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Mansueto Almeida disse, nesta semana, que a reforma tributária do governo será apresentada em breve
Mansueto Almeida disse, nesta semana, que a reforma tributária do governo será apresentada em breve| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

No dia 30 de maio de 2019, o secretário da Receita Federal prometeu que o governo enviaria sua reforma tributária em 20 dias. No início desta semana, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, renovou a promessa: segundo ele, a proposta do governo será enviada ao Congresso entre o fim de julho e o início de agosto. Se Mansueto cumprir o que prometeu, o atraso superará 420 dias.

A urgência do tema não pode ser subestimada. A reforma da Previdência era a mais importante para que o Brasil não quebrasse. A reforma tributária, por outro lado, é a mais importante para o país crescer a taxas minimamente aceitáveis.

Dos 12 índices que compõem o ranking do Banco Mundial sobre facilidade de fazer negócios, a pior posição do Brasil se refere ao pagamento de impostos: somos o 184º entre 190 países. Somente Congo, Bolívia, República Centro-Africana, Chade, Venezuela e Somália aparecem em pior posição. Já no índice de complexidade tributária, onde 100 países são avaliados por universidades alemãs, o Brasil aparece na 100ª posição, lanterninha.

Já tem gente prestando no assunto há muito tempo. O economista Bernard Appy, por exemplo, passou os últimos 10 anos formulando uma proposta de reforma tributária, conversando com os principais agentes políticos e empresariais preocupados com o assunto.

A proposta de Appy, elogiada por gente de todo o espectro políticos, inclusive por Paulo Guedes, e já tramita no Congresso. Trata-se da PEC 45. Além de elogiar o projeto, Guedes convidou a tributarista Vanessa Canado, uma das autoras da proposta, para assessora-lo.

Apesar de simpatizar com a PEC 45, o ministro da Economia travou o debate ao insistir na criação de um novo tributo sobre transações financeiras, que na prática seria uma nova CPMF. A ideia enfrenta forte resistência na sociedade. Ao insistir numa proposta ruim e impopular, Guedes pediu que o Congresso interrompesse a tramitação da PEC para esperar a sua versão de reforma tributária. Como resultado, o projeto está parado desde o ano passado.

Paulo Guedes marcará o maior golaço de sua gestão se, nas próximas semanas, desistir do tributo sobre transações e abraçar a PEC 45. Para isso, será preciso contrariar um grupo de empresários chamado Brasil 200, comandado por Flávio Rocha, dono da Riachuelo. Rocha é um opositor ferrenho da PEC 45. Ele acredita que, com a cobrança de uma alíquota para todos os bens e serviços produzidos na economia brasileira, comerciantes vão pagar mais impostos. Bobagem: o ganho resultante da simplicidade, especialmente pelo fim dos processos judiciais decorrentes de incertezas sobre quais alíquotas incidem em cada produto, superará qualquer aumento de alíquota. Flávio Rocha, assim como outros empresários governistas ligados à causa, precisam pensar mais no país e confiar na ciência econômica.

Nas últimas décadas, os economistas tem dado importância crescente ao princípio da neutralidade tributária, segundo o qual impostos não devem distorcer as decisões dos empreendedores. Em outras palavras, esse princípio indica que o empreendedor deve se manter 100% focado em atender os interesses do cliente com a maior produtividade possível. No momento em que sua atenção se desvia para a legislação tributária e benefícios concedidos arbitrariamente a setores escolhidos, abre-se um terreno fértil para a corrupção e ineficiência.

No Brasil, a construção de um prédio no canteiro de obras paga alíquotas inferiores à da construção com pré-moldados. Esse é um dos muitos exemplos nos quais o sistema tributário incentiva a adoção de métodos de produção atrasados. É economicamente absurdo que um empreendedor consiga aumentar sua lucratividade através da diminuição da própria produtividade.

As vantagens possibilitadas pelo modelo da PEC 45 incluem também a desoneração da indústria, o mais taxado dos setores – nossa desindustrialização não ocorre por acaso. Além disso, investimentos e exportações seriam isentos de impostos. Com a adoção de um impostos sobre o valor agregado, que permite ao empreendedor abater os tributos pagos pelos seus fornecedores em estágios anteriores do processo produtivo, o sistema criaria excelentes incentivos para a formalização da economia.

Ao invés de piorar um projeto muito bem pensado, o Ministério da Economia deveria focar suas alterações em encurtar a transição de 10 anos prevista na PEC. Assim, o impacto positivo na produtividade nacional virá mais cedo, presente muito bem vindo a um país que cresceu tão pouco nas últimas décadas.

A proposta do governo será desastrosa se acabar com a neutralidade da proposta, rompendo com o modelo que prevê uma alíquota para todos os bens e serviços. Caso existam duas alíquotas, uma das grandes vantagens do projeto se perde. Correremos o risco de voltar à situação atual, na qual o STJ perde anos discutindo se pão e farinha de rosca (pão dormido e triturado) devem pagar a mesma alíquota de PIS/Cofins.

Num cenário de polarização cada vez mais intensa, acredito que vale a pena discutir o projeto desde já, falando mais sobre política pública do que sobre pessoas públicas. Assim, já indico ao leitor o que me fará elogiar ou criticar a proposta quando (e se) ela for apresentada.

O pior pecado que o governo pode cometer é atrasar ainda mais o projeto, tratando o Brasil como um país que pode esperar mais um ano até discutir seu sistema tributário disfuncional. O segundo pior pecado seria ignorar o princípio da neutralidade tributária, um assunto que parece árido à primeira vista, mas é infinitamente mais importante do que todas as polêmicas vazias que geram comentários raivosos e povoam os trending topics neste momento.

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