Eis a realidade: como juiz, Sérgio Moro teve um papel fundamental no combate à corrupção. Não é possível garantir que sem ele o volume de prisões e o retorno de uma quantidade obscena de recursos aos cofres públicos teriam acontecido. Entretanto, nada disso justifica reações histéricas e até mesmo desavergonhadas. Menos ainda o apoio para que o ministro da Justiça e Segurança Pública continue no cargo, após a revelação, pelo site Intercept Brasil, dos diálogos entre ele e o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Deltan Dallagnol.
Em tempos como este, em que ser coerente com os fatos e atento a referências históricas são atitudes passíveis de crítica, causam particular espécie as posturas intelectualmente desonestas de senhores com o cabelo branco determinados a insuflar a massa. Idem para fedelhos que estufam o peito para arrotar platitudes como “patriotismo”. Esses fariam um grande favor ao país caso abrissem mão dos palcos que utilizam para guiar incautos rumo ao suicídio moral e a um estado de burrice irreversível.
A gravidade, no primeiro caso, se mistura com a surpresa. Habitualmente, não se espera de pessoas com alguma estrada posturas inconsequentes, comuns aos mais jovens. Bem ao contrário, nesses casos a expectativa é sempre de que haja serenidade. Uma condição para fazer análises que apenas os mais vividos são capazes de oferecer.
Quanto ao segundo personagem, o que dizer? O indivíduo que mescla amor à pátria com vassalagem deveria, antes de mais nada, aprender a amarrar os sapatos. Não vale usar de ufanismo barato para confundir o senso crítico dos cidadãos. Se bem que, hoje em dia, até vale, mas não deixa de ser indigno.
Para desgraça desses porta-vozes fantasiados de debatedores, contudo, não é possível tergiversar sobre o comportamento adotado pelo ministro-bandeira do bolsonarismo.
Desde o primeiro momento em que o Intercept divulgou a notícia, ficou claro para quem ainda não perdeu a capacidade de se envergonhar: sobravam indecência e despudor. Mais do que isso, Moro passava, ali mesmo, de bola da vez no Supremo, quiçá até na Presidência da República, para o status de zumbi político.
Sei bem, a esquerda vê no episódio a oportunidade tão esperada para comprovar o seu discurso desde o início da operação Lava Jato, ou seja, que Sérgio Moro era um juiz comprometido com a missão de acabar com o PT. Acima de tudo com o ex-presidente Lula.
Pois, sinceramente, isso pouco interessa agora. É do jogo. Cabe à Justiça determinar se Moro é de fato um sujeito determinado a perseguir este ou aquele personagem político, esta ou aquela legenda. Os diálogos revelados até agora colaboram com essa tese.
Nada será capaz, todavia, de apagar os crimes cometidos por Luiz Inácio Lula da Silva. Muito menos a sua condenação, chancelada que foi em instâncias superiores.
O ponto, no fim das contas, é que se o ex-juiz, ex-candidato a ministro do STF e ex-favorito para substituir Bolsonaro no Planalto fosse um brasileiro acima da média, como defendem seus fãs, pediria o boné.
Desde domingo à noite, quem via em Sérgio Moro um juiz inescrupuloso, capaz de tudo para seguir em frente na sua perseguição a Lula e ao Partido dos Trabalhadores ficou ainda mais convencido do seu posicionamento.
Assim como quem enxergava no ministro alguém acima de qualquer suspeita, com o acontecido passou a reverenciá-lo ainda mais, atribuindo a ele também o selo de mártir.
Não é por conta dessas duas situações, portanto, que Moro acabou de vez para a política e precisa deixar o governo antes que contamine a própria força-tarefa. E sim pelo fato de que também o brasileiro médio, aquele incapaz de codificar os gritos dos extremos, ficou incomodado.
A sensação é de que não cabe a um juiz cruzar a bola e logo em seguida correr na área para cabeceá-la.
Mais do que sensação, é o certo.
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