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Uma pessoa nunca é só um número
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Oficialmente são 7391 mortes por coronavírus confirmadas no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde. Nenhuma dessas pessoas é um número para tantas outras milhares de pessoas que ficaram de coração destroçado, viram os sonhos rasgados, amargam a saudade. Cada um vive seu luto de forma diferente, mas é sempre algo muito difícil de expressar.

Aldir Blanc, médico de formação, resolveu dedicar a vida ao amor às palavras. Cronista e letrista, nos deu obras primorosas, poesias profundas musicadas principalmente por João Bosco, seu maior parceiro, que faziam chegar à boca do povo a sofisticação da palavra erudita que mexe com o coração popular.

Quantas vezes a gente congela diante de um cartão de aniversário, um livro de nascimento de bebê, um e-mail de felicitações e almeja ter um talento desses do Aldir Blanc, de saber colocar nas palavras os sentimentos exatamente da forma linda e delicada como são.

Tenho pensado muito nessas centenas de famílias que vivem o luto na era do coronavírus, a morte sem rituais, sem abraços, sem gente em volta para chorar junto. Pior ainda neste ambiente tóxico em que transformamos o país, onde debater temas que não dominamos de forma agressiva se tornou algo muito mais importante que acolher a dor dos nossos compatriotas.

Nos grupos de whatsapp e nas redes sociais em geral o ressentimento jorra aos borbotões. O sentimento de impotência diante do inimigo invisível e da insatisfação com as medidas tomadas pelas autoridades é convertido em discursos inflamados e agressões a desconhecidos. Há quem goste, conheço até quem tenha horas de divertimento com embates, mas creio que pouquíssimas pessoas enlutadas tenham essa capacidade.

Não creio que seja a maioria a reagir com raiva para aplacar o medo, mas esse tipo de reação grita alto, indigna, chama a atenção, encobre as demais. Há muitas pessoas que estão trazendo diariamente a lembrança do valor da vida, um milagre, e do valor de cada uma das pessoas que está se dedicando a salvar vidas e a manter o funcionamento dos serviços essenciais durante o caos.

Se a disciplina e a técnica nos salvam o corpo, a arte e a espiritualidade nos salvam a alma e a mente. Para todos os que têm a dor do luto e da incerteza entaladas na garganta, a forma artística de João Bosco viver o luto é um bálsamo como as composições maravilhosas que ele fez com Aldir Blanc.

"Peço desculpas aos que têm me procurado hoje. Não tenho condições de falar.

Aldir foi mais do que um amigo pra mim. Ele se confunde com a minha própria vida. A cada show, cada canção, em cada cidade, era ele que falava em mim.

Mesmo quando estivemos afastados, ele esteve comigo. E quando nos reaproximamos foi como se tivéssemos apenas nos despedido na madrugada anterior. Desde então, voltamos a nos falar ininterruptamente. Ele com aquele humor divino. Sempre apaixonado pelos netos.

Ele médico, eu hipocondríaco. Fomos amigos novos e antigos. Mas sobretudo eternos. Não existe João sem Aldir. Felizmente nossas canções estão aí para nos sobreviver. E como sempre ele falará em mim, estará vivo em mim, a cada vez que eu cantá-las.

Hoje é um dos dias mais difíceis da minha vida. Meu coração está com Mari, companheira de Aldir, com seus filhos e netos.

Perco o maior amigo, mas ganho, nesse mar de tristeza, uma razão pra viver: quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças.

Uma pessoa só morre quando morre a testemunha. E eu estou aqui pra fazer o espírito do Aldir viver. Eu e todos os brasileiros e brasileiras tocados por seu gênio.”

João Bosco - 04/05/2020

Peço desculpas aos que têm me procurado hoje. Não tenho condições de falar. Aldir foi mais do que um amigo pra mim. Ele se confunde com a minha própria vida. A cada show, cada canção, em cada cidade, era ele que falava em mim. Mesmo quando estivemos afastados, ele esteve comigo. E quando nos reaproximamos foi como se tivéssemos apenas nos despedido na madrugada anterior. Desde então, voltamos a nos falar ininterruptamente. Ele com aquele humor divino. Sempre apaixonado pelos netos. Ele médico, eu hipocondríaco. Fomos amigos novos e antigos. Mas sobretudo eternos. Não existe João sem Aldir. Felizmente nossas canções estão aí para nos sobreviver. E como sempre ele falará em mim, estará vivo em mim, a cada vez que eu cantá-las. Hoje é um dos dias mais difíceis da minha vida. Meu coração está com Mari, companheira de Aldir, com seus filhos e netos. Perco o maior amigo, mas ganho, nesse mar de tristeza, uma razão pra viver: quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças. Uma pessoa só morre quando morre a testemunha. E eu estou aqui pra fazer o espírito do Aldir viver. Eu e todos os brasileiros e brasileiras tocados por seu gênio.”

João Bosco - 04/05/2020

"Uma pessoa só morre quando morre a testemunha" é muito mais que uma frase lindíssima de João Bosco, é um chamado à missão de dar sentido à vida de tantos que estamos perdendo diariamente para essa maldição que se abateu sobre nós. Não falo apenas dos nossos grandes artistas, escritores e intelectuais que nos deixam órfãos como país, mas das mães, pais, tios, tias, filhos, amigos, cunhados, professores, conhecidos.

Que saibamos nos servir da arte e da espiritualidade para atravessar este período duro que o destino nos reservou. Nossa missão não é apenas vencer a batalha contra o vírus e reparar os estragos imensos que ele fez pelo mundo, mas preservar nos nossos corações e mentes as memórias das vidas que se perderam e continuarão sendo um milagre.

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