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O podcaster Monark
O podcaster Monark| Foto: Reprodução/ Twitter

Enquanto houver otário, malandro não morre de fome. Se um texto merece começar com esta frase é este. Hoje, o Supremo Tribunal do YouTube, responsável por determinar o que pode ou não ser dito no Brasil, determinou que o sr. Monark não pode mais monetizar vídeos por ter infringido regras da comunidade. Sinceramente, mais do mesmo. O chocante é outra coisa: ter adulto otário o suficiente para acreditar na ladainha.

E eu realmente vi pessoas que têm status, estudo, um lugar importante na sociedade defendendo e explicando a derrubada do Monark. A gente nunca sabe direito quem, lá no fundo, banca o intelectual mas enfia sorvete na testa. Hoje é um dia maravilhoso para você parar de dar bola para quem é mais trouxa que você.

O YouTube enviou um email ao Monark dizendo que ele não pode mais ganhar dinheiro na plataforma. Segundo as regras, é possível. Pode acontecer por um único evento em que viole as políticas de forma grave, seja espalhando discurso de ódio ou assediando um indivíduo. Não é por isso que Monark foi punido. Afirmo que o YouTube mente e precisa parar de mentir sistematicamente com ajuda da imprensa. Conheça o caso em que o YouTube PAGOU ADVOGADO para anônimo violar as políticas do próprio YouTube.

Vendo o caso do Monark, imediatamente pensei nas dezenas de canais de doutrinação neonazista pura que eu conheço. Vi até o povo apelar para o "pode canal de acusado de pedofilia, mas não pode o Monark". Não é um bom argumento por ser terreno pantanoso, o YouTube pode dizer que não sabia. Esse caso que eu vou mostrar é diferente: além de saber da violação, o YouTube pagou advogado do violador. Ou seja, não dá mais para dizer que não sabia.

Eu poderia voltar a insistir com meus colegas jornalistas que o Conselho de Direitos Humanos da ONU é contra derrubada de conteúdos por decisão de empresas, não das instâncias governamentais responsáveis por essa decisão. Permitir que isso seja feito em um caso abre a porteira para que esta empresa regule o mercado da comunicação e manipule as democracias e a política. Mas brasileiro é trouxa e não tem senso de sobrevivência. Desisti. Insisto só com vocês mesmo, meus leitores.

Nesse caso de ataques coordenados e manipulação do mercado de comunicação por meio deles, estou confortável na posição de Cassandra desde 2015. Quer dizer, desde 2019 fiquei confortável, antes era só tratada como louca mesmo. Em 2019, resolvi que mais alguém precisava dizer a mesma coisa que eu, no caso, um juiz, dois, três, uma centena se necessário. Comecei a utilizar o tempo antes gasto em defender minha imagem e conversar com Big Techs em processos judiciais.

Eu mesma montei os processos, expliquei o método dos envolvidos, mostrei que eram remunerados e recompensados com alcance pelas plataformas. Eu já havia reportado os casos a todas as redes sociais, mas um especial incentivava pessoas perturbadas a fazerem todo tipo de ameaça, como um esporte. Nesse caso, decidi acionar também judicialmente a plataforma, o YouTube. Os autores eram anônimos, mas o canal monetizava.

Foi uma época em que eu fiquei especialmente fragilizada com ataques online porque ainda não havia estudado profundamente e não sabia lidar com eles. Além disso, havia trolls que ameaçaram meu filho de morte e houve uma "visita" à escola dele, felizmente a antiga. Os mais agressivos eram seguidores desse canal do YouTube que fez diversos vídeos dedicados basicamente a me xingar.

Eu poderia elencar aqui dezenas de vídeos que me acusam de fazer parte de uma conspiração satanista pedófila que já matou crianças. Pesquise "pizzagate" para entender o tamanho disso. Já ganhei os processos judiciais para ser indenizada por quem ganhou dinheiro às custas da minha imagem. Os vídeos continuam no YouTube e monetizando. Foram denunciados. Aliás, o canal que mais fazia isso perdeu a viabilidade financeira depois dessas ações. Ele vivia de difamar para ganhar seguidores, é a regra do YouTube.

Aqui estão as regras do YouTube. Assim como no caso do Monark, a penalização seria não monetizar mais. Foi aplicada? Não. O produtor de conteúdo continua monetizando até hoje os vídeos, todos denunciados à época. Bom, o YouTube pode dizer em todos esses casos que não sabia, mas que leva com a maior seriedade tanto assédio quando combate à pedofilia. Então lembro a vocês uma passagem da CPI da Pedofilia, já que recordar é viver.

Voltemos a 2008, foi uma das minhas últimas coberturas no árduo ofício de repórter de rua. Eu não me lembrava disso, quem lembrou foi minha amiga, professora Daniela Alves, que assessorava em Brasília a CPI da Pedofilia. O Ministério Público e a Polícia Federal colocaram o Google na CPI, sob acusação de proteção aos dados de integrantes de uma rede de pedofilia em Rondônia. Um assessor do Google foi preso bisbilhotando a documentação da CPI. Nada aconteceu até hoje.

Como o Google não dava à PF e ao MP a identificação dos usuários, propuseram um termo de ajustamento de conduta que restringia a cessão de dados a casos muito específicos. Pedofilia era um exemplo. No meio desse debate, as câmeras do Senado flagraram Rilson Moura mexendo nos documentos secretos da CPI. Ele foi preso. Declarou à polícia do Senado que era estrategista da Arko Advice acompanhando a CPI para um cliente, o Google. Foi solto depois. É desse nível de respeito pelas nossas leis que estamos falando aqui.

Voltemos agora ao caso do tal processo. Nunca imaginei que pessoas equilibradas fossem acreditar no que o canal dizia de mim. Os apresentadores eram dois homens mascarados com vozes distorcidas, só gente muito desavisada levaria a sério. Era justamente esse o problema. A agressividade e o tempo livre dos fãs desse canal era completamente desproporcional, o que acabava me colocando em risco real.

Nessa época, cheguei a acreditar que o YouTube, diante da situação de risco real de alguém assediado, me ajudaria a conter os danos que o negócio da empresa causou. Não é culpa do criador de conteúdo que o material à beira da sociopatia tenha chegado a tanta gente violenta com tempo livre, foi o YouTube quem deu o match e lucrou bem mais que eles com o conteúdo. Doce ilusão a minha. O YouTube mentiu para não ter de revelar a identidade dos criadores e pagou advogado para defender o conteúdo deles.

Bingo da violação de regras do YouTube

Eu decidi intercalar recortes das regras do YouTube com trechos do vídeo que constam do processo já encerrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. São 40 minutos dedicados exclusivamente à minha pessoa, o que já seria assédio. Mas não para por aí. Vamos confrontar o YouTube do Marketing com o YouTube do Jurídico para você ver o duplo padrão escancarado.

Duplo padrão: o marketing mente, o jurídico é quem manda

Se você acompanhou atentamente o bingo das regras do YouTube, o canal que eu citei no meu processo contra a Big Tech fechou a cartela toda. Se bobear, não tem uma regra do YouTube que deixaram de fora, estão de parabéns. Infelizmente neste caso, peguei um juiz jurássico. Ele achou que YouTube era um tipo de TV e eu estaria preocupada que alguém acreditasse nessa papagaiada toda.

Na época, minha preocupação era com segurança física e conseguir trabalhar. Vários perfis unidos incitavam seus seguidores a me ofender como se fosse um esporte. Eles contaminavam todas as transmissões em que eu aparecia com baixarias. Os daquele canal específico começaram a circular fotos de dentro da minha casa, falaram com pessoas da minha família. Queria saber quem eram, se era só conversa ou se havia o risco de desandar o caldo.

Felizmente, poucos meses depois o Brasil Paralelo deu um bom emprego a um dos responsáveis pelo canal e ele achou outra ocupação além de xingar pessoas. Tive ajuda para, fora do processo, descobrir e mapear quem oferecia risco real. Mas, lendo a política do YouTube, você tem a impressão de que ele vai tirar isso do ar porque viola todas as regras da plataforma, certo? Errado, ele paga advogado para manter no ar até hoje e monetizando.

Neste caso específico e no caso do Monark a discussão tende a ser simplificada de forma grosseira. Ficamos presos em opinar se o vídeo deve ou não ficar na plataforma. Não é isso que discuto aqui, são duas outras coisas. A primeira é se o YouTube segue mesmo as regras que ele próprio criou para si. A outra é quem determina se um conteúdo fica ou não na plataforma, o YouTube ou a lei brasileira.

Pelas regras do YouTube, o vídeo em questão no processo seria banido da plataforma e talvez até o canal fosse banido. Isso é o que o YouTube Marketing fala da boca para fora e tem otário que acredita. Inclusive eu fui uma dessas otárias naquela época. A realidade é que o YouTube não segue as próprias regras e diz oficialmente, em processo judicial, que elas violam a liberdade de expressão. Siga os prints.

Agora eu fiquei confusa. No processo, o YouTube diz que não remove conteúdo a menos que ele seja ilegal e diz que só o faria caso a Justiça considerasse que é ilegal. Nas políticas que divulga (você pode voltar lá no texto para conferir) há a previsão de banimento de diversos conteúdos que não são ilegais, mas que causam clima de perseguição e animosidade entre criadores na plataforma. Você acaba de ver o YouTube afirmar em juízo que não cumpre a própria política porque é ilegal.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considera que fazer uma novelinha sobre uso de drogas e xingar durante 40 minutos não são ofensas nem difamação. Gente, avalia o que é um almoço de domingo na casa desse juiz. Deus me defensa. Mas ele decidiu e decidido está. Nem me importa mais porque descobri como lidar com os riscos reais e as ameaças. Ainda sobra o YouTube nessa. Disse e fez uma coisa no caso Monark e o avesso neste caso. É incrível defenderem que essa empresa seja a dona do debate público.

O absurdo do caso Monark

Há algo especialmente irônico no caso Monark. Ele é de um grupo que defende a liberdade radical sem controle das instituições de Estado. O YouTube, que parece estar contra ele agora, defende a mesmíssima coisa. Acontece que o YouTube está se lixando para o Monark, quer tornar regra que ele não tenha de obedecer leis no Brasil e possa subverter, para além da lei, as próprias regras.

Vamos deixar de lado a questão sobre ser ou não ilegal o que o Monark disse e se o vídeo deve ou não ficar no ar. O vídeo foi feito no canal do Flow e deletado pelo próprio criador de conteúdo. As penalidades previstas são menos recursos para o canal, deixar de monetizar é um exemplo. O canal pode até deixar de existir. Nada disso foi aplicado no caso, o YouTube Brasil inventou uma regra só para o Monark e depois do fato ocorrido.

Qual foi a penalidade que ele recebeu? Nenhum vídeo com ele pode ser monetizado, nem em outros canais. O canal que inicialmente perdeu a monetização é um canal diferente daquele em que o conteúdo foi veiculado. Onde está essa regra nas políticas do YouTube? Não está. É uma regra criada especificamente para o Monark, produtor de conteúdo que ganhou sucesso fazendo o que o YouTube mais incentiva, chocar as pessoas.

Ele não está sozinho nessa. O deputado Kim Kataguiri, um dos maiores casos de sucesso de chegar ao poder institucional via redes sociais, concordou com tudo o que ele disse. Suponhamos que o YouTube realmente adotou uma regra nova e retroativa, o que contraria todos os princípios legais do mundo civilizado. Ele aplicou em quem tem poder institucional? Não. Deve ser coincidência ou engano.

Em seguida desse episódio, houve a demissão de Adrilles da Jovem Pan por um gesto na tela, interpretado como saudação nazista. A emissora, ao demitir, chancela que aquilo realmente foi uma saudação nazista. Aqui estamos diante de um caso diferente, já que a Jovem Pan não é canal de YouTube nem jornal nem site, é uma concessão pública.

Em concessões públicas não existe a independência de colunistas da mesma forma que existe nos jornais, sites e canais. O concessionário é o único responsável por tudo aquilo que for veiculado. Levando isso a ferro e fogo, assumindo que realmente o YouTube tenha criado uma nova regra séria que vai seguir, ele desmonetizou tudo o que a Jovem Pan criar? Não. Há uma diferença de porte de negócio, tradição e acordos celebrados com o YouTube entre Jovem Pan e Flow. Mas a diferença de tratamento obviamente também é coincidência ou lapso.

Um dos principais combustíveis do sucesso das Big Techs é manipular de forma ardilosa o schadenfreude. É a palavra alemã que descreve o prazer que sentimos quando alguém de quem não gostamos se dá mal. Trata-se de um sentimento normal, que cega e paralisa o ser humano. Manobra inteligente do YouTube. Ver Monark se dar mal impede muita gente de perceber o perigo do precedente aberto agora.

Na dinâmica polarizante que torna as Big Techs bilionárias, radicalização e simplificação são combustíveis da vida diária. Se o Monark finalmente encontrou o que procurava, então o que foi feito precisa ser apoiado. O inimigo do meu inimigo é meu amigo. Será?

O que o YouTube busca no mundo todo é conseguir ficar à margem das leis nacionais e substituir as instituições e a sociedade na mediação do debate público. Este é um caso clássico de sucesso. A empresa demonstra com ações que paira acima das leis brasileiras e não está nem um pouco disposta a se submeter a elas. Esqueça o fator ideológico, isso só te coloca no cheque especial. Aqui falamos de lucro.

Quem mais lucrou com os excessos do Monark, ele ou o YouTube? O YouTube, sem sombra de dúvidas. Tempos atrás, fiz um artigo sobre as finanças da indústria antivacina nos Estados Unidos, que é suprapartidária e acima de ideologias. Há 12 produtores de conteúdo que são responsáveis pela maioria do que vemos nas redes. Juntos, faturam em um ano US$ 36 mi. As Big Techs lucram US$ 1,1 BI com o conteúdo deles. Significa.

Não é por razão ideológica ou maldade que as Big Techs não querem se submeter a leis nacionais, é por dinheiro e poder. Acabam cedendo onde realmente precisa, em lugares onde realmente é mais caro infringir leis do que obedecer, como na Alemanha. Aqui não precisa. Basta sinalizar boa vontade, sem mudar um milímetro do comportamento, para entrar na fila da beatificação dos bravos lutadores contra fake news e discurso de ódio.

Conhecemos as árvores pelos frutos, não por folhagem bonita. O YouTube não vai gastar à toa uma tonelada de dinheiro em marketing, quer resultados. Aqui, ele e outras Big Techs conseguem. Quando um inimigo número 1 da lacração sofre, automaticamente a grande mídia e boa parte da opinião pública apoiam tudo o que a rede social tenha feito no caso específico. O contexto é simplesmente desprezado.

Nessa briga, temos definitivamente um vencedor hoje. Monark não pode mais monetizar nada no YouTube e a rede social recebeu apoio na opinião pública porque muita gente não queria o discurso dele circulando. O discurso já não estava circulando. As instituições, como o Ministério Público, já se meteram na história. Espertamente, o YouTube ganha engajamento e apoio à sua forma de atuação oferecendo migalhas a quem se rende ao schadenfreude.

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