Zé de Abreu x Tábata: mexeu com uma, mexeu com todas? Depende

• 0

Vira e mexe tenho a impressão de que o Nilo do Lixão de Avenida Brasil encarnou no ator José de Abreu. A primeira eleição presidencial que eu cobri foi em 1998, vencida por Fernando Henrique Cardoso. Era época em que concorria gente inesquecível como o falecido Enéas Carneiro. E outros que a gente não esquece porque até agora são candidatos, como Lula, Ciro Gomes e Eymael.

Nesse passado distante, José de Abreu era o que chamávamos de "almofadinha". Um rapaz de fala mansa, risonho, tucano declarado em campanha de FHC. Fazia parte da turma que hoje chamamos de "Bancada do Sapatênis". Difícil acostumar com esse bom moço dando chilique porque defende que um meliante qualquer pegue Tabata Amaral a soco. Ainda bem que não foi o Danilo Gentili, senão seria misoginia.

Vamos ao caso concreto. Um senhor de meia idade com foto de perfil usando óculos escuros e palavreado de boca de fumo não gostou de uma declaração da deputada Tabata Amaral: "É preciso furar a bolha da esquerda e da direita e chegar ao povo". Reagiu com a frase: "se encontro na rua, soco até ser preso". Que pessoa maravilhosa, né? Por isso, Nilo do Lixão o ator José de Abreu decidiu repostar.

Os petistas têm razão quando dizem ter avisado sobre o risco de fascismo. Todo mundo é fascista. Na eleição passada, até a Marina Silva era fascista e recalcada porque Dilma foi escolhida por Lula, ela não. Ainda bem que não foi o Danilo Gentili que disse, senão seria machismo. Agora Tabata Amaral é fascista e merece ser abatida a soco, só que isso não é violência contra a mulher porque ela é fascista e fascista não tem sexo. O que seria fascista? Aparentemente, quem não me obedece.

Fui bloqueada no Twitter por José de Abreu em 2016. Ele cuspiu no rosto de uma mulher e eu o chamei de lhama. Exagerei, admito. Uma pessoa tão respeitosa e zelosa da dignidade humana não está acostumada a esses deslizes que cometo vez ou outra. E olha que eu nem falei em bater em lhama, aliás nunca falaria porque amo animais. Mas vamos adiante que a história melhora.

Logo após o episódio em que defendeu abertamente pegar a deputada Tabata Amaral a soco, com ampla defesa de personalidades petistas, recebeu uma resposta do ex-presidente Lula. O assunto era outro. O emoji era um soco. Obviamente foi uma coincidência infeliz. Afinal, nosso ex-presidente da República é um amador em comunicação política e não tem equipe para isso.

Quando tudo parecia perdido, os grandes heróis da internet, protagonistas da história mais bem contada do Brasil, resolveram agir. Os Sleeping Giants saíram em defesa de Tabata Amaral. Eles desmonetizaram o José de Abreu? Não. Fizeram campanha para que ninguém o siga ou patrocine junto a agências de publicidade lacrativas? Não. Pediram a cabeça dele e cancelamento de contrato? Não. Ué, então fizeram o quê? Nem citaram José de Abreu.

Redes Sociais não são conteúdo, são contexto. Embora o texto pareça pacífico, quem é marcada? Tabata Amaral, não José de Abreu. Tem um motivo, como teve quando eu fui marcada pelo perfil Sleeping Giants: atrair ataques contra a pessoa marcada. Funciona. Independentemente do que poste, qualquer perfil cuja tarefa é promover justiçamentos atrairá ataques a todo perfil que marcar. Em ano pré-eleitoral, já é tradicional crescer perfis atacando mulheres.

Vi artistas, feministas, jornalistas declaradamente feministas defendendo José de Abreu. Afinal, não é como se o Danilo Gentili tivesse dito aquilo. Defender que uma mulher merece apanhar é ou não é violência contra a mulher? Se for o José de Abreu, é "crítica". Um malabarismo semelhante ao dos defensores do pastor Marcos Pereira, em 2013. Ele foi gravado dizendo a uma fiel: "tô com saudade do seu rabo". Alegaram que é porque o peixe é símbolo dos cristãos.

As desculpas vão ficando cada vez mais ridículas justamente porque José de Abreu não para de atacar mulheres. Começou em 2016 cuspindo no rosto de uma moça enquando discutia com o companheiro dela. Tomou gosto pela coisa e não parou mais. Outro dia disse que Tabata Amaral "tem dono". Inventou fofocas sexuais sobre Regina Duarte. Xingou Gloria Perez. Vive xingando a jornalista Vera Magalhães. Mas, como é o José de Abreu, não é machismo.

Em 2016, Maria do Rosário meteu-se justamente na história da cusparada no rosto da moça. Alegou que, como ela "não se deu ao respeito", estava tudo bem cuspir no rosto de mulher. Detalhe: a briga era entre o companheiro dela e José de Abreu. O humorista Danilo Gentili reclamou da declaração. Aí, obviamente era misoginia. Ele foi processado e só foi inocentado em abril deste ano.

Se quem reage a agressão não planeja como agir, então deve ser inocentado, a deputada Maria do Rosário aprova a revogação da Lei Maria da Penha? Até agora, todo espancador que eu vi ir conversar com a polícia tem uma história muito longa e triste para contar sobre como foi provocado e estava só reagindo. Aliás, pensando bem, se todo agressor é vítima da sociedade, ele só está reagindo à opressão estrutural. Menos o Danilo Gentili.

Este é aquele processo que Danilo Gentili esfregou nas próprias partes íntimas e mandou devolver à deputada. Seria apenas uma reação à agressão? Afinal, ela defendeu um agressor de mulher, o humorista reclamou e foi processado com uso da força do Congresso. Seria se fosse o José de Abreu ou o Jean Willys. Como era o Danilo Gentili, mais processo e muitas reportagens, inúmeras declarações de artistas absolutamente indignados.

Dia desses, várias atrizes defendiam que se atacasse impiedosamente colegas atrizes que não expressassem posicionamento político (contra Bolsonaro, claro) neste momento grave. Colegas minhas, jornalistas, concordam com o patrulhamento. Poucas dessas defenderam Tabata Amaral, não vi o mesmo número de reportagens e artigos de quando a questão envolvia Maria do Rosário e Danilo Gentili. Cadê o movimento "mexeu com uma, mexeu com todas"? Vi no whatsapp que mudou para "mexeu com uma, mexeu com todas, menos se for a Tabata". Deve ser Fake News.

Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko é jornalista desde a década de 90. Foi Consultora Internacional do Unicef Angola, diretora de comunicação da Change.org, assessora no Supremo Tribunal Federal e do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp. É ativista na defesa dos direitos da criança e da mulher. **Os textos da colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

veja + em Madeleine Lacsko