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Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR| Foto:

O governo Bolsonaro, brasileiro como é, começa pra valer depois do carnaval. Até aqui, vimos apenas a perfumaria. Em 20 anos, ninguém vai lembrar direito do plagiário nomeado para dirigir o INEP, do maquiador gay que apoia Bolsonaro, da indicação de Ilona Szabó, do discurso do presidente em Davos, das piadas sobre guarda-chuva e fuzil ou da delação de Palocci.

Reconhecer isso pode ser frustrante para quem já gastou horas discutindo essas polêmicas. É o meu caso. Provavelmente também é o seu, leitor politizado. Mas só agora, depois do carnaval, saberemos como Bolsonaro entrará para a história. Até agora, vimos só o ensaio.

Bolsonaro será visto como o presidente que reorganizou o país após uma década perdida, dando início a uma Nova Era? Ou terminará o mandato conhecido como um presidente fracassado, impopular e inábil?

Muita gente encaixa FHC e Lula na primeira classificação. Considerações éticas a parte, ambos entregaram um país mais pujante do que encontraram. Dilma e Collor fizeram o contrário e são exemplos quase unânimes de presidentes fracassados, impopulares e inábeis.

Essencialmente, o que diferenciou Lula e FHC de Dilma e Collor foi, essencialmente, o sucesso que tiveram em seus ajustes fiscais. A gente é tão bagunçado que todos os governos têm as contas públicas entre suas maiores preocupações.

FHC criou o Tripé Macroeconômico, diretrizes que guiaram o Brasil, com sucesso, por mais de dez anos. Lula teve sucesso no pesado ajuste fiscal do início de seu governo, promovido pela dupla Palocci-Meirelles – que, ao longo do governo, perdeu espaço para irresponsáveis como Dilma e Mantega.

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Dilma gastou o que não tinha, fraudou as contas públicas e, quando tentou ajustar as contas, foi chutada do poder. Collor tentou debelar a inflação congelando poupanças antes de controlar o déficit fiscal – e deu no que deu.

Por mais que um assunto tão árido não apareça na boca do povo, a gestão das contas públicas foi crucial para a imagem histórica dos governantes na Nova República. Bolsonaro, que assume o país numa situação fiscal especialmente complicada, não deve fugir à regra.

Durante as eleições, o plano de governo do presidente não detalhava como o ajuste seria feito. Havia a promessa de capitalização para a previdência social, sem explicação detalhada sobre a transição entre os regimes. Não foi por acaso.

Como diria Carlos Andreazza, a vagueza do plano de governo tinha método: ao falar apenas sobre capitalização, Bolsonaro evitava qualquer detalhe que implicasse em perdas para o eleitor: aumentos na idade mínima, no tempo de contribuição e na contribuição previdenciária são péssimos assuntos pra quem precisa pedir voto.

Tudo calculado. Economistas sérios já sabiam, desde a campanha, que tais assuntos indigestos seriam inevitáveis. O setor privado abraçou Bolsonaro justamente por isso. Paulo Guedes, com suas credenciais liberais, enfrentaria o necessário quando seu chefe não precisasse mais de voto.

A resposta veio na semana passada, em momento especialmente complicado. Atingido pelo caso Queiroz, o presidente começa o mandato com popularidade mais baixa do que seus antecessores tinham na mesma altura do campeonato. Foi nesse contexto indigesto que Bolsonaro apresentou sua reforma da previdência.

Pessoalmente, gostei do texto. Há uma melhoria aqui e outra ali que pode ser necessária. Considero a proposta de reforma previdenciária apresentada por Bolsonaro como uma resposta séria e dura, proporcional à dimensão catastrófica que o problema assumiu. Mas importa mesmo o que vai passar no Congresso, se passar.

É agora, no debate parlamentar que se inicia na próxima semana, que Bolsonaro vai definir como entrará para a história. Se aprovar uma reforma mais ou menos como propôs, terá um cenário muito favorável no front econômico.

Pelo nível atual do debate, há motivos para temer o futuro. Muitos parecem crer que o problema da previdência está apenas em privilégios de servidores – o que não é verdade, como já argumentei noutra coluna. Confirmada a impressão, os cortes que atingem brasileiros comuns serão fortemente combatidos. E os servidores, como sempre, terão um forte lobby trabalhando a seu favor.

Com juros estáveis num patamar baixo e contas públicas controladas, o crescimento econômico deve se acelerar, assim como a geração de poupança e atração de investimento. Resultado: menos inflação, menos desemprego e mais dinheiro no bolso de quem tem voto.

No outro futuro possível, a reforma fica no papel ou passa em versão desidratada. Nesse caso, mantido o caos fiscal, a imagem futura de Bolsonaro deve ficar mais parecida com as de Dilma, Sarney ou Collor.

A diferença entre uma coisa e outra se definirá pela reação dos eleitores de Bolsonaro ao texto da reforma. Se o bolsonarismo for principalmente um fruto da consciência nacional sobre os erros econômicos petistas, a tarefa será mais fácil. Num cenário onde os apoiadores do presidente se importam só com a pauta anticorrupção e conservadorismo nos costumes, sem grande simpatia por cortes na previdência, há bom motivo para medo.

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Infelizmente, saudar Carlos Alberto Brilhante Ustra traz menos impopularidade entre a direita do que aumentar a idade mínima de aposentadoria. Mas, caso o bolsonarismo não apoie incondicionalmente o presidente na batalha que se inicia agora, pode ser um tremendo tiro no pé.

Um presidente popular, num país onde há desemprego baixo, talvez consiga enfrentar as outras batalhas que a direita exige, contra o crime, a corrupção e as ditaduras de esquerda do continente. Por outro lado, sem dinheiro no bolso do eleitor, os ataques da imprensa serão mais efetivos e o governo tende a fracassar em sua pauta ideológica.

Se tiver maturidade política, o bolsonarismo deveria tampar o nariz caso discorde da proposta de reforma, e apoia-la para ter maior sucesso no resto de sua agenda. O mesmo poderia ser dito sobre a esquerda: se tiver maturidade política, saberá que não dá para brincar com o futuro das contas públicas, e que a batalha anti-Bolsonaro deve se dar noutro front, ainda que seja mais duro.

Ao brasileiro consciente do problemão que nos espera, resta esperar maturidade política dos nossos direitistas e esquerdistas. Acho que é mais fácil torcer pelo Vasco.

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