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Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR| Foto: Alan Santos

Não chegamos até aqui por acaso, e há quem eleja 2013 como ponto de partida. Faz sentido. Desde os protestos em junho daquele ano, irrompeu um desarranjo institucional e democrático do qual até hoje não saímos. Talvez estejamos vivendo o seu ápice agora, com a dramática coexistência entre a maior crise sanitária em cem anos e o pior presidente na história do país.

O nós contra eles, a corrupção, o sistema político e um ardor por salvadores da pátria. Razões não faltam e todas merecem ser debatidas; mas que os verdadeiros democratas não se iludam: o inimigo agora é outro. Seu nome é Jair Bolsonaro.

Na tentativa de enxergar o copo meio cheio, alguém pode alegar que o fato de Bolsonaro ser tão facilmente distinguível como o grande flagelo que é não deixa de ser positivo. Sem dúvida, é melhor que seja assim.

O histrionismo em cada ameaça à democracia e o desprezo pelo sofrimento de milhares de brasileiros — por mais desgastante e exaustivo que sejam — é melhor que não venham de alguém hábil com as palavras. E habilidade, de fato, não há. Há perversão e cacoetes comuns aos autoritários. Entretanto falta unidade àqueles que se dizem dispostos a enfrentar o presidente.

Hoje mesmo, sábado (16), uma entrevista com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) n’O Globo vai ao encontro dessa constatação. Nela, Freixo anuncia sua desistência à disputa pela Prefeitura do Rio em nome da construção de um projeto que desafie Bolsonaro e denuncia a falta de maturidade da esquerda. Ótimo. Pena que também declare não ver possibilidade de aliança eleitoral entre o PSOL e partidos de centro. E que resista em criticar as duas bolas de aço responsáveis, há anos, por ralentar e estigmatizar a esquerda: Lula e o PT.

O dilema está posto e joga a favor do bolsolavismo. Não é possível imaginar um projeto de oposição a Jair Bolsonaro sem o envolvimento da esquerda, incluindo Luiz Inácio e o Partido dos Trabalhadores, Ciro Gomes e o PDT. Por outro lado não faz sentido ignorar o recado dado nas urnas em 2018, não só por eleitores radicais, mas principalmente por uma ampla parcela da sociedade que, após 13 anos sob o jugo petista, se viu traumatizada.

O aceno de Freixo é real, mas tímido. Ainda que Bolsonaro estique a corda diariamente, reforçando a sensação de que nada pode ser pior do que a sua continuidade no poder, e de que nesse caso um retrocesso civilizatório seria irreversível, soa ingênuo supor que essas percepções, mesmo se popularizadas, seriam suficientes para reverter de maneira tão brusca o pêndulo eleitoral.

Com o fim da ditadura militar, coube à esquerda assumir o protagonismo da cena política (de tal forma que, vejam bem, Fernando Henrique Cardoso chegou a ser considerado alguém à direita do espectro político). O movimento era natural, assim como o desgaste causado pelo projeto hegemônico do PT.

Passados 35 anos, a esquerda se vê diante de um adversário com todos os contornos de seus antigos algozes, mas não só. Antes de encarar Bolsonaro, uma honesta autocrítica se faz necessária. Até mesmo aceitar que o papel que lhe cabe hoje é o de escada. Ou então, para além de ter de lidar com seus pecados históricos, muitos dos quais ajudaram a consolidar o cenário atual, terá de conviver com a culpa eterna pela sua perpetuação.

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