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Vale dizer: não sou exatamente um fã ardoroso do caricaturista Carlos Latuff. Por meio de sua arte, posso inclusive intuir que temos visões de mundo distintas. Há contudo um abismo comparável à Fossa das Marianas entre desgostar e até mesmo contestar com veemência uma expressão artística e agredí-la, de forma grotesca, como fez o parlamentar Coronel Tadeu (PSL-SP).

Mas, afinal, quem é o Coronel Tadeu? No limite, trata-se de um deputado eleito por São Paulo na espuma do bolsonarismo, graças a 98.373 votos (0,47% dos válidos). Isso é possível descobrir em uma pesquisa rápida, porém, não extingue a dúvida: quem é o Coronel Tadeu?

Alguém pode alegar que se trata de um pobre diabo. Um autêntico espécime do chamado zé ninguém. E não estará de todo errado. Admito, dificilmente eu tomaria conhecimento da sua existência não fosse sua primitiva reação em plena Câmara. Podemos ficar assim, então. O Coronel Tadeu é um zero à esquerda. Um borra-botas inexpressivo experimentando seus 5 minutos de fama, mas que que logo voltará ao ostracismo quando essa onda metida a conservadora passar.

A parte da sociedade que se preocupa com o recuo civilizatório em andamento no país, entretanto, não pode se dar ao luxo de ignorar um zé ninguém como Tadeu. Não pode, antes de qualquer coisa, pela razão óbvia: ele é real. E não só é real como é capaz de incentivar atos bestiais e discursos nocivos à ordem democrática.

Para além dessa constatação, todavia, há um motivo ainda mais importante para que Tadeu seja observado de perto, como se fosse um inseto peçonhento recém-descoberto nas profundezas da Amazônia ainda de pé, antes que o establishment do qual faz parte a derrube por completo: Tadeu já foi ignorado por tempo demais.

Pulgas, que habitam minhas rugas

Oncinha pintada, zebrinha listrada

Coelhinho peludo

Vão se foder!

Porque aqui na face da Terra

Só bicho escroto

É que vai ter

Se a letra da clássica “Bichos Escrotos” (Titãs) se parece cada vez mais com o atual momento, cabe ao cidadão civilizado compreender que só reconhecendo a existência de sujeitos como o Coronel Tadeu eles poderão ser enfrentados. Foi por meio do exílio — um exílio imposto por uma elite intelectual presunçosa e com nojo de se misturar ao povo que diz defender — que Tadeu conseguiu ser um legítimo representante da sociedade.

É como se o cidadão comum, pouco instruído, avesso a livros, desconfortável em aeroportos e alheio às maravilhas que só a mistura de culturas pode proporcionar finalmente tivesse decidido votar da maneira mais instintiva possível: em quem possa espelhar seus medos e limitações.

Horrorizar-se com a postura do Coronel Tadeu e de tantos outros como ele, igualmente agressivos e fronteiriços, dispostos a destruir da maneira que for possível um mundo que detestam por oferecer mais do que suas naturezas suportam é fácil.

Fundamental, porém, será resgatar os milhões de brasileiros que desde o dia primeiro de janeiro se envergonham diariamente. Que não votaram esperando tamanhos exemplos de boçalidade, mas por exclusão, enredados em um jogo de palavras populista como sempre acontece desde o início da Nova República.

Tadeu é um zé ninguém, mas é real.

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