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Natal com dieta, ninguém merece
| Foto: Maryane Vioto Silva/ Gazeta do Povo

Este Natal não será como os Natais de outrora na minha família. O motivo é que meu primo Adamastor está fazendo regime para emagrecer. Ou, como ele diz “estou de regime”, como se a dieta alimentar fosse um casaco incômodo que ele vestiu e que agora arrasta por onde vai. Meses atrás, eu não acreditaria que uma única pessoa em dieta pudesse alterar a festa de Natal. Agora vejo parte da alegria indo embora. Para começar, Adamastor dava confiança aos responsáveis por organizar o jantar: elogiava tudo, do patê servido como entrada até as sobremesas (ele provava todas). Além disso, incitava a garotada a cantar animadamente para chamar o peru. “Peruuuuu, peruuuuu!” – gritavam em coro. A chegada do assado à mesa era uma apoteose em que todos, por espírito de imitação, aplaudiam a ave dourada e proclamavam “que lindo!” Estávamos imitando Adamastor sem nos dar conta, já que crescemos observando suas reações na ceia de Natal.

Adamastor foi um garotinho magro que se tornou um adolescente “palito” e um adulto elegante. Pode gozar sua esbeltez até chegar aos 50 anos quando, como uma maldição lançada por alguma ex-namorada, começou a ganhar barriga. Depois o rosto ficou bochechudo e chegou a ponto de ter que comprar roupas novas porque o corpo todo se expandiu. Eu poderia dizer que a culpa é dos hormônios (ou da ausência deles), mas meu querido primo tem culpa no cartório. Ele come muito! A diferença é que antes havia dentro dele uma fornalha que queimava as calorias ingeridas sem deixar que se acomodassem embaixo da pele. Agora a fornalha está apagada e Adamastor sofre os reflexos de cada fatia de panetone que mastiga.

Falando em panetone, meu primo gosta de todos. É um caso único, já que a humanidade parece se dividir entre a turma do panetone de frutas e a turma do panetone de chocolate. Quando só havia o tradicional, tinha gente que tirava as frutinhas cristalizadas e as passas. Adamastor não deixava ninguém passar por enjoado. Estendia o braço e colhia as frutas do prato do tio, da cunhada, de quem fosse. Nada se perdia quando o primo estava por perto.

Claro que sempre ríamos dessa gula toda, especialmente pelas costas dele, afinal somos uma família normal. Não faltava oportunidade. Adamastor tem o hábito de ir à Missa do Galo na matriz de Santa Felicidade. Enquanto ele não chegava anunciando que havia rezado por todos, nós, os ingratos, criávamos piadas sobre o apetite sem limite que fazia dele o ser humano mais feliz do mundo durante a ceia de Natal. Sem saber, Adamastor nos divertia muito.

Pela amostra que tive no dia em que ele passou aqui em casa para um cafezinho, Adamastor não é o mesmo. Culpa do regime e, antes do regime, culpa da covid. Ele descobriu que estava em dois grupos de risco para a maldita doença e isso foi um grande susto. Meu primo nem se considerava obeso, mas o médico foi taxativo: você é obeso… e idoso. Idoso, aos 60 anos mal completados! Pobre Adamastor… Consigo imaginar como deve ter se sentido porque às vezes também me vejo assim, como uma velhota com sobrepeso. Quem não? No caso dele, não era apenas uma avaliação feita na frente do espelho. Era um diagnóstico médico. Então meu querido primo começou a fazer regime, o que implica muitos cortes nas porções. Não é fácil, como todos sabemos. Para alguns, parece até impossível.

Por isso nosso cardápio de Natal deste ano será mais magro. Apesar de termos feito tantas piadas ao longo dos anos sobre Adamastor e seu apetite de draga, somos solidários na dieta. Afinal, pode acontecer com qualquer um de nós.

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