
Para aflição do meu filho, costumo falar com desconhecidos com quem cruzo em lugares públicos. No supermercado, por exemplo. Estávamos nós dois, o filho e eu, conferindo, atônitos, o preço do leite, quando um repositor que abastecia as gôndolas com caixas de longa-vida ouviu nossos comentários e se dirigiu a nós: “É a guerra”, disse ele. “Tudo está caro por causa da guerra.”
Surreal! Cá estamos, após uma pandemia – que alguns juravam que tornaria as pessoas melhores – e falando em guerra. “É inacreditável o que está acontecendo, não acha?”, perguntei ao rapaz.
Não para ele, que me respondeu com segurança: “É o calipso. Já estava previsto que isso ia acontecer quando o calipso chegasse.”
Ele se referia ao apocalipse, obviamente. São sinais dos fins do tempo: pandemia, guerra, carestia...
Não quis argumentar com o repositor e tirar dele a convicção de entender o que está acontecendo no mundo. Eu não entendo e sei como é angustiante não ter respostas. Mas o fato é que pandemias, guerras e carestia já aconteceram outras vezes, algumas delas em sequência, como agora e não era o apocalipse.
Ainda assim, gostei do uso que ele fez da palavra calipso, que para mim era apenas o nome de um estilo de dança do Caribe. Achei divertido porque, na minha ignorância (não estudei grego nem li Homero), achei que ele misturasse alhos com bugalhos, o livro bíblico com o bailado rebolante do Caribe. Não era bem assim.
Vou pesquisar e descubro que apocalipse e calipso são duas palavras aparentadas. A origem de calipso é o vocábulo grego que significa esconder e ocultar, enquanto apocalipse significa o oposto: revelar. O livro do apocalipse faz revelações sobre o fim dos tempos, um tema muito popular já que a humanidade sempre busca sinais de que o desfecho desta zoeira está próximo, caso do repositor que conversou comigo. Para alguns é mais confortável conviver com a proximidade da catástrofe suprema do que encarar o absurdo das derrapadas humanas.
Calipso também é o nome de uma figura mitológica grega, uma criatura feminina e solitária, que aprisionou Ulisses por sete anos em sua ilha enquanto, em Ítaca, a esposa Penélope o esperava. Além de seu corpo e de sua ilha, Calipso ofereceu a Ulisses a imortalidade, o fim das doenças e das perdas. Ela propôs uma vida à margem da humanidade, que Ulisses rejeitou. Por isso se diz que Ulisses, ao deixar Calipso, escolheu cumprir o destino humano, no caso dele, a jornada do herói. À Calipso, que amava Ulisses, restou cumprir outro destino: o de quem prevê as dificuldades que o ser amado vai enfrentar e tenta poupá-lo mantendo-o perto de si, inutilmente. Tudo isso em uma história fictícia, velha de séculos, e ainda assim, tão próxima de nós, que às vezes somos apocalípticos e às vezes “calípticos”.
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