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Foto: Mauro Pimentel/AFP
Foto: Mauro Pimentel/AFP| Foto:

Desconsiderando a capacidade de fazer Miguel de Cervantes parecer um aborrecido escriba cartesiano, o vídeo divulgado pela conta oficial de Jair Bolsonaro no Twitter, em que ele é retratado como um leão cercado por hienas, revela um punhado de mensagens preocupantes. A principal delas, o fato de as algozes do bichano serem caracterizadas por veículos de comunicação, partidos à esquerda do espectro político, o STF, a ONU e até mesmo o PSL, oitava legenda a aceitar sua filiação durante seus 31 anos de carreira política.

O filme peca pela falta de pudor ao copiar outro, veiculado por amalucados aqui nos Estados Unidos, em que o presidente Donald Trump massacra representantes da mídia profissional e adversários políticos críticos ao seu governo. Gosto não se discute, e a versão brasileira pode ter agradado a um público específico, contudo isso não basta para empanar a adoração por um governo estrangeiro sem interesse pelos anseios brasileiros, a menos que os americanos se beneficiem deles.

Plágio, entretanto, não é o maior dos problemas expostos pela peça. Tampouco falta de bom gosto. Verdade seja dita, e aqui abro um parêntese necessário para não dizerem que só sirvo para destilar azedume: tanto o presidente quanto seus rebentos e caterva jamais recorreram à fraude no que diz respeito à estética. Pelo contrário, desde o dia 1° de janeiro impera uma espécie de ode ao mau gosto. Um orgulho em ser cafona. De tal forma que parece até ser de propósito. Pura birra para enojar uma elite intelectual inacessível. Pois não é. Há prazer em incomodar, sem dúvida. Um sadismo juvenil que inclusive ajudou a definir a última eleição. Porém não existe teatro. Falta mérito, mas sobra autenticidade.

Volto a comentar, porém, sobre os problemas da paródia bolsonarista no reino animal. Lembro que uma das hienas era representada pelo STF. Cabe perguntar: o que têm na cabeça essas pessoas que comandam o Brasil? Como podem ser tão atrevidas a ponto de afrontar a Corte? Fez bem o decano, ministro Celso de Mello, ao descer a borduna. Fez mal o presidente em comentar com absoluta serenidade que várias pessoas detêm a senha de sua conta.

Obviamente não posso falar pelos veículos de comunicação mencionados, mas espero que suas respectivas chefias tenham encarado o reclame como o grande elogio que ele de fato é. Baita reconhecimento, ainda por cima vindo de uma administração que se esforça para marcar posições autoritárias, chegando à pachorra de usar a renovação de concessões para a imprensa como instrumento de ameaça. É ou não é para estourar champagne?

Ao fim do vídeo havia uma mensagem que basicamente clamava por devoção cega a Jair Bolsonaro. Faz sentido, já que o presidente enfrenta um problema muito pior do que a esquerda ou a imprensa que ele costuma atacar em uma demonstração inequívoca de desprezo pela democracia: seu governo é péssimo. O pior, disparado, desde a reabertura democrática.

A administração Jair Bolsonaro se vê encurralada. Tanto assim que, incapaz de tocar o Brasil com competência e alguma normalidade, agarrou-se ao palavrório quixotesco. Outros governos já usaram desse expediente, mas nunca antes do fim do primeiro ano de mandato.

Não duvido que uma parte do eleitorado compre a fábula dos chacais. A maioria, contudo — inclusive quem endossou o bolsonarismo na base do não-tem-tu-vai-tu-mesmo — não se vê comprometida com uma causa, para além de todo o ridículo envolvido até aqui, incapaz de viabilizar soluções para os problemas reais que a sociedade enfrenta diariamente.

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