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Foto: Scott Eisen/Getty Images/AFP
Foto: Scott Eisen/Getty Images/AFP| Foto: AFP

Não é aconselhável fazer comparações entre os cenários políticos brasileiro e norte-americano. A começar pelo óbvio, as diferenças na formação de ambas as sociedades. Discrepâncias também se impõem nas respectivas searas eleitorais. Ainda assim, o atual momento vivido pelos dois países oferece similaridades inescapáveis: governos que promovem a polarização por meio de uma retórica populista, intransigência entre as pessoas e uma oposição tão incapaz de assumir os próprios erros que está fadada a repeti-los.

No Brasil, a esquerda se acostumou a cobrar quem anulou o voto. Após quase duas décadas no poder, o mesmo eleitor que a consagrou decidiu rechaçá-la de maneira inequívoca, porém o motivo para tamanho revés não é enfrentado com franqueza e nem tampouco publicamente. Bem ao contrário, a alternativa oferecida à exasperação coletiva no último pleito extrapolou as raias do cinismo: reconduzir ao poder a mesma patota que falhou tanto do ponto de vista administrativo quanto ético. Deu no que deu. E assim foi porque permanecer no jogo ideológico-eleitoral valia mais do que, mesmo tacitamente, assumir um fiapo de culpa que fosse.

Por aqui o cenário se repete, com o agravante de que três anos de Donald Trump já se passaram. Houve tempo para digerir a inesperada derrota em 2016, entretanto nada pode suplantar o autoelogio, a convicção plena de que se está do lado certo da história, a certeza de ser o único ambiente em que a virtude moral pode florescer.

Vem daí a onda Elizabeth Warren. Afinal de contas, o ex-vice-presidente Joe Biden não se encaixa na estética progressista. Longe disso. Sobram titubeios em causas caras como saúde para todos e repulsa pelos milionários. Sem falar no seu voto a favor da invasão do Iraque em 2002, em ter tolerado trabalhar ao lado de segregacionistas há quatro décadas ou na mamata do rebento na Ucrânia.

Tudo bobagem. Cortina de fumaça. A verdade é que, assim como acontece no Brasil, por aqui a esquerda não é capaz de pôr o futuro da nação acima de seu próprio regozijo. Assumir o poder para influenciar os rumos da sociedade é importante, todavia nada supera o prazer de ser esnobada. A vitória traz reconhecimento, mas só a derrota empresta a capa do vitimismo e, acima de tudo, a arrogância dos incompreendidos.

Trump agradece. Não há de ser por acaso que se mexeu para tirar Biden — homem, septuagenário e branco como ele — do páreo. Longe de ser o mais ideólogo dos seus possíveis rivais, estereótipos como “radical” ou “socialista” não colariam tão fácil no ex-vice-presidente.

Por outro lado, Warren facilita o seu caminho rumo ao segundo mandato. O fato de a senadora defender pautas progressistas, embora seja incapaz de dizer como as implantaria e muito menos em admitir um provável aumento de impostos, é uma dádiva. Inclusive seu gênero não colabora — constatação essa que, dependendo da miopia, pode virar tabu ou estímulo para quixotescamente enfrentar o sistema. Insisto, vencer é o de menos.

Ainda falta uma eternidade para as próximas eleições e vários cenários podem influenciar a disputa até lá, como o embate comercial com a China, a crise envolvendo o Irã, o processo de impeachment e toda sorte de reviravoltas na preferência do eleitorado. Seria de um atrevimento inaudito, portanto, garantir qual será o seu resultado, inclusive negar as chances de Elizabeth Warren ser eleita a primeira presidente mulher dos Estados Unidos.

Há contudo um obstáculo superior a todos os demais para que Donald Trump deixe o poder: o desinteresse de seus adversários em ser representados por alguém que reúna condições de enfrentá-lo em seu próprio jogo. Ou pelo menos com estômago para descer do salto alto.

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