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Igor Martins, um dos sócios da Alright Beer, que aposta na cervejaria como experiência.
Igor Martins, um dos sócios da Alright Beer, que aposta na cervejaria como experiência.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Segundo uma teoria defendida por alguns historiadores, a cerveja teria sido a responsável por fazer com que os povos deixassem de ser nômades, fixando-se em comunidades e passando a plantar para sobreviver. Foi há cerca de 10 mil anos no sul da Mesopotâmia, na Suméria, região que ficou conhecida como o “berço da civilização”. De acordo com a teoria, ao encontrar uma região fértil, os sumérios decidiram parar de vagar para cultivar campos de grãos. Além de ter alimentos, plantar para produzir a cerveja pode ter sido a principal razão pela qual esse povo teria optado pela agricultura.

Foi no Egito antigo que a produção de cerveja virou negócio e, a partir de então, nunca mais parou. Vieram guerras, recessões e crises de toda ordem, mas a bebida sempre esteve presente na vida de diversos povos espalhados pelo mundo. No Brasil dos dias atuais, que há alguns anos vem amargando recessão econômica, o comércio cervejeiro contraria a crise e se fortalece. Um levantamento divulgado pelo Ministério da Agricultura no início do ano mostra que, desde 2002, o número de cervejarias no país só aumenta. Você sabia que, em 2018, a cada dois dias, uma cervejaria abria as portas?

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Ao todo, foram 210 novas fábricas instaladas pelo país no ano passado, chegando à marca de 889 cervejarias. Há cinco anos, elas não passavam de 200. Ainda segundo o Ministério da Agricultura, foram concedidos em 2018 aproximadamente 6,8 mil registros de produtos para cerveja e chope. Foi o segmento que apresentou o maior número de registros, à frente de polpa de fruta (2,7 mil), vinho (1,8 mil), bebida alcoólica mista (1 mil) e suco (800).

Nesse boom cervejeiro, o Paraná aparece na linha de frente. Com 98 cervejarias, é o quinto estado com mais estabelecimentos, porém, registrou um crescimento de 38,8% em relação a 2017, perdendo apenas para o Espírito Santo (72,7%). Com 227 produtos registrados, Curitiba ocupa a terceira colocação no país nesse quesito, ficando atrás somente de Porto Alegre (RS) e Nova Lima (MG). Além disso, é o quarto município no país em número de cervejarias, 14 no total – sem contar as da Região Metropolitana.

Mas o que faz com que a cerveja se mantenha como um negócio dos mais promissores?

“A cerveja artesanal veio para ficar, não é apenas mais uma moda. Ela mudou um pouco o modo como as pessoas bebem. Antes havia poucas opções, as pessoas bebiam em grande quantidade. Hoje, existem vários estilos e sabores diferentes, opções mais leves, mais encorpadas... o consumidor bebe menos, mas busca um produto com mais qualidade”, avalia Anuar Abdul Tarabai, presidente da Associação das Microcervejarias do Paraná (Procerva).

Curitiba e Região Metropolitana já vêm explorando esse potencial há algum tempo. Daqui saem marcas de cerveja reconhecidas e premiadas nacionalmente, o que fez com que, mais do que um negócio para o público local, as cervejarias se tornassem também atração turística. Em 2017 a prefeitura lançou o programa Curitibéra, voltado para o fomento ao setor e consolidação da cidade como referência da cultura cervejeira. Há roteiros elaborados para os apreciadores da bebida, que incluem estabelecimentos de Curitiba, Pinhais, São José dos Pinhais e Campo Largo, entre outros.

Mais que produto, uma experiência

Grandes apreciadores de cerveja artesanal, Frederico Luz e Igor Martins acompanharam desde o início a consolidação do mercado cervejeiro local. Inicialmente com entusiasmo, mas, entre um gole e outro, viam algumas lacunas que precisavam ser preenchidas. Até que tomaram uma decisão ousada: deixaram os cargos de executivos em um grande banco e investiram as economias em um negócio próprio. Assim, em setembro do ano passado abria as portas a Alright Beer, localizada no bairro Orleans, próximo ao Parque Barigui.

“Frequentando as cervejarias, percebi que elas eram muito focadas no cervejeiro. Tenho uma filha pequena e não havia um ambiente que pudesse ser compartilhado com ela. Então, eu e meu sócio vimos esse déficit de mercado e resolvemos atuar em cima disso”, conta Frederico. Para atender esse público, eles criaram um espaço que, além de uma cervejaria de 500 m² e um bar da fábrica que é o maior do Paraná, conta com um jardim de 750 m², com árvores, bancos e mesas ao estilo piquenique. “Nossa ideia não é oferecer apenas um produto, mas uma experiência.”

Mas, para isso, foi necessário muito planejamento. Segundo Frederico, foram três anos de preparação, estudando o preparo da cerveja, produzindo em casa e elaborando um plano de negócios. “O resultado está sendo bem interessante. Em seis meses de operação, a receita já cobre todas as despesas”, diz. Com 30 mil litros de adega, a Alright produz seis tipos de cerveja – quatro fixos e dois sazonais –, que são comercializados no local, em mais de 20 bares e no interior do estado. Além disso, o espaço atende quatro cervejarias ciganas (marcas que não possuem fábrica própria e alugam o equipamento).

Qualidade como diferencial

Do outro lado da cidade, Diego Nery Soares e Everton Delfino fizeram o caminho inverso. Em março do ano passado, lançaram suas primeiras cervejas como ciganos, utilizando a estrutura de uma fábrica em Pinhais. O sucesso da marca fez com que no final do ano passado montassem sua própria fábrica e a abrissem para o público. Assim nasceu a Joy Project Brewing, que atualmente produz dez rótulos de cerveja e nos fins de semana abre seu bar na Linha Verde, no Xaxim.

Everton Delfino e Diego Nery, da Joy Project, buscam diversificar com qualidade.
Everton Delfino e Diego Nery, da Joy Project, buscam diversificar com qualidade.| Renata Alves/Divulgação

Diego conta que há cerca de oito anos ele e o sócio produziam cerveja em casa, além de acompanhar o mercado cervejeiro local. “Curitiba sempre foi uma referência em cervejas artesanais, mas percebemos que de uns anos para cá houve uma queda na qualidade. Foi então que decidimos montar um projeto nosso e entregar uma cerveja diferente”, revela. Apesar das dificuldades naturais de início de trabalho, ele diz que a cervejaria vem conseguindo cativar um público consumidor e circular sua produção.

Próximos desafios

Ao mesmo tempo que o mercado cervejeiro cresce e se consolida, naturalmente aumenta a concorrência no setor. Nessa gama de opções, é inevitável o questionamento: como conquistar o consumidor e evitar a saturação do produto? Para Diego Nery, da Joy Project, além de garantir a qualidade da cerveja, é preciso diversificar.

“As pessoas não estão mais saindo para beber a mesma cerveja, elas querem experimentar novas tendências. Por isso, nossas cervejas sempre terão a proposta de oferecer algo a mais, acima da média”, frisa.

Frederico Luz, da Alright, acredita que o mercado já sofre com a saturação e que o momento agora é de consolidação.

“Em 2016 e 2017 houve um boom das cervejarias, quando o cliente pagava qualquer preço. Hoje, devido à grande quantidade, ele já reconhece um produto de qualidade inferior e começa a ser mais criterioso. Então, além da qualidade, a gestão da empresa e a diversificação é que vão direcionar o mercado, vão separar o joio do trigo e determinar quais empresas terão sucesso.”

Imposto elevado

A despeito de o Paraná ser um dos estados onde a produção cervejeira mais cresceu, a alta carga tributária ainda é um empecilho, segundo o presidente da Procerva, Anuar Abdul Tarabai.

“São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul praticam uma alíquota de 12% do ICMS para a cerveja artesanal. Aqui no Paraná é de 29%, isso é um dificultador enorme”, afirma o dirigente, que vem discutindo a possibilidade de redução com o governo do Estado. “A cerveja tem que ser democrática e, para isso, as empresas precisam ter melhores condições de levar a cultura cervejeira à população.”

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