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Médicos celebram fechamento de hospital em Wuham: em dois meses, eles resolveram a crise.

Felipe Zmoginski

Felipe é ex-head de marketing do gigante tech chinês Baidu e fundador da Inovasia, consultoria de negócios Brasil - Ásia.

Xenofobia

Estimular ódio à China é a nova muleta dos populistas

22/07/2020 22:52
A ciência política nos ensina que poucas estratégias são tão eficientes para aglutinar apoio quanto criar um inimigo externo. Mais efetivo será tal inimigo se ameaçar o que temos de mais caro, como nossa família, nosso modo de viver e de trabalhar.
Os exemplos são incontáveis. O medo da violência, por exemplo, é um argumento poderoso de autoritários variados, que somam apoio explorando o temor – justificado, diga-se - que cada um de nós tem de ser vítima de um crime. Na Europa dos anos 90, inúmeros foram os políticos que exploraram o tema “imigração” para ver crescer suas intenções de voto. O perigo era encarnado nos imigrantes de suas ex-colônias na África. Na década de 2000, após o advento do 11 de setembro, o demônio da vez foram os muçulmanos.
Não por acaso, uma das maiores tragédias da humanidade, a ascensão do nazismo, foi cimentada na demonização dos judeus. No Brasil, quando confrontados com os crimes de tortura e assassinato praticados durante o regime de 1964, a justificativa primeira é de que as vítimas de tais abusos, se existiram, eram terroristas a serviço da ideologia comunista. Inimigos, como se sabe, são desprovidos de humanidade e, logo, passíveis de todo tipo de abuso.
Estudo de 2009, do Pew Research Center, em Washington, relaciona os levantes sociais ocorridos na Europa na última década, como o evento dos “Coletes Amarelos” na França, o movimento “Podemos” na Espanha e o quebra-quebra de 2012 na periferia de Londres, à ascensão econômica da China.
Ao criar plantas industriais eficientes, com terreno e energia de baixo custo, poucos tributos, logística invejável e força de trabalho disciplinada e produtiva, a China “quebrou” milhares de fábricas no Ocidente. O fenômeno desestruturou o modo de viver de operários nas grandes cidades da Europa e nos Estados Unidos, o que criou um terreno profícuo para populistas variados. Trump talvez seja o exemplo mais icônico, por galvanizar o ressentimento de parte da “working class” americana e fazer-se presidente em 2016.
O advento da Covid-19, no entanto, abriu novo flanco para o discurso oportunista. Disseminado originalmente a partir de Wuham, na China, o novo coronavírus foi diversas vezes chamado por lideranças populistas como “vírus chinês” ou “peste chinesa”.
Viroses não têm nacionalidade. Uma molécula de RNA não escolhe fronteira para sofrer mutação. Seria o Zica Vírus, moléstia que condena uma geração de crianças às limitações da microcefalia uma “praga brasileira”? Poderíamos chamar o HIV, que se originou na África, mas se globalizou a partir dos Estados Unidos, nos anos 1980, de “doença afro-americana”? Seria o H1N1, mais letal que a Covid, um mal mexicano?
Dependendo da conveniência política, a resposta pode ser sim a quaisquer das perguntas acima. Fomentar a xenofobia contra chineses é uma muleta, um apoio providencial às lideranças negacionistas, incompetentes para gerir o complexo cenário apresentado por um vírus para o qual o sistema imunológico humano não possui defesas, nem a medicina medicações de comprovada eficácia. Não à toa, teorias conspiratórias sobre vírus de laboratórios se espalharam pela internet.
Diz o ditado que para todo problema complexo há uma solução simples — e errada. É o caso de apontarmos para os outros a culpa de nosso fracasso coletivo, segundo pior país do mundo em infecções por Covid-19, que já empilha mais de 80 mil cadáveres. Nós, que humilhamos guardas para não usar máscara e que nos aglomeramos nos bares do Leblon, hostilizando fiscais.
A estratégia de expiar nossos pecados em um inimigo externo, psicologicamente pode ser interessante, mas no mundo real é trágica. Trancado em casa há quatro meses, engordei cinco quilos. Eu poderia acusar minha balança de ter viés ideológico ou de ser manipulada por hackers chineses. Ou apenas admitir que comi chocolate demais e descontei minha ansiedade em pratos de macarronada. Só uma das respostas me permitirá compreender o que aconteceu com meu corpo e ajudar-me a retomar a velha forma.

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