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“Não existe uma América liberal e uma América conservadora. Existem os Estados Unidos da América. Não existe uma América negra, uma América branca, uma América latina e uma América asiática. Existem os Estados Unidos da América.  Os especialistas gostam de fatiar o nosso país em estados vermelhos e azuis. Vermelhos para republicanos e azuis para os democratas. Pois eu tenho um recado para eles: nós somos um só povo”.

A fala acima é da lavra do ex-presidente Barack Obama. Faz parte de um discurso histórico declamado durante a Convenção Nacional Democrata em 2004, quando ele ainda concorria para uma vaga no Senado.

Quatro anos depois, Obama se tornaria o 44° presidente dos Estados Unidos.

Pausa.

“Vocês sabem, grosso modo, metade dos apoiadores do Trump merecem ser colocados em um cesto de deploráveis. Os racistas, sexistas, homofóbicos, xenofóbicos, islamofóbicos… infelizmente existe gente assim. E ele trouxe essas pessoas à tona”.

O comentário foi feito pela democrata Hillary Clinton, em 2016, durante a disputa pela Casa Branca.

Hillary perdeu a eleição para Donald Trump.

A história é repleta de gafes eleitorais. Situações em que um candidato ou campanha acabam facilitando a vida do adversário ao validarem o seu discurso. O movimento “Somos 70%” é um desses casos.

O equívoco mais óbvio é autoexplicativo: quem se autoproclama 70% de um todo automaticamente funda os 30% restantes. Na prática, é como dizer que 30% dos eleitores brasileiros — algo em torno de 44 milhões de pessoas, considerando os números divulgados pelo TSE em 2018 — estão com Jair Bolsonaro.

Alguém haverá de argumentar que a inspiração para o nome do movimento não se deu por acaso. Que as pesquisas indicam uma parcela da sociedade resoluta em apoiar o presidente não importando as crises, os acordos com o centrão ou a qualidade das políticas adotadas por seu governo. E que esse grupo, segundo as consultas, corresponde a 30%.

Parte-se da premissa logicamente equivocada, portanto, de que evento algum pode alterar o índice de apoio a Bolsonaro. Em tempos tão agitados, parece até que foi em outra vida, mas, vale lembrar: há um mês, quando o então ministro da Justiça Sérgio Moro deixou o governo, a pesquisa XP/Ipespe revelava que a soma de bom e ótimo na avaliação do presidente reduzira de 31% para 27%.

Tudo isso sem contar um dado que, de tão público e notório, dispensa estatísticas: milhões de eleitores que apertaram 17 não o fizeram por convicção, mas impulsionados pela rejeição ao 13.

Nenhuma dessas questões pode ser ignorada, entretanto “Somos 70%” impõe uma tara ainda mais pesada à sociedade. Um fardo que remete ao cerne do discurso de Barack Obama em 2004 e especialmente à fala de Hillary Clinton em 2016: seu caráter sectário.

“Somos 70%” não mira na união, no convencimento ou na aproximação com cidadãos que em 2022 possam rever sua visão de Brasil. Pelo contrário, rega a cizânia. Desdenha de um grupo importante, praticamente obrigando-o, na melhor das hipóteses, a orbitar o bolsonarismo.

Com a arrogância típica de quem parece não ter aprendido nada com o resultado da última eleição e o caminho que há quase duas décadas trilhamos, ecoa um discurso que divide a sociedade, propiciando as condições para este clima de inédita beligerância que hoje testemunhamos.

Não pode surpreender que a campanha bolsonarista “Somos 57 milhões” tenha servido de estímulo para a empreitada. Todavia impressiona que ainda não consigamos perceber o quanto nossas próprias ações vêm colaborando para um estado de coisas que, ao fim e ao cabo, só nos diminui.

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