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Escolhas de Guedes favorecem dólar alto mesmo com queda no risco-país
| Foto: Bigstock

“É bom a gente se acostumar com juros mais baixos e câmbio mais alto por um bom tempo”, disse Paulo Guedes em entrevista. O ministro tem um bom argumento. Suas escolhas de política econômica favorecem a disparada do dólar – e ele sabe disso.

A taxa de câmbio é uma das variáveis econômicas mais difíceis de se prever. Afinal, trata-se de um preço. Se fosse fácil saber exatamente por que o dólar sobe e desce, seria muito fácil ganhar dinheiro em cima disso.

Sim, eu sei: as manchetes adoram explicações definitivas sobre o assunto. Se o dólar sobe, procuram uma notícia negativa, ou pelo menos geradora de incerteza – a soltura de Lula, turbulências pelo continente, as constantes polêmicas de Bolsonaro, as tergiversações de Guedes sobre o AI-5. Já em caso de queda, os apoiadores do governo correm para as redes sociais afirmando que a economia brasileira está no auge da sua credibilidade.

Esse tipo de análise não merece meio segundo do leitor. Associar a manchete de ontem à variação do dólar ontem nem é análise – é propaganda política ou jornalismo preguiçoso.

Essa incerteza não transforma a taxa de câmbio num assunto impossível. Trata-se apenas de um assunto difícil. Mas a teoria econômica, talhada por anos de evidências coletadas pelo mundo, já acumulou bastante conhecimento sobre o assunto.

A taxa de câmbio geralmente é expressa pela quantidade de reais necessária para comprar um dólar. Há muitas analogias possíveis com a quantidade de reais necessária para comprar um pão – isto é, a taxa de câmbio entre real e pão. Como todo preço, a taxa de câmbio entre real e dólares é determinada pela oferta e demanda. É preciso olhar principalmente para a demanda por uma moeda medida em termos relativos à demanda pela outra.

Para fins de simplicidade, três motivos principais movem a taxa de câmbio: decisões de política econômica, a percepção do mercado com relação ao risco inerente a uma economia (o famoso risco-país) e choques externos.

O risco-pais é o determinante mais intuitivo da taxa de câmbio. Se cresce a probabilidade do governo brasileira não honrar com seus compromissos, a demanda por reais tende a cair e o preço do dólar sobe. Narrativas militantes e manchetes desleixadas costumam atribuir toda a variação da taxa de câmbio a mudanças no risco-país, geralmente atrelando uma à outra através um acontecimento político recente.

Por sinal, fica a dica: nosso jornalismo econômico seria muito melhor se, em muitas manchetes, a taxa de câmbio fosse substituída pelo Credit Default Swap (CDS) associado a títulos da dívida brasileira. O CDS é um seguro contra calotes. O preço desse seguro é determinado pelo mercado. Por isso, o preço do CDS é uma medida muito melhor para quem quiser reportar mudanças no risco-país.

Para entender a relação o impacto da política macroeconômica na taxa de câmbio, vale a pena dividi-la em três esferas: fiscal, monetária e cambial. Você já deve ter lido essas mesmas expressões por aí.

Como estamos falando de variações na taxa de câmbio, a política cambial é obviamente relevante. Até porque, se for uma política de câmbio fixo, obviamente não há sequer variação para analisar.

No caso do Brasil, nós seguimos uma política conhecida como “flutuação suja”. Significa que a taxa de câmbio flutua, mas o Banco Central intervém para suavizar essas flutuações. O nível da taxa de câmbio a longo prazo, porém, depende dos fatores de mercado.

No caso da política fiscal, maiores gastos do governo tendem a pressionar o dólar para baixo. Estímulos ao mercado interno, com tudo o mais constante fora do país, aumentam a demanda por moeda interna, em relação à moeda estrangeira. Isto só vale, é claro, quando esse aumento de gasto não eleva significativamente o risco-país.

Foi o que aconteceu nos governos Lula e Dilma, por exemplo. Por muito tempo, a política fiscal estimulou a economia sem que o risco-país fosse impactado. O cenário externo favorável e a sustentação de superávits primários levaram a uma conjuntura de queda no risco-país durante aquele período. Nesse contexto, a política fiscal favoreceu um dólar baixo na última virada de década.

Na determinação da taxa de câmbio, a política monetária – isto é, as decisões do Banco Central – é de extrema importância. Não é surpreendente que a política do Banco Central do Brasil e do Federal Reserve, os bancos responsáveis pela emissão do real e do dólar, tenha relação direta com o preço do dólar medido em reais.

A taxa de juros que remunera os ativos denominados em uma moeda é fundamental para determinar a demanda por aquela moeda. Quanto maiores as taxas de juros praticadas no Brasil, maior será o interesse dos agentes econômicos em manter ativos denominados em reais, que são remunerados a juros brasileiros.

A diferença entre os juros internos e externos é crucial para determinar a variação da taxa de câmbio. Se a taxa Selic cai sem que exista um movimento proporcional nos Fed Funds (a taxa básica de juros dos EUA), os títulos denominados em real passam a ser remunerados por juros menores. Logo, cai a demanda por reais e o dólar sobe.

Durante os governos Lula e Dilma, a taxa de juros caiu, mas a diferença entre os juros internos e externos se manteve muito alta. Naquele período, os títulos da dívida pública brasileiros tinham percepção de risco abaixo da atual, mas os juros eram maiores. Em parte, isto ocorria porque a inflação era empurrada para cima pelos gastos públicos e precisava da taxa de juros para ser controlada.

Como resultado, havia incentivos para que as pessoas mantivessem ativos denominados em reais, e não em dólares, o que gerava pressões de baixa na taxa de câmbio entre real e dólar.

Atualmente, como o ajuste fiscal começa a abrir espaço para quedas nos juros, o retorno dos ativos denominados em reais está diminuindo, sem que exista diminuição proporcional nos ativos denominados em dólar. Isto explica por que o dólar tem subido – e por que a alta taxa de câmbio, na visão de Guedes, veio pra ficar.

Um último fator que deve ser considerado são os choques externos, como o boom das commodities. O preço dos produtos que o Brasil exporta cresceu bastante na última virada de década, o que trouxe dólares para o país, diminuindo a taxa de câmbio.

A análise de todas as escolhas de política econômica abordadas neste texto conta uma mesma história: atualmente, a política econômica favorece uma taxa de câmbio mais alta; nos governos Lula e Dilma, as escolhas favoreciam uma taxa de câmbio mais baixa.

A recente desvalorização do real significa que o impeachment fracassou? Muitos fiéis da teologia do golpe tem batido nesta tecla. E ela é importante, pois há diferenças gritantes entre a disparada do dólar no governo Dilma e a dos últimos dias.

Entre 2013 e 2016, os juros dos ativos denominados em reais subiram consideravelmente, mas não houve valorização do real. Isto porque, ao mesmo tempo, ocorria uma brutal elevação do risco-país. Quem criticou Dilma naquele período não reclamava apenas do dólar alto, mas de um governo cujas decisões irresponsáveis colocaram em dúvida a solvência do Estado brasileiro.

Atualmente, o oposto ocorre: o risco-país caiu consideravelmente ao longo dos últimos anos e os juros também. Até houve alguma elevação do risco-país após a soltura de Lula, mas ainda estamos muito longe dos tempos de impeachment. Ainda bem. É mais provável, portanto, que a alta do dólar desde o início deste ano tenha relação direta com a queda recente nos juros.

Este ponto é fundamental. Um dólar alto por elevação do prêmio de risco é necessariamente negativo. Já um dólar alto por conta de um novo equilíbrio macroeconômico pode ser sinal de saúde. Sinal de que a política econômica está chegando aos objetivos pretendidos. A indústria, machucada após anos de real valorizado, deve ganhar força nesse novo cenário.

Enquanto prosseguir a política de ajuste fiscal e afrouxamento dos juros, o dólar deve se manter mais alto do que nos últimos anos. Demonstrações de estabilidade institucional e a diminuição do clima de guerra na política certamente ajudariam a conter essa alta. Mas os principais fatores que levaram à recente desvalorização do real são estruturais e seguirão presentes nos próximos anos. Como disse Paulo Guedes, o dólar alto de fato veio para ficar.

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