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Foto: CNBB/Flickr
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O trabalho deve ser para todos. Todo ser humano deve ter a possibilidade concreta de trabalhar, papa Francisco

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) repetiu o posicionamento contrário à reforma da Previdência feito no governo Temer, agora reprovando a reforma de Bolsonaro. A nota de seu Conselho Permanente fala em sacrifício dos pobres e critica o caráter antiético da reforma. Ignora, portanto, que a reforma é o caminho para evitar aprofundamento da crise, permitir uma recuperação mais forte da economia e, logo, do emprego.

Famílias sem filhos

A necessidade de reforma deriva de uma realidade que as paróquias conhecem bem: o envelhecimento da população. Isso significa não apenas mais idosos vivendo mais, como também menos crianças nascendo. A idade média sobe (envelhecimento).

Taxa de fecundidade – Brasil e China – Quinquênios de 1950 a 2055 (projetado)

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da Divisão de População da ONU.

 

Conforme visto no gráfico, o número de filhos por mulher era de cerca de 6 ao final dos anos 1950, chega a menos de 4 já nos anos 1980, caindo abaixo de 2 na década passada. Esta profunda mudança não ficou muito distante da ocorrida na ditadura comunista da China, em que vigorou a política do filho único.

Com menos jovens para financiar mais pessoas vivendo mais, ficam pressionados o financiamento de políticas como a Previdência e a Saúde. O problema fiscal deriva em parte da escolha das famílias de terem menos filhos.

Este fenômeno demográfico – mundial, mas especialmente rápido no Brasil – é caro à própria Igreja.  Na crítica do papa Francisco:  “uma sociedade com uma geração gananciosa, que não quer se cercar de crianças, que as considera acima de tudo um incômodo, um peso, um risco, é uma sociedade deprimida.”

O pontífice conclui “A escolha de não ter filhos é egoísta”. Pois é essa reconhecida epidemia de baixa fecundidade um dos imperativos para a reforma da Previdência.

Ética e reforma da Previdência

A crítica da CNBB ignora os benefícios da reforma e os danos da sua ausência. A justa preocupação com os pobres e com a ética no gasto público deveria contemplar esses cenários.

A despesa com Previdência consome a maior parte dos recursos da Seguridade, e cresce a uma velocidade de R$ 50 bilhões por ano. São menos recursos para áreas mais carentes, mais focalizadas nos pobres e que não contam com recursos próprios como a Previdência.

Pior: corporações insistem que o déficit não existe porque pode sempre ser coberto pelo dinheiro da Saúde e da Assistência. Foi o que vimos na coluna Por que o SUS pode acabar.

Sem reforma, haverá profundos cortes na Saúde e na Assistência Social. Isto é ético?

O crescimento desse gasto ameaça diversas políticas públicas também nos Estados e municípios. O déficit atuarial nas próximas décadas é de R$ 15 trilhões. A maior parte dos recursos não chega aos mais pobres, tanto porque a Previdência pouco chega nos desempregados e informais, quanto porque a pobreza se concentra nas crianças e jovens. Aprofundamos este ponto em várias colunas, como em Mais pobres recebem hoje migalhas da Previdência.

Nas contas do pesquisador Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna, o Brasil transfere 6 vezes mais recursos para um idoso do que para uma criança, em relação ao PIB per capita. Tratamos do tema também em Combate à pobreza deve focar na criança, não no idoso.

Sem reforma, haverá menos recursos para despesas mais efetivas no combate à pobreza – como creches, saneamento básico, Bolsa Família. Isto é ético?

Este desequilíbrio também será um peso na trajetória dos mais jovens. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a alíquota cobrada no salário para equilibrar o sistema seria de 56% em 2040 e quase 80% em 2060. Isto é ético?

Reforma do emprego

A visão da CNBB também perde por não contemplar os efeitos virtuosos da reforma sobre o crescimento (ou os efeitos danosos da não reforma sobre a estagnação, como falamos em Pobres devem ser os mais prejudicados pela “não reforma”).

Vimos nesta última coluna que a reforma beneficia o investimento, o tipo de gasto que move a economia. Isso tanto em relação ao investimento público – despesa opcional que é engolida pelo gasto obrigatório previdenciário – quanto em relação ao investimento privado – que não vai ser destravado diante da possibilidade de o Estado quebrar.

É por conta dos seus efeitos positivos e duradouros sobre os juros e a carga tributária que haverá mais empregos com a reforma. Pela justificativa da proposta:

“A reforma da Previdência, além de reduzir o endividamento primário, combate a dívida pública pela redução do seu custo. O vertiginoso crescimento da dívida a coloca em trajetória arriscada. Este risco é devidamente cobrado pelos credores por meio de juros altos. Como nossos jovens podem conseguir bons empregos e empreender se é muito mais conveniente para o sistema financeiro financiar uma dívida cara e alta de um devedor que insiste em se endividar mais? Como nossas empresas podem competir com um gigante tomador de empréstimos que pode imprimir dinheiro ou obter recursos forçadamente por meio de impostos? A dívida e seus juros inviabilizam a geração de oportunidades. Os objetivos traçados na Constituição de desenvolver a nação e combater a pobreza exigem um ambiente macroeconômico estável que não se apresentará sem um novo pacto para a Previdência.”

Nas projeções oficiais, o desemprego em 2023 cairia a 8% com a reforma, mas subiria a 15% sem ela.

Voltamos assim à epígrafe. Reduzir o desemprego – que afeta desproporcionalmente os jovens – é um imperativo ético, um imperativo pela Constituição, e um imperativo para a própria Igreja Católica.

Para Francisco, o desemprego dos jovens seria, junto com a solidão dos idosos, os dois males mais sério afligindo o mundo[1]. Para o Papa, que frequentemente fala em “descarte dos jovens”, seria a falta de emprego da juventude o problema mais urgente da Igreja:

“Os jovens precisam de trabalho e esperança, mas não têm nem um nem outra, e o problema é que nem esperam mais por isso. Eles foram esmagados pelo presente. Você diga: você consegue viver sob o peso do presente? Sem a memória do passado e sem o desejo de olhar para frente construindo algo, um futuro, uma família?”

Reflexões

A postura antijovem da CNBB, ainda que inconsciente, ignora o fardo que se coloca para as gerações mais novas sem a reforma bem como o prolongamento da crise que nos aguarda.

A análise da entidade é unidimensional, e faz coro a lobbies organizados com argumentos rasos como o sobre “cobrar os devedores” (que questionamos em 5 mitos sobre os devedores da Previdência).

De fato, na reforma anterior, a CNBB chegou a apoiar uma greve geral, lado a lado com as corporações que representam a elite do funcionalismo e a OAB – “sindicato” diretamente interessado nos honorários de uma indústria responsável por R$ 90 bilhões das despesas do INSS.

Pontos sensíveis da reforma devem ser questionados (ex: rural, BPC, tempo mínimo), mas os interesses dos grupos organizados também.

Aplausos e curtidas fáceis são tentadores. Mas – ainda que haja ressalvas aos raciocínios aqui expostos – é preciso que o debate sobre a reforma da Previdência contemple os que dela podem tanto se beneficiar.

Erramos: O texto publicado inicialmente chamava a CNBB de “confederação”. O correto é “conferência” e já foi corrigido.

[1] No início da década, no contexto da grave crise emprego na União Europeia.

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