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Uma verdade incômoda vem à tona com o documentário sobre Jeffrey Epstein
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Quando o escândalo de assédio sexual do bilionário Jeffrey Epstein veio à tona nos Estados Unidos, ele imediatamente ficou sem amigos. Ninguém o conhecia mais, ninguém era mais tão íntimo assim. Democratas tentaram jogá-lo no colo dos Republicanos e vice-versa. Os bravos funcionários do sistema Judiciário correram às entrevistas coletivas para mostrar serviço e rigor. Um documentário traz à tona a verdade incômoda.

O caso é muito pior do que parecia nas reportagens, envolve uma rede de exploração e tráfico sexual de menores de idade que operou durante mais de 20 anos nos Estados Unidos e fora dele sob o silêncio conivente de autoridades, ricos e famosos. Jeffrey Epstein jamais teria esmagado suas vítimas sozinho.

O documentário na Netflix tem 4 capítulos e consegue abordar o tema de uma forma muito interessante. Não há uma única cena sexual. Aliás, para ser honesta, não há sequer cenas sensuais. O assédio sexual é colocado no lugar onde os criminologistas o colocam, do abuso de poder. Não se trata de atração, de sexualidade, mas de subjugar outro ser humano, de ter a sensação de ser mais que ele.

Tudo gira em torno dos depoimentos das vítimas. Os primeiros são de 1996, mais de 20 anos antes de que o caso se tornasse escândalo. Há um componente especialmente perverso na escolha das meninas que seriam vítimas de abuso sexual, assédio e tráfico sexual: todas já haviam passado por abusos anteriores ou vinham de lares bastante conturbados. Ele prometia a elas emprego, um futuro, inclusive pagava estudos.

Os artistas, políticos e bilionários que frequentavam as festas caríssimas, a casa de luxo e a ilha particular de Jeffrey Epstein muito provavelmente não sabiam da dimensão completa do que acontecia. Havia um esquema permanente, quase diário, de recrutamento de meninas pobres, de famílias desestruturadas, para o trabalho de "massagista". Algumas tinham 12 anos e eram levadas por colegas de escola. Todas eram estupradas, com consentimento da mulher de Epstein, que até hoje nega todas as acusações, embora as vítimas digam que ela estava presente em vários eventos.

Algumas passavam a receber comissões para aliciar colegas, outras passaram a ser "emprestadas" para amigos do bilionário. O caso mais quente na mídia foi o do príncipe Andrew, da coroa britânica, que tem até foto com uma das vítimas e a mulher de Epstein. Mas o bilionário também recebia com frequência Bill Clinton e Donald Trump, além de diversos outros políticos famosos.

Ainda que não soubessem de tudo o que acontecia nas propriedades de Jeffrey Epstein, não é curioso que tanta gente tão sabida e perspicaz jamais tenha questionado o que tantas adolescentes novinhas faziam por lá? Talvez elas não fossem consideradas dignas de nota, fossem invisíveis aos olhos dos poderosos.

O próprio Jeffrey Epstein vivia de querer agradar, bajular e ostentar para ser aceito. Sabia-se que era milionário, mas ninguém nunca soube - ou quis - dizer direito de onde vinha o dinheiro dele. Na verdade, ganhou muito em esquemas ilícitos nos anos 80 e depois passou a administrar a fortuna de um bilionário dono de vários negócios, incluindo a griffe de lingeries Victoria's Secret. Epstein era amigo de Harvey Weinstein, o chefão da indústria do cinema condenado à prisão por uma série de ofensas sexuais ao longo de décadas. Ele também aparece no documentário.

Mesmo depois de condenado em 2008, o bilionário permanece querido na roda de amigos famosos, vivendo vida normal, dando festas, violando a prisão condicional. Várias de suas vítimas mudaram de país para fugir da perseguição. Ele só foi preso em 2019, 23 anos depois das primeiras acusações. Um mês depois da prisão, apareceu morto na cela. Segundo o governo dos Estados Unidos, foi suicídio. Como é natural nos dias de hoje, sobram teorias conspiratórias.

É um documentário para os fortes, apesar de não ter uma única cena chocante. Mexe com as emoções e deixa claro que calar é uma cumplicidade tão eficiente quanto colaborar. Entre os amigos de Jeffrey Epstein há muitas pessoas que efetivamente colaboram em causas humanitárias e se preocupam com o futuro das crianças e adolescentes. O curioso é que, quando são desafiadas na vida real a tratar os filhos das famílias desestruturadas como seres humanos dignos, falham miseravelmente.

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