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Como a controversa Luckin Coffee ajudou a popularizar o hábito de beber café na China e chegou a superar a Starbucks

Andre Inohara

Andre Inohara é cofundador e CEO da Inovasia, consultoria de educação executiva que ajuda empresas brasileiras a se conectar aos modelos mais disruptivos de negócios na Ásia. Antes de criar a Inovasia, André atuou como assessor de comunicação na Amcham, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, e ajudou a criar o conteúdo multiplataforma da entidade. É jornalista e administrador, com MBA em Informações Financeiras pela FIA (Fundação Instituto de Administração) e pós-graduação em Comunicação Digital pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

Consumo

Como a Luckin Coffee ajudou a popularizar o café na China

24/06/2021 17:10
Comparado a brasileiros, europeus e japoneses, os chineses praticamente não bebem café. A boa notícia é que isso está mudando, para alegria dos produtores brasileiros. A Organização Internacional do Café estima que os chineses bebem apenas 5 xícaras de café por ano, um volume que chega a ser irrisório perto das 840 xícaras da bebida consumidas no Brasil e das 340 xícaras de café do Japão. E nem se compara às 1,2 mil xícaras que os finlandeses – líderes do ranking mundial – tomam.
Mas temos que lembrar que a China é um país de 1,4 bilhão de habitantes. Se a média de consumo diário de café dobrar nos próximos anos, o que não é nenhum sonho impossível, estamos falando de um crescimento exponencial de demanda entre uma população muito maior que a dos países já mencionados. Depois da água, o café é a bebida mais consumida no mundo.
De olho no gordo mercado chinês, as grandes redes internacionais correm para expandir suas operações locais. Líder em cafeterias físicas na China, a americana Starbucks reforça sua presença online em parceria com o Alibaba. Um modelo parecido de operação conjunta é visto entre a canadense Tim Hortons e a Tencent. Até os fast food KFC e McDonald’s passaram a servir café nas operações chinesas.

Luckin Coffee: do céu ao inferno em 3 anos

Isso sem falar nas concorrentes locais. A Luckin Coffe, por exemplo, traz uma das histórias mais interessantes de turnaround (volta por cima, traduzindo do inglês) do mercado chinês. Fundada em 2017 por Yan Fei, um ex-executivo de marketing rotulado de brilhante e controverso, a Luckin Coffee rapidamente se tornou a segunda maior cafeteria da China. As dez lojas iniciais logo se multiplicaram para mais de 4.500, uma capilaridade física então superior ao da Starbucks em solo chinês.
O sucesso estrondoso da Luckin Coffee atiçou os investidores e Fei abriu capital na Nasdaq (a bolsa eletrônica dos EUA). Logo, o valor de mercado da empresa chegou a US$ 3 bilhões. A estratégia de marketing era agressiva e fez a Luckin gastar demais em ações promocionais. Para ganhar um café grátis, por exemplo, os usuários só tinham que baixar o aplicativo. Mas a pressa de crescer era tanta, que o controle sobre as promoções foi negligenciado. O que mais acontecia era os usuários apagarem e reinstalarem o app toda vez que queriam tomar um café “na faixa”.
Como não existe café grátis, as autoridades começaram a examinar os resultados da Luckin com lupa de aumento e encontraram inconsistências graves. Em 2020, a cafeteria admitiu ter inflado em US$ 310 milhões as vendas registradas no balanço de 2019. Comprovada a fraude, as ações desabaram no mercado, a Nasdaq excluiu a Luckin do seu pregão e a companhia enfrentou uma enxurrada de multas administrativas e processos de investidores. Em fevereiro desse ano, a Luckin requisitou proteção judicial contra falência.
Sob nova direção, a Luckin se recupera gradualmente. Isso porque o negócio é lucrativo. As lojas estão sempre cheias e a marca ainda é uma das preferidas dos chineses. Custos foram reduzidos com reformulação administrativa e fechamento de 600 lojas, o que também inclui a redução drástica das promoções de café grátis. Os novos administradores reportam alguns dados positivos, mas, como a Luckin não divulga mais o seu balanço contábil, ainda é preciso aguardar qual o ritmo e consistência da recuperação. O fato é que a cafeteria continua no jogo.

China prefere café suave

A Luckin está pagando merecidamente o preço pelo comportamento antiético, mas é visível que sua política agressiva de promoções e preços teve o mérito de popularizar o hábito de tomar café na China. Até poucos anos atrás, o café era considerado uma bebida exótica e premium na China. O café expresso, que é o padrão brasileiro e europeu, é considerado muito amargo pelos chineses. Mas o contato com o café tipo americano, de sabor mais diluído, foi amplamente positivo e é a razão do grande sucesso por trás das cafeterias americanas.
Com política de preços baixos e promoções, a Luckin atraiu um público inicial de jovens e trabalhadores de escritório, que aos poucos foram trazendo a bebida para suas casas e disseminando o hábito entre os seus familiares.
A prova de que o café está cada vez mais entrando nos lares chineses é a crescente oferta de café solúvel no e-commerce chinês. De acordo com a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), o faturamento de vendas de café online na China cresceu 169% nos primeiros quatro meses de 2020 na comparação com o mesmo período de 2019.
Isso abre muito espaço para o café brasileiro, que já está na China, mas de forma ainda discreta. O Brasil é o segundo maior exportador de café, atrás apenas da Malásia. De qualidade reconhecida no mundo, o grão brasileiro entra no mercado chinês como matéria-prima de outras marcas.
Há uma grande oportunidade para entrar na China. Marcas e produtores brasileiros podem vender seus produtos diretamente aos consumidores via e-commerce chinês (B2C), assim que cumpridos os requisitos legais (associar-se a um parceiro local, atender aos padrões sanitários e ter uma marca própria).
Endinheirada, a China está ávida por conhecer novos produtos e o Brasil tem potencial para isso. Está na hora de o país olhar com mais atenção para o mercado chinês, porque outros países já estão fazendo isso.

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