“Mito”. Era assim que os apoiadores de Jair Bolsonaro se referiam ao hoje presidente da República durante a campanha responsável por içá-lo ao poder. Aos olhos da massa, a naturalidade com que o então candidato atacava o chamado politicamente correto foi decisiva para torná-lo merecedor do apelido. Um voluntarismo na hora de chocar o senso comum por meio de bestialidades só mesmo cabível — pior do que isso, digno de aplauso — num espasmo temporal distópico. Caso da última eleição.
Preciso admitir: invariavelmente senti vergonha. Um certo constrangimento, tanto pelos acintes defendidos quanto pela idolatria construída em torno deles.
Contudo, eleição terminada e nem dois meses passados de “nova era” em voga, já é possível capitular: ao menos enquanto mandatário, Jair Bolsonaro é realmente um mito.
Existe hoje uma considerável dificuldade de se criticar o presidente. Considerável e compreensível. Primeiro porque, mesmo com tantos sinais de desmandos, inabilidade política e amadorismo, a nova gestão apenas começou. Depois, pela nossa tradicional preferência em torcer em vez de analisar. Votar neste país é acima de tudo ofício de arquibancada. E ninguém gosta de admitir que poderia ter escolhido melhor.
Entretanto, há outro fator preponderante que ao menos por enquanto acaba por resguardar Bolsonaro. Falo aqui das pessoas à sua volta, com destaque para seus filhos. Da concorrência que, associada a essa recusa por parte da sociedade em enxergar o cenário de maneira pragmática, o dissocia de sua equipe. É surreal, mas é o que acontece.
Com efeito, e não sem justiça, a concessão crítica da vez recai sobre Carlos Bolsonaro. Vereador no Rio de Janeiro, Carlos se comporta nas redes sociais como um adolescente malcriado. Pensando bem, o termo malcriado nesse caso transborda imprecisão. Carlos se comporta como um perfeito débil mental. Parece não atinar para a realidade de que sua postura e seus comentários machucam o país, mas principalmente seu pai.
Ponderei dia desses e repito agora, uma vez que o bolsonarismo não me permite tratar da benesse que foi a alta clínica do presidente ou a reforma da Previdência: Carlos é um problema, porém não podemos esquecer de Flávio e Eduardo. Idem para Damares Alves, Ernesto Araújo e o ministro colombiano, cada um parecendo mais biruta do que o outro ao se pronunciar.
Todos podem ser merecedores de críticas e justificam receios generalizados, contudo não faz o menor sentido excluir Jair Bolsonaro da equação. Melhor dizendo, não se trata de incluí-lo na barafunda, mas , sim, de responsabilizá-lo. E não somente pelo fato de ser ele a empunhar a caneta. Isso também. Acima disso, entretanto, pede passagem a constatação de que tem se demonstrado até aqui um perfeito paspalho, incapaz de domar sua prole e pensar estrategicamente. E isso na melhor das hipóteses. Na pior delas é arquiteto do caos, alternativa aventada sem meias-palavras por Rodrigo Maia quando recentemente analisou esse imbróglio envolvendo o ministro Gustavo Bebianno.
A comparação entre Bolsonaro e salvadores da pátria anteriores ainda não cabe. Alguns estão até atrás das grades. Porém não custa lembrar o mal que causamos a nós mesmos quando concedemos a nossos representantes a sensação da impermeabilidade.
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