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Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil| Foto:

A grande ironia contida na frase que pode pôr um fim ao governo — “Mais um motivo para a troca”, enviada pelo presidente ao então ministro da Justiça Sérgio Moro, a fim de forçar uma mudança na direção da Polícia Federal em virtude de investigações mirando parlamentares bolsonaristas — é que ela vale para o próprio Jair Bolsonaro. Não que já não houvesse abundantes motivos para o seu afastamento, como tratei há semanas. Desta vez, contudo, ele mentiu publicamente para todo o país. Precisa cair.

Analisar o que leva o presidente da República a dilapidar com tanta voracidade o seu patrimônio político não é tarefa simples. Há indícios claros de baixa autoestima e uma paranoia capaz de levar a delírios persecutórios. Inteligir não é o seu forte e um autoritarismo visceral se impõe na maioria de seus atos. Nada disso, porém, justifica um processo de autoflagelo tão meticulosamente traçado. A começar por ter levado a sério a fanfarra de governar às cotoveladas com o Congresso Nacional.

Em Brasília há décadas como obscuro deputado do baixo clero, tendo passado por quase uma dezena de partidos, Bolsonaro entende muito bem o funcionamento da dita velha política. Ajudou a construí-la e a representa como poucos.

O falso dilema entre o toma lá, dá cá e o varejo absoluto, como se não existisse a opção de governar compondo alianças pautadas em agendas benéficas para o país, funcionou bem durante a campanha, em meio ao ápice da polarização ideológica, mas não sobrevive ao mundo real, onde a boa política se faz por meio de pontes e acomodações.

Arrastar para o seio do governo seus rebentos, dedicados a diariamente semear intrigas, talvez tenha sido o principal atalho para dinamitar a própria gestão. Nenhuma administração seria invulnerável a figuras tão deseducadas, inoportunas a ponto de rifarem aliados internos e externos. Capazes, inclusive, de ferir a imagem do Estado mundo afora e de arriscar sua balança comercial.

Jair Bolsonaro habituou-se a alardear que montou um ministério impecável, o que diz muito sobre o universo em que habita. Não poderia existir um ministério que fosse composto por Ernesto Araújo, Abraham Weintraub ou Ricardo Salles. Que dirá pelos três. Sem falar nos demais, encimados por um inoperante Paulo Guedes, refém da mesma síndrome do patinho feio que assola o alto comando da gestão federal.

No fim das contas, elencar os porquês da debacle bolsonarista beira o inútil. E só não o é por completo dado que sempre poderemos aprender com os erros.

Dito isso, não haverá soldados, como a deputada federal Carla Zambelli, ou cornucópia de robôs virtuais em condições de alterar os fatos: além de Sérgio Moro ter acusado o presidente de tentar interferir na atuação da Polícia Federal, Bolsonaro em pessoa acusou o golpe.

Sim, buscou intrometer-se em investigações da Polícia Federal. Não vê problema em “interagir” com o diretor-geral da PF para ser informado acerca de investigações. Em receber relatórios, de preferência a cada 24 horas.

O fato mais inusitado em tudo o que tem acontecido no Brasil durante os últimos 14 meses é que ninguém minimamente informado tem o direito de se dizer surpreso. Quanto seremos capazes de absorver, todavia, fica para depois.

Premente é a realidade: durante os próximos meses, milhares de brasileiros terão suas vidas ceifadas por conta não só de inoperância, mas de arrogância, obtusidade e falta de empatia da parte do governo. De quebra, os que ainda estiverem por aqui terão de lidar com uma recessão jamais vista.

O enfrentamento do futuro nefasto que já vira a esquina será melhor caso Jair Bolsonaro tenha deixado a presidência.

Mais um motivo para a troca.

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