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Imagem de satélite mostra fumaça do incêndio florestal Bootleg, no Oregon, EUA, 18 de julho| Foto: EFE/EPA/NASA/ Gazeta do Povo

Ideologias são tradições de prática e pensamento político, mas a prática e o pensamento nem sempre se alinham. No caso do conservadorismo, esse divórcio fica escancarado quando o assunto é meio ambiente. Basta comparar o filósofo inglês Roger Scruton, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Donald Trump.

Talvez o leitor já saiba, mas não custa lembrar: Scruton foi o grande nome do pensamento conservador nos últimos 50 anos. Em 2012, ele lançou o livro “Filosofia Verde”, publicado no Brasil pela É Realizações. Em resumo, ele pretendia formular as bases intelectuais de um ambientalismo conservador.

Não há qualquer contradição no termo. O autor aplica os princípios clássicos do conservadorismo aos problemas climáticos e ambientais do século 21. A prudência, por exemplo, é central tanto para o conservadorismo quanto para o meio ambiente.

Com o refino intelectual que marcou sua obra, Scruton observa que a prudência dos ambientalistas de esquerda nada tem a ver com a prudência dos conservadores. O capítulo 4, por exemplo, discute o princípio da precaução, cada vez mais usado no debate ambiental. Em geral, esse princípio aparece com tempero anticapitalista e sem qualquer medo da centralização estatal.

Como um dos exemplos, ele cita o modo bizarro como a Suprema Corte da União Europeia formulou o princípio da precaução para apoiar a decisão da Itália de banir alimentos transgênicos: “nenhuma tecnologia humana deve ser usada até que se prove inofensiva aos seres humanos e ao meio ambiente”. Em seguida, Scruton observa que a consequência lógica desta formulação é “proibir todas as inovações em tecnologia de alimentos ocorridas recentemente”.

Isto não significa, porém, que a causa ambientalista deve ser abandonada pelos conservador. Na verdade, como o autor bem observa, a causa poderia ser tipicamente conservadora, se bem entendida.

Lembrei de Scruton após a divulgação do último relatório do IPCC. Muitos conservadores leram as manchetes e não se importaram. Em geral, seguem um pensamento como o seguinte: “A Terra está aquecendo alguns graus? E daí? Basta assistir ‘Era do Gelo’ ou qualquer documentário sobre a história do planeta para saber que o clima na Terra já variou muito, mas o planeta vai bem até hoje.”

Em primeiro lugar, é importante lembrar que a Terra continuou existindo enquanto o clima variava, mas as espécies que habitam o planeta foram tragicamente afetadas. Nenhum cientista acredita que o desafio da crise climática é salvar o planeta. O desafio é salvar seres humanos.

Além disso, apesar das variações históricas, poucos sabem que os últimos 10 mil anos são marcados por uma estabilidade incrível no clima terrestre. Graças a essa estabilidade, as civilizações humanas se tornaram possíveis.

Quando a temperatura variava radicalmente, nossa espécie era nômade e vagava pela Terra. A estabilidade permitiu a invenção da agricultura, pois foi possível prever onde poderíamos plantar o quê. Consequentemente surgiram as cidades, a ciência e um incrível desenvolvimento da humanidade.

A crise climática põe em risco essa estabilidade. Estamos construindo um cenário sem precedentes na história das civilizações humanas. Os custos já são nítidos, inclusive no Brasil. A safra de grãos tem ficado cada vez mais imprevisível, gerando prejuízos bilionários aos produtores. Embrapa e setores mais modernos do agronegócio estão atentos ao problema. Ainda mais grave: cientistas alertam que, em breve, o primeiro deserto brasileiro pode surgir na região Nordeste.

Não precisamos salvar o planeta. Precisamos salvar a humanidade. Chega a ser difícil estimar o estrago potencial, dado o ineditismo deste cenário. Como um conservador ilustrado se depara com esse problema sem se desesperar? Onde foi parar o princípio da prudência?

De Scruton a Trump e Bolsonaro, vemos uma imensa diferença. Além de negar a crise climática cada vez mais escancarada, Trump e Bolsonaro chegam a incentivar o consumo de poluentes sem qualquer preocupação ambiental, diminuindo a tributação de combustíveis que emitem gás carbônico. É justo lembrar, porém, que líderes como o primeiro-ministro Boris Johnson, do Partido Conservador britânico, cuja postura é incomparável com a de Trump e Bolsonaro.

Quando os conservadores ignoram os princípios do conservadorismo, todos perdem. O próprio debate ambiental fica enviesado. As soluções discutidas são mais vulneráveis aos preconceitos de liberais progressistas e socialistas de diversas matizes. Infelizmente, as práticas deste novo conservadorismo se divorciaram do que há de melhor no pensamento conservador. O futuro da humanidade precisa desta reconciliação.

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