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Michele Souza, 41 anos, cria tecnologias para ajudar a construir um mundo melhor
Michele Souza, 41 anos, cria tecnologias para ajudar a construir um mundo melhor| Foto: Iara Maggioni/Gazeta do Povo

Neuroengenheira formada pela Universidade de Minas Gerais (UFMG), com especialização em biônica, cibernética, biorobótica e integração entre seres vivos e máquinas. Esse é o currículo acadêmico de Michele Souza, uma curitibana de 41 anos que cria tecnologias para ajudar a construir um mundo melhor. Ela não trabalha com assistencialismo, mas com acessibilidade. Transforma produtos de alta tecnologia e, por isso, de alto valor agregado, em opções acessíveis a quem precisa, mas não tem condições de desembolsar altas quantias.

Em 2013, Michele fundou a Cycor Cibernética. A empresa desenvolve equipamentos capazes de obedecer a comandos do cérebro para controlar máquinas e sistemas. Com isso é possível ter adaptações muito mais rápidas dos seres humanos com as máquinas. Michele garante que o tempo de adaptação de uma prótese de mão produzida pela Cycor é de 45 minutos, enquanto uma prótese comum tem adaptação média de 6 a 8 meses.

Em outubro de 2019, a empresa ficou conhecida no país inteiro. Michele participou do programa de televisão Shark Tank Brasil, transmitido pelo Sony Channel Brasil. A atração traz ao palco empreendedores em busca de investimento. Eles têm que convencer os “tubarões” – empresários e investidores de sucesso que avaliam se fazem aporte nos negócios em troca de participação percentual no quadro de sócios da empresa.

A curitibana se inscreveu no programa para divulgar a Cycor e terminou com todos os cinco “tubarões” como parceiros. Pelo valor de R$ 300 mil, ela aceitou vender 15% da empresa. “Eu não estava ali para arrancar o dinheiro deles. O conhecimento deles agrega muito mais na empresa do que se cada um entrasse com R$ 1 milhão”, afirma a neuroengenheira.

O vídeo em que Michele faz a negociação no Shark Tank já foi visualizado por mais de 16 milhões de pessoas. Algumas pessoas chegaram a dizer que ela poderia ter negociado valores maiores, mas esse não era o propósito. “Esse é um negócio que não é só o dinheiro para fazer acontecer. Eu preciso fazer com que as pessoas conheçam o produto, entrar no mercado com segurança”, explica.

Impacto positivo

Michele faz questão de frisar que dinheiro é, sim, muito importante, mas que ela não pode esquecer o real motivo do que faz. Desde que o negócio foi criado, o objetivo é bem claro: causar impacto positivo na vida das pessoas, em especial para aquelas que mais precisam.

É por isso que todos os produtos desenvolvidos são pensados para serem mais acessíveis a pessoas com menor poder aquisitivo. Michele tem orgulho de dizer que os equipamentos podem ser financiados através do Crédito Acessibilidade.

“Não é feio ganhar dinheiro. As pessoas não precisam ter vergonha de querer dinheiro, mas se a gente vai falar de mudar o mundo, que o mundo tem que mudar, que as pessoas têm que mudar, então tem que começar a fazer. Porque falar é uma coisa, só que falar não ajuda a pessoa que precisa”, pontua.

Atualmente, a Cycor tem um custo operacional mensal de R$ 27 mil. Até agora, houve aporte de R$ 150 mil por parte de investimento-anjo e de R$ 300 mil dos “tubarões” do programa Shark Tank Brasil. 58% da empresa está no nome de Michele. A previsão de faturamento para esse ano é de R$ 767 mil. Para o ano que vem, as projeções apontam faturamento de R$ 2,2 milhões.

Papel do CEO

Para Michele, uma premissa básica do trabalho é entender todas as etapas do processo criativo e participar ativamente do desenvolvimento e das decisões administrativas. Michele não é apenas a CEO (diretora-executiva) da Cycor, mas também é diretora de desenvolvimento da empresa.

A Cycor conta atualmente com cinco desenvolvedores de tecnologia e produto, incluindo o trabalho da Michele. E isso, segundo ela, é o diferencial. “Eu vou cadenciando todo mundo. Quando tem que fazer serviço de outras áreas, tem que fazer. CEO tem que ser curinga. Esse negócio de 'CEO modinha' de 'ah, eu sei liderar'. Não. Você tem que fazer também. Tem que tapar buraco; se precisa, tem que fazer. Tem que saber operar também”, reforça.

Aos 13 anos de idade, Michele foi diagnosticada com a Síndrome de Asperger, um transtorno neurobiológico que se enquadra dentro do chamado Transtorno do Espectro Autista. A confirmação do diagnóstico veio quando ela tinha 20 anos.

Segundo Michele, essa condição ajudou nos estudos – já que ela sempre gostou muito de ler e aprender –, mas também fez com que ela tivesse que trabalhar muito a comunicação e a interação com outros seres humanos. “Houve um processo de psicoterapia, curso de teatro, curso de oratória. Tive que aprender a olhar nos olhos, embora, para mim, isso fosse um pouco desconfortável”, afirma.

Uma das grandes inspirações de Michele foi a esposa, que em 2009 foi diagnosticada com câncer ósseo. Durante o tratamento, Michele esteve focada no desenvolvimento de tecnologias para auxiliar os pacientes com câncer, mas a companheira morreu em 2010. O período foi de muita tristeza, mas também impulsionou Michele a colocar em prática o sonho que as duas partilhavam.

Em 2013, Michele fundou a Cycor, uma startup lab de desenvolvimento para impacto. Atualmente, a empresa está incubada na Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), em processo de aceleração. A área de produção da empresa está sendo montada no bairro Cidade Industrial de Curitiba (CIC).

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Produtos

O portfólio atual da Cycor conta com quatro produtos já no mercado ou ainda em desenvolvimento. São tecnologias diversas, para distintos públicos, com a premissa a interação entre máquinas e seres humanos.

ExOn

O ExOn é um exoesqueleto que possibilita que paraplégicos e tetraplégicos possam ficar em pé, andar e sentar. É um produto que dá autonomia. O ExOn já está disponível para aquisição. Os primeiros clientes ainda estão em fase de adaptação, passando por testes para que possam levar o equipamento para casa. No início de 2020, os produtos serão entregues aos consumidores. O preço é bem menor do que os similares disponíveis. As dificuldades motoras da esposa doente impulsionaram o desenvolvimento do equipamento.

Transmissão de Fragrância

Com acesso à internet, qualquer pessoa vai poder sentir a fragrância de um perfume, o cheiro da comida, o aroma do sítio do avô. Tudo transmitido através de caixas de som, sem utilizar outros equipamentos. A tecnologia já está sendo testada por uma indústria interessada.

A neuroengenheira Michele Souza explica que parece algo absurdo, mas o que ela descobriu é “apenas” como transmitir uma informação que o cérebro vai decodificar em uma área que não é a da audição, mas sim do olfato. “O cérebro converte em resultados a informação que é enviada pela caixa de som. Essa mensagem chega até a parte olfativa do cérebro e a mensagem é decodificada”, comenta Michele.

Para tentar deixar mais claro o funcionamento, ela compara com as câmeras de fotografia e vídeo que estão cada vez mais potentes. “Todas as tecnologias reproduzem o que nosso corpo já realiza. Hoje as câmeras têm resoluções muito próximas do olho humano. Então, a gente só copia”, pondera. Atualmente, a tecnologia está sendo testada por uma indústria, que verifica, na prática, de que forma os resultados esperados podem ser alcançados. Essa fase é de correção de erros e implementação de melhorias do produto.

Argedom

O produto é uma placa eletrônica utilizada, por exemplo, para o funcionamento da prótese de mão, com tempo de adaptação de 45 minutos, contra uma média padrão de 6 a 8 meses. A mão tem preço de R$ 4,9 mil, enquanto que as similares custam aproximadamente R$ 37 mil. "Pessoas terão mais acesso, poderão voltar ao mercado de trabalho, estudar. Ou fazer coisas simples, como cortar um tomate", afirma.

Zeus

Com previsão de entrega para o fim de 2020, o Zeus é uma tecnologia que trabalha com emissão de ondas e que deve possibilitar avanço no tratamento de doenças. Os estudos feitos até aqui mostram que é possível reprogramar células e moléculas por meio de vibrações.

O produto será oferecido para indústria médica e farmacêutica. Uma das aplicações da tecnologia pode ser, por exemplo, na criação de uma “vacina digital”. Diferentemente das vacinas injetáveis – em que vírus ou bactérias inativos são inseridos nos pacientes para provocar a produção de anticorpos – a intenção é que vacina digital funcione com a reprogramação do sistema imunológico, para que a produção de anticorpos ocorra sem a necessidade de um elemento estranho ao corpo.

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