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Felipe Lima
Felipe Lima| Foto:

É um bálsamo para nossos olhos cansados pela luz azul dos monitores e para nossos cérebros sobrecarregados de informação quando encontramos alguém que reflete de forma inteligente e sóbria sobre o mundo a nossa volta; alguém que se irrita com as tolices, mas também se congratula com os avanços. Alguém que nos diz que não estamos sozinhos quando nos sentimos como personagens involuntários de um episódio de Black Mirror.

“É cada vez mais difícil distinguir o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, o bonito e o feio, o público e o privado, o que é de direita e o que é de esquerda, e até o que é macho e o que é fêmea, o que é vivo e o que é morto. A impossibilidade de distinguir nos dificulta julgar, educar, decidir; nos lança em um estado de impotência justamente quando a ciência solicita nosso delírio de onipotência.”

Domenico De Masi é o autor da frase acima. Como sociólogo, ele estuda há décadas o mundo do trabalho. Como o trabalho é indissociável da nossa vida, vem expandindo suas observações para outras áreas. Conclui que, devido a alguns fatores (entre eles a velocidade das mudanças), estamos desorientados. O que é desconfortável para nossas mentes que têm necessidade de certezas e também perigoso porque “quando não somos nós a projetar nosso futuro, outros o projetam por nós, agravando nossa sensação de impotência.”

Cito essas frases do livro Alfabeto da sociedade desorientada (editora Objetiva) e sei que, fora de contexto, elas podem dar a impressão de que De Masi é pessimista ou até ranzinza. Mas não creio que seja assim. De Masi acredita na imaginação, na criatividade, no contentamento que o trabalho proporciona. Por isso se pergunta: quando vamos todos ter direito ao lado bom da revolução tecnológica? Por que não abandonamos de vez o trabalho mecânico e previsível e damos uma chance para a nossa capacidade de inovar, de criar? Esse tem sido o mantra de De Masi. É também o tema de seu próximo livro, cujo lançamento no Brasil será feito em Curitiba, em abril, quando ele fará uma conferência no Teatro Positivo no evento Phi – Encontros de Conhecimento.

Outro autor que comentou as mudanças encaradas pela sociedade desde a emergência das tecnologias digitais foi Umberto Eco. Ele e De Masi, ambos italianos nascidos na década de 30, se tornaram conhecidos no Brasil por causa de um livro de sucesso. No caso de Umberto Eco, o romance O Nome da Rosa, lançado em 1980. No caso de De Masi, O Ócio Criativo, de 1999. Deste então, ambos seguiram trabalhando e suas obras mais recentes são reflexões agudas sobre como vivemos no século 21.

Os dois italianos estão de acordo que a humanidade ainda está construindo algo para ocupar o espaço que um dia foi dos Estados fortes, das ideologias e das religiões. Na ausência de uma base mais sólida, tolices e futilidades imperam em um cenário de terra devastada. “As únicas soluções para o indivíduo sem pontos de referência são o aparecer a qualquer custo, aparecer como valor, e o consumismo” – escreveu Eco.

Na mesma linha de raciocínio, escreveu De Masi: “A estética tornou-se a medida de todas as coisas, o parâmetro universal: de uma cafeteira a um arranha-céu, de um bairro a uma cidade inteira, seu grau de atração e, consequentemente, o preço dos produtos móveis e imóveis dependem não só de sua história, de sua estrutura e funcionalidade, mas também de sua forma.” Consumir, dizem os dois italianos, tornou-se um ato impulsivo e glutão já que, diante de tantas novidades, não ordenamos o que realmente precisamos e tem valor. Gosto dessa frase de De Masi: “Hoje, conferir beleza a uma coisa significa resgatá-la da opacidade, da indiferença.”

Além dos dois italianos, outro pensador buscado por quem se debruça sobre esse nosso tempo fugaz e exibido, é o polonês Zygmunt Bauman, falecido em 2015. Ele cunhou o termo “sociedade líquida” para falar de um mundo em que nada é feito para durar, mas sim para ser substituído e esquecido.

Os três autores que mencionei compartilham as mesmas premissas como ponto de partida – o último livro de Umberto Eco lançado no Brasil logo após a sua morte, em 2016, é uma coleção de textos originalmente escritos para jornal, que faz referência à Bauman já no título: Pape, Satàn, Aleppe – crônicas de uma sociedade líquida (Record). A partir dessas premissas, cada um segue um caminho distinto. Domenico De Masi me soa o mais otimista. Um dos capítulos de Alfabeto da sociedade desorientada leva o título “E, no entanto, o melhor dos mundos já existentes” e nele está a saída enxergada pelo italiano: buscar orientação na “cultura da sabedoria” e na “alegria da beleza”, como se fazia no mundo clássico. Diz De Masi: “Essas duas coordenadas permitem-nos colocar cada coisa no seu lugar certo na escala dos valores, sem cair nas armadilhas da manipulação que nos induz a superestimar o fútil e a negligenciar o essencial. Permitem-nos moderar as necessidades, por outro lado incontestáveis, de riqueza, posse e poder, para canalizar a nossa tensão para as necessidades radicais de beleza, introspecção, amizade, amor e convívio social.”

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