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Paulo Guedes prioriza a reforma da Previdência para garantir o apoio do mercado – ao menos foi o que informou a Folha de São Paulo, inclusive dando à notícia o espaço de maior destaque na página inicial do jornal. Acompanhei com morbidez o sucesso da matéria, seus compartilhamentos e repercussão, porque vi ali um exemplo bem acabado do que há de errado no jornalismo econômico brasileiro.

O uso desleixado do termo “mercado” já é um clássico do jornalismo nacional. Imagino que o mancheteiro tivesse o mercado financeiro em mente, mas o mercado financeiro está longe de ser “o mercado”.

A citação ao “mercado” é fruto e consequência da falsa imagem que impera na visão econômica de muitos brasileiros, que entendem a política macroeconômica como relações de cunho pessoal entre o presidente e empresários. O debate econômico já costuma ser reduzido à escolha entre ricos ou pobres. As referências ao tal “mercado” – além de imprecisas, porque nenhuma instituição real é “o mercado” – reforçam essa ideia de política econômica personalista como agrados do presidente a empresários.

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A popularidade provavelmente se deve à utilidade da expressão: tascar “o mercado” numa manchete é uma ótima forma de fingir notícia interessante onde não há. Se o jornalista discorresse sobre os fatores que fizeram o dólar cair e bolsa subir, a notícia seria muito menos atrativa. Concessões do presidente a malvados sem rosto são um modo muito melhor de contar uma história chata sem citar números. Não há apenas o uso vagabundo de uma palavra importante, mas um instrumento consciente para dar a certas notícias uma relevância que elas não têm.

Os problemas não param por aí. Quando uma notícia destaca que Bolsonaro está escolhendo a reforma da Previdência como prioridade, é possível contar uma mentira através de verdades. De fato, é uma prioridade para Bolsonaro. Mas em que medida ele escolheu o assunto?

Todos os presidentes eleitos na Nova República tentaram reformas da Previdência. Ainda em 2015, Dilma Rousseff transformou a reforma em agenda central, no que foi seguida por Michel Temer. Isso ocorre porque, como bem sabe qualquer um que abriu o orçamento, a Previdência já consome mais de metade das receitas federais, um percentual que cresce descontroladamente e já inviabilizou a gestão pública nacional. Reformar a Previdência é a única prioridade possível para qualquer presidente do Brasil. Bolsonaro escolheu ser candidato, o povo o escolheu como presidente e a partir daí não houve mais escolha porque a Previdência se impõe como principal desafio.

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Mesmo aceitando que Bolsonaro e Guedes escolheram essa prioridade, é igualmente bizarro acreditar que agrados ao mercado foram decisivos. Novamente, essa avaliação só é possível a quem desconsidera a dimensão do problema previdenciário.

Analisando as múltiplas dimensões de erro da manchete, me veio à cabeça uma teoria geral do mau jornalismo econômico brasileiro. Há um mesmo padrão perpassando essas manchetes igualmente ruins e frequentes.

Em geral, o ponto de partida é algum número – pontual, curtoprazista, geralmente pouco relevante no contexto geral dos problemas nacionais. O número pode vir de variações da bolsa, resultados de desemprego e PIB, variações em preços específicos e uma série de indicadores que saem recorrentemente. A utilidade desses indicadores está nas análises de longo prazo que eles permitem. Mas a imprensa é sedenta e gosta de publicar cinco pautas sobre o resultado de uma PNAD Contínua, mais cinco sobre altas da Bolsa e, dessa produção massificada, com objetivo de extrair o maior número de manchetes a partir de dados oficiais, nascem matérias terríveis e cheias de erro.

O destaque excessivo a números de curto prazo se combina aos vieses dos jornalistas, inconscientemente expressos quando eles tentam espremer notícia onde não há. Essa combinação gera uma quantidade incrível de reportagens pouco substantivas e repletas de erros ideologicamente motivados, sempre na mesma direção.

A combinação entre números irrelevantes e jornalismo ideologicamente preconceituoso é destrutiva, porque os números permitem que o mau jornalismo não pareça tão ideologicamente preconceituoso à primeira face. Assim nascem, por exemplo, as manchetes relacionando supostos aumentos de desemprego à reforma trabalhista.

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No exemplo, o número irrelevante foi a variação da Bolsa após Bolsonaro ter dito que priorizaria a reforma da previdência. Quem disse que uma declaração causou a subida? Quem estabeleceu a causalidade entre fala e valorização de ativos nacionais? Quem cogitou os outros significados possíveis desse número, observando quais papéis cresceram e quais outras notícias os afetaram? Ninguém, por isso trata-se de um número irrelevante.

Por outro lado, por que a notícia sugere que Bolsonaro e Guedes priorizam a Previdência por opção? Por que sugere que é para agradar o mercado, como se fosse fruto de negociatas? Por que o uso meio esculhambado da palavra “mercado”? Essas e outras perguntas, em geral, revelam erros numa mesma direção ideológica.

Com tanta atenção a manchetes caça-cliques baseadas em preconceitos e números irrelevantes, falta espaço para discussões estratégicas sobre o futuro do país. Nosso jornalismo econômico falha ao não discutir grandes temas, salvo em entrevistas. Assim, ficamos presos à mesquinharia diária. Sem substância, o debate público não avança.

As editorias de economia deveriam iluminar os temas e debates relevantes ao futuro do país. Se dependermos delas, parece que vamos continuar no escuro.

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