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A ideia mais importante do ano – talvez, a do século
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Se, em dezembro de 2019, algum economista dissesse que o Brasil implementaria em 2020 um programa de renda mínima sem paralelo na história do país, ele seria chamado de maluco pelos colegas. Com razão. Críticas parecidas também seriam desferidas contra quem, em março de 2020, supusesse que o Brasil chegaria a níveis historicamente baixos de pobreza e desigualdade durante o ano da pandemia.

Quase todos no segundo trimestre – governo incluso - projetavam que o crescimento do PIB ao fim de 2020 seria o pior da série histórica do IBGE, iniciada em 1900. Bastaria a 2020 ter um crescimento do PIB menor do que os -4,35% registrados em 1990 e o recorde seria deste ano. Em junho, a mediana das previsões coletadas pelo Banco Central chegou a menos de -6,5%. Hoje, está -4,4%. É cada vez maior a probabilidade do PIB brasileiro crescer mais do que os -4,35% registrados em 1990.

Erros de economistas são frequentes em piadas famosas sobre a profissão. Por sinal, economistas são os principais divulgadores de erros dos seus colegas, usados como argumentos em debate. Eu vejo um problema nesta espetacularização do erro alheio. Alguns fenômenos econômicos são simplesmente impossíveis de serem previstos, mas mesmo assim as previsões geralmente são necessárias, e devem ser lidas por quem tem consciência das suas limitações. Ao invés de usar o erro como método de acusação, é mais útil observá-lo como mecanismo de aprendizado: o que os economistas foram incapazes de observar lá atrás?

Primeiramente, a pandemia não é um evento comum. Não estamos acostumados a sequer imaginar fenômenos com escala global e gravidade comparável, seja na minha geração ou nas duas anteriores. Modelos estatísticos, na prática, projetam variáveis futuras a partir da experiência passada. Em dezembro de 2019, a maioria dos economistas pensavam a política econômica de 2020 com referência nos anos imediatamente anteriores, quando auxílio emergencial e déficit público maior que R$ 800 bilhões eram hipóteses inimagináveis.

O que tornou possível aquilo que era inimaginável? A pandemia, claro. Mas também uma característica do auxílio emergencial: a rapidez e facilidade de implementação. Transferir dinheiro é mais fácil do que fazer obras ou prover serviços públicos.

A surpresa gerada pelo impacto social do auxílio emergencial é igualmente notável. Essa surpresa tem duas dimensões, uma micro e outra macroeconômica. Na dimensão microeconômica, observamos índices de pobreza sem paralelo com a história recente do país. É assustador imaginar o que pode acontecer depois do crescimento abrupto da pobreza que já começou a ocorrer e deve se aprofundar em janeiro de 2021.

Na dimensão macroeconômica, por sua vez, o auxílio parece ter tido um impacto notável no estímulo à produção. As rápidas recuperações do comércio e da indústria mostraram a capacidade de reação da economia brasileira às políticas de estímulo implementadas. A lentidão da retomada está concentrada no setor de serviços, e especialmente aos subsetores mais sensíveis às regras de distanciamento social, como o turismo.

E é por isso que, ali em cima, escrevo sobre a importância de ver os erros como mais do que uma desculpa para denunciar a incapacidade alheia. O fato de o auxílio emergencial ter sido mais fácil de implementar do que inicialmente projetado, e dos seus impactos terem sido mais profundos do que se esperava, deve ser o ponto de partida para uma nova avaliação deste tipo de política pública.

O ano de 2020 apenas serviu para consolidar, em diversos países, uma lição que o Brasil já ensinava ao mundo desde o início do século. O Bolsa Família, vale lembrar, também foi implementado com mais facilidade e rapidez do que se esperava, também com resultados que superaram as expectativas dos maiores otimistas. Nas últimas décadas, políticas de transferência se tornaram o xodó de muitos economistas. A ideia também tinha muitos defensores entre empresários do Vale do Silício, que temem a destruição de empregos por tecnologias disruptivas.

Dar dinheiro para as pessoas é uma ideia simples, mas incrivelmente efetiva e muito inteligente. Pode ser usada para estimular a economia em recessões, diminuir pobreza e desigualdade a baixo custo, para aliviar o impacto de alguma mudança no mercado de trabalho.

Também se trata de uma política mais estrutural do que parece: cada vez mais, os especialistas entendem que não basta dar acesso a educação e outros serviços para tirar indivíduos da pobreza; é importante ajuda-los a quebrar a chamada “armadilha da pobreza”, os efeitos colaterais da falta de renda. Igualmente, não se trata de uma ideia socialista, mas liberal. Nada ajudaria tanto a expansão do liberalismo no Brasil quanto garantir que todos os brasileiros sejam proprietários e se integrem no mercado – basta ler a tradição de socialistas que já criticou este tipo de programa por seu liberalismo latente.

Dentre tantas desgraças, a pandemia serviu para acelerar mudanças que já vinham ocorrendo no planeta. Trabalho remoto, ensino à distância, lives e afins não vão virar a regra, mas serão bem menos raros do que eram até 2019, pois fomos obrigados a nos acostumar com tudo isso. O mesmo deve ocorrer no campo da política pública. E a renda mínima deve ser uma tendência nesse novo mundo, permanecendo por muitas e muitas décadas além da pandemia.

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