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Marcelo Elias/Gazeta do Povo
Marcelo Elias/Gazeta do Povo| Foto:

Um dos principais mitos no debate sobre a reforma da Previdência é o de que o Brasil não pode criar uma idade mínima nacional porque prejudicaria os trabalhadores de regiões mais pobres. Eles, que tendem a viver menos ou trabalhar em ocupações mais penosas, precisariam se aposentar antes.

Assim, o leitor pode ter ficado surpreso com a informação do título (deste trabalho do Ipea, referente a 2014).  Em Santa Catarina, a idade média de aposentadoria era de 57 anos e 2 meses nos benefícios operados pelo INSS, mas a média nacional era de 60 anos e 8 meses. O catarinense se aposenta 3 anos e meio antes dos brasileiros que moram no resto do país.

Se em Santa Catarina a idade média de aposentadoria é menor, a maior é em Roraima: 64 anos e 11 meses. São mais de 7 anos de diferença, quase 8.

Depois de Santa Catarina, as idades médias mais baixas são do Rio Grande do Sul (57 anos e 11 meses), São Paulo (60 anos) e Paraná (60 anos e 1 mês).  As maiores, depois de Roraima, ficam do outro lado do Brasil: Amapá (64 anos e 7 meses), Tocantins (64 anos e 4 meses) e Maranhão (idem).

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Por que no Sul as pessoas se aposentam bem antes do que no Norte? Por que em regiões menos desenvolvidas as pessoas demoram mais para se aposentar? E como a reforma da Previdência muda essa desigualdade?

Na verdade, quando se fala em criar uma idade mínima, estamos falando de criar uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição. Esta é a modalidade de aposentadoria dos maiores benefícios e que mais custa: são mais de R$ 150 bilhões por ano (5 vezes o Bolsa Família). Ela exige 35 anos de contribuição (homem) ou 30 (mulher).

A maioria dos trabalhadores, contudo, se aposenta usando outros benefícios operados pelo INSS, em que já existe idade mínima, mas se exige pouco tempo de contribuição.

Por isso, é justamente os trabalhadores de menor escolarização, das ocupações de menor renda e das regiões mais pobres que se aposentam mais tarde. Eles não são bem inseridos no mercado de trabalho: como ficam muito tempo no desemprego ou na informalidade, não possuem tanto tempo de contribuição. Se aposentam por idade.

Já a aposentadoria por tempo de contribuição, que exige décadas de emprego formal, com carteira assinada, mas não idade mínima, é mais comum nas regiões mais ricas do país. São os estados em que o mercado de trabalho formal é mais forte que tem maior proporção de benefícios concedidos.

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Em 2016, a aposentadoria por tempo de contribuição foi o benefício de duração continuada mais concedido no INSS no Distrito Federal e 6 estados: os da região Sul e Sudeste (salvo Espírito Santo). A idade média de aposentadoria neste benefício é de 54 anos.  Esta média joga para baixo a idade média total de aposentadoria desses estados.

E quais são os outros benefícios operados pelo INSS em que os trabalhadores se aposentam?

Um é a aposentadoria por idade urbana. Ao contrário do caso anterior, ela exige idade mínima: 65 (homem) e 60 (mulher). Mas o tempo de contribuição é menor: 15 anos para ambos os sexos. Assim, essa é uma aposentadoria do trabalhador urbano mais pobre, que não conseguiu 35/30 anos para se aposentar por tempo de contribuição sem idade mínima.

Ela é a aposentadoria mais concedida em 2 estados: Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. A idade média é de 63 anos.

A irmã dela é a aposentadoria por idade rural. Desta vez a idade mínima é 5 anos menor: 60 para homem e 55 para mulher. O tempo de contribuição de 15 anos é trocado por tempo de trabalho rural.

Na maioria dos estados, é na verdade este o benefício de duração continuada mais concedido pelo INSS. São 16 estados: todo o Nordeste, os do Centro-Oeste (salvo Mato do Grosso do Sul e DF) e o do Norte (salvo Acre e Amapá).

A idade média é de 58 anos.

Perceba que à medida que vamos subindo no Brasil, em direção a regiões mais pobres, as idades médias de aposentadoria aumentam, assim como aumentam a importância de benefícios com idade mínima para se aposentar.

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Em regiões mais pobres, em que a carteira de trabalho não é a regra, os trabalhadores usam menos a aposentadoria por tempo de contribuição e mais modalidades com idade mínima.

Por fim, resta falar do benefício que é o mais concedido no Acre e no Amapá. É o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício operado pelo INSS e pago pela Assistência. Só pode receber quem vive abaixo da linha da pobreza e a partir de 65 anos (homem ou mulher), independentemente do tempo de contribuição. Veja que formalmente ele não é uma aposentadoria, mas na prática sim.

A idade média com que ele é concedido é de 66 anos. Este é, portanto, um benefício para o trabalhador mais pobre, que nem conseguiu os 15 anos de contribuição para a aposentadoria por idade. Ele é muito importante na região Norte, onde a atividade rural é incipiente e a aposentadoria rural não tem a importância da região Nordeste.

Agora fica mais fácil entender porque o catarinense se aposenta 3 anos antes da média nacional, ou 7 anos antes do que em Roraima. No gráfico abaixo, reproduzo as idades médias de aposentadoria em cada estado, considerando estes 4 benefícios: aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por idade urbana, rural, e BPC. Não trato de servidores ou militares.

Idade média de aposentadoria – 2014

Gráfico apresenta idade média de aposentadoria do brasileiro por estado em 2014.

Fonte: Estudo de Costanzi e Ansiliero (2014), do Ipea

 

Voltando à reforma da Previdência: faz mesmo sentido ser contra a idade mínima porque prejudicaria os trabalhadores das regiões mais pobres? Não: ao contrário, são eles que já possuem idade mínima.

Uma reforma pode reduzir a desigualdade vista no gráfico acima, se for focada na aposentadoria por tempo de contribuição. É o caso da atual versão da reforma da Previdência.

A emenda do deputado Arthur Maia (DEM-BA) não afeta as aposentadorias rurais ou o BPC, e só faz um pequeno ajuste na aposentadoria por idade urbana (em 2 anos, e só para mulheres). A principal mudança neste sentido é a criação da idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, de 55 anos para homens e 53 para mulheres, subindo ao longo de duas décadas até chegar a 65 e 62.

Já a versão original da proposta do presidente Michel Temer tinha menor potencial para reduzir a desigualdade de idade de aposentadoria, pois também elevava as idades dos outros benefícios, e a do BPC em até 70 anos.

E o tempo de contribuição, não faz diferença? Muitos se queixam da idade mínima, porque o tempo de contribuição deixaria de permitir uma aposentadoria antecipada, igualando quem contribui e quem não contribui. Não é verdade: o tempo de contribuição maior dá um valor de aposentadoria maior, mas não daria na reforma o direito de se aposentar antes.

Continua valendo a pena contribuir mais. No mundo todo é assim: quem contribui mais ganha mais, mas a idade para aposentadoria independe disso.

Assim, é mito dizer que a idade mínima prejudica o trabalhador mais pobre. Ao contrário, ela reduz a desigualdade entre os mais pobres e os mais ricos na hora da aposentadoria, e ainda permite que uma grande quantidade de recursos seja poupada para ser usada em políticas públicas para quem mais precisa delas.

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