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(Vitória da Conquista - BA, 23/07/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante Cerimônia de Inauguração do aeroporto Glauber Rocha.rFoto: Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Tarcisio Freitas durante cerimônia de inauguração do aeroporto Glauber Rocha, na Bahia| Foto: Alan Santos/PR

Nelson Rodrigues militava em favor das obviedades. “Só os profetas enxergam o óbvio”, como dizia o anjo pornográfico, maior dos nossos dramaturgos. O primeiro ano de governo Bolsonaro está acabando e o melhor que pode ser dito sobre o governo é o óbvio: há dois governos Bolsonaro. Um é péssimo, o outro é excelente. Um é Tarcísio Freitas, o outro é Ricardo Salles.

Não sou o primeiro a verbalizar esta análise. Gente comum, pelas esquinas de todo o país, diz o mesmo. As últimas pesquisas de opinião pública apontam uma tremenda desigualdade de popularidade entre os membros do governo. No último Datafolha, a Tarcísio Freitas (avaliação como ótimo/bom) é o único cuja aprovação supera o dobro da reprovação (ruim/péssimo). Salles está no outro extremo: é o único cuja reprovação supera a aprovação. Logo atrás de Abraham Weintraub, o ministro do meio ambiente é o segundo mais reprovado. No outro extremo, está Tarcísio, com a menor reprovação entre os ministros que fizeram parte da pesquisa.

A mesma avaliação aparece em ex-integrantes do governo, como Gustavo Bebianno, assim como no presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O governo de Salles é, em essência, o exato oposto do governo de Tarcísio.

Lulistas e bolsonaristas tem lutado contra o óbvio. Estes dizem que o governo do capitão é perfeito. Aqueles não aceitam diagnóstico que não seja de desastre completo. A verdade, como é usual, está no meio. Isto não significa que o governo foi genericamente marcado por erros e acertos. Algumas áreas do governo saem de 2019 com acertos imensos e resultados históricos. Outros foram marcados por erros crassos e resultados desastrosos.

Entre as boas novas, é possível citar o acordo entre União Europeia e Mercosul, a aprovação da reforma previdenciária, o envio de 3 PECs importantíssimas por Paulo Guedes ao fim do ano, o isolamento dos chefes do crime organizado em penitenciárias federais e a redução nos homicídios. Feitos de Moro e Guedes.

Os dois ministros mais famosos do governo entregaram feitos respeitáveis neste ano. Ambos aprovaram seus primeiros projetos na Câmara. A reforma previdenciária já foi finalizada, faltando apenas a inclusão de estados e municípios. O pacote anti-crime ainda precisa tramitar um pouco mais no Congresso, mas andou ao longo do ano.

Mas superministros também tiveram maus momentos. O plano de subsídios ao emprego de jovens é duro de engolir. Mas nada se compara à posição de Guedes no debate sobre reforma tributária, incompreensível com sua trajetória como economista. O ministro chegou ao ponto de defender a guerra fiscal do ICMS e propor a volta da CPMF com outro nome.

É por isso que Tarcísio se destaca como o grande ministro deste primeiro ano de governo. Seus colegas também tiveram bons momentos, mas Tarcísio se diferencia pela pequena quantidade de erros. A expansão da malha ferroviária, empurrada com a barriga desde o início do século 20, foi uma das grandes novidades de 2019. Além disso, as expectativas importam: Tarcísio era um desconhecido até o início do governo, enquanto Guedes e Moro eram vistos como portadores da esperança nacional. Hoje, é o ministro da infraestrutura quem simboliza a luz no fim do túnel. Seus resultados acima do esperado devem gerar doces frutos ao longo das próximas décadas. Mesmo com o governo quebrado, estamos caminhando bastante em alguns fronts da logística nacional.

Se Moro, Guedes e Tarcísio representam o melhor do governo, o oposto deve ser dito sobre Ricardo Salles e Ernesto Araújo. Os ministros do meio ambiente e das relações exteriores inclusive colocaram sob risco o acordo com a União Europeia. Com a fusão de ministérios, Guedes superou trincheiras protecionistas de Brasília para atender a algumas exigências dos europeus na negociação. Sob a liderança do secretário Marcos Troyjo, missão foi cumprida.

O problema é que também existem trincheiras protecionistas na Europa. Os pecuaristas locais, por exemplo, não ficaram muito felizes com a concorrência brasileira. Salles e Ernesto, por outro lado, trabalharam para fortalecer os opositores da integração comercial.

O Brasil já se comprometeu a combater o desmatamento amazônico em diversos acordos diplomáticos. No meio do ano, Salles demitiu Ricardo Galvão, presidente do INPE, por divulgar números que sinalizavam um aumento expressivo do desmatamento neste ano. Disse que os números, baseados em medições preliminares, eram sensacionalistas e não representavam a realidade.

Quando os dados oficiais e precisos saíram, apareceu o maior crescimento do desmatamento amazônico neste século. No lugar de planos de ação para cumprir o que prometemos ao mundo, Salles entregou desculpas esfarrapadíssimas. No máximo, diz que está cuidando de temas como o saneamento – sem contar que seu primeiro ato foi passar a Agência Nacional de Águas, nova responsável pela regulação da água e esgoto, para o comando do ministério de Osmar Terra. É sintomático que os técnicos do meio-ambiente sejam demitidos enquanto os técnicos da infraestrutura comandam o ministério com autonomia -Tarcísio, engenheiro com longa experiência no tema, é um deles.

O desastre no meio ambiente teria sido menor se um chanceler respeitável trabalhasse para melhorar a imagem do Brasil pelo mundo. Porém, o Itamaraty tem sido comandado por um diplomata pouco diplomático. Ao invés de resolver conflitos, Ernesto cria novos. Ao invés de diminuir a temperatura em parlamentos europeus, facilitando a aprovação rápida do acordo comercial, Ernesto deu motivos para a oposição. A esquerda francesa, por exemplo, perdeu qualquer pudor e se aproximou do PT em meio à confusão que nos metemos junto a uma nação amiga.

Assim como as praias do Nordeste, o governo teve um 2019 marcado por substâncias que não se misturam – água e óleo, picaretagem ideológica e seriedade. Dada a incompatibilidade entre ambas, é esperado que uma dessas duas forças predomine a médio prazo. Torço para que o presidente use o primeiro ano de governo para seguir a máxima que dá título a esta coluna. Um futuro com mais Tarcísio e menos Salles colocaria Bolsonaro como um dos melhores governantes da história do nosso país. Caso o contrário prevaleça, é bom aproveitar o natal para renovar as orações. O Brasil vai precisar delas.

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