rede social, ver um vídeo ou escutar um áudio e concluir se aquilo é um fato ou a opinião de alguém. Pela primeira vez a OCDE avalia essa capacidade, fundamental para a participação dos adultos na sociedade.

Uma pesquisa do Pew Research Center nos Estados Unidos, onde o percentual de pessoas que diferenciam fatos de opiniões é mais de 5 vezes maior que o nosso, mostrou que um dos principais problemas do debate político é confundir opinião com fato. A tendência é que, ao não gostar ou discordar de um fato, as pessoas digam que se trata apenas de uma opinião.

É o PISA e não a política em si que explicam o nível de esgoto do debate público brasileiro. Mais grave que a absoluta incapacidade de diferenciar uma opinião de um fato é a ilusão de saber a diferença entre os dois. Quando permitimos que a briga contra fatos seja confundida com conflito de opiniões, criamos um mundo paralelo. Não sairemos tão cedo dele.

Pelo menos é o que indica o debate público sobre esses resultados. A reação geral foi buscar culpados para serem xingados e incentivar os seguidores a se juntar ao movimento, de forma catártica. Políticos consolidam seguidores apaixonados, cidadãos se sentem fortalecidos e vingados. Dane-se a vida real, Brasil.

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