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Uma lição fundamental sobre pesquisas eleitorais: elas medem intenções de voto – e intenções mudam muito.
Uma lição fundamental sobre pesquisas eleitorais: elas medem intenções de voto – e intenções mudam muito.| Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo

Como podemos analisar as pesquisas eleitorais sem sermos enganados por falhas técnicas ou fraudes de um ou outro instituto? Como ler os números sem enganarmos a nós mesmos? Há muitas décadas, estatísticos dedicam-se a estudar o assunto.

Nesta coluna, resumo alguns passos básicos para quem pretende analisar pesquisas eleitorais respeitando a ciência. Não há muita controvérsia sobre o que escrevo: é o bê-a-bá presente em muitos livros de estatística e análise eleitoral. Como a relevância desses passos vai além das eleições brasileiras de 2022, não há comentários sobre o cenário da próxima eleição no início do texto.

Como sei que o leitor não gosta de quem fica em cima do muro, dou minha opinião ao fim, aplicando os passos anteriores numa breve análise sobre o que temos pela frente.

1) Uma pesquisa com 2 mil eleitores é mais relevante do que uma enquete virtual respondida por 1 milhão de eleitores ou um vídeo no qual certo candidato é abraçado por uma multidão

Há séculos, seres humanos estudam as conclusões que podemos tirar sobre uma imensa população a partir de uma pequena amostra aleatória. Ouvindo poucos milhares de brasileiros escolhidos aleatoriamente, é possível tirar conclusões confiáveis sobre os mais de 100 milhões de eleitores, desde que considerada uma margem de erro.

Por outro lado, um vídeo reflete a decisão consciente do político que decidiu visitar certa região e do público que decidiu sair de casa para recepcioná-lo. A enquete, por sua vez, retrata quem a divulgou, a parcela da população que tem acesso a internet e quem decidiu participar dela. Portanto, são amostras não aleatórias.

Não é uma diferença técnica irrelevante. Uma grande amostra não aleatória é pouco confiável para quem deseja tirar conclusões sobre a população, mesmo quando comparada a uma pequena amostra aleatória.

Institutos de pesquisa são obrigados por lei a divulgar a estratégia que adotaram para garantir que sua amostra é aleatória. Esta estratégia também é estudada por estatísticos em todo o mundo.

Por desonestidade ou falha técnica, erros são perfeitamente possíveis. É aí que entra o segundo passo.

2) Para analisar a realidade, é preciso olhar para vários institutos

Quando olhamos para números de uma pesquisa, nossa análise fica vulnerável às falhas do instituto responsável por ela. Por isso, a maioria dos estatísticos e analistas políticos prefere olhar para várias pesquisas ao mesmo tempo.

Na imprensa internacional, é cada vez mais comum apresentar médias das várias pesquisas realizadas. A imprensa brasileira ainda engatinha nesta boa prática, mas alguns veículos como o Poder360 e Jota já criaram ferramentas para agregar resultados e apresentar tendências gerais.

No passado, o eleitor brasileiro precisava confiar em poucas fontes, especialmente Datafolha e Ibope (que recentemente mudou seu nome para Ipec). Hoje, a diversidade de institutos é muito maior. Temos também as pesquisas da Ipespe, PoderData, MDA, Atlas Político, Quaest, Paraná Pesquisas, Idea BigData e outras ainda devem surgir no ano que vem.

Mesmo que um desses institutos seja desonesto para beneficiar um candidato, é muito improvável que todos sejam. Igualmente, se um instituto comete um erro técnico, é virtualmente impossível que todos cometam o mesmo erro ao mesmo tempo, até porque as metodologias são diferentes.

3) Pesquisas medem intenções de voto – e intenções mudam muito

Só um tipo de pesquisa tenta prever o resultado da votação: a boca de urna, realizada no dia da eleição. Todas as outras são um retrato do momento e medem intenções de voto. Há uma diferença imensa entre voto e intenção.

Intenções mudam, especialmente quando há tempo para a mudança. As pesquisas recentes inevitavelmente são diferentes do resultado que virá em outubro de 2022.

Em geral, os candidatos mais conhecidos pelo eleitorado vão melhor nas pesquisas realizadas com antecedência. Outro ponto relevante é que os próprios eleitores mudam suas intenções conforme o resultado das pesquisas.

Sendo assim, uma pesquisa atual que mostra Lula à frente de Bolsonaro não indica que Lula vai vencer. Mesmo que a pesquisa esteja correta, podemos apenas concluir que a intenção de voto no petista é maior que a intenção de voto no atual presidente. Daqui até outubro de 2022, muitas águas vão rolar.

4) Há mais do que intenção de voto nas pesquisas eleitorais

Lembro que, em nossos programas de vídeo comentando as eleições de 2018 nesta Gazeta do Povo, o analista político Márcio Coimbra afirmava com segurança que os resultados referentes ao segundo turno só seriam relevantes quando o segundo turno estivesse próximo. Foi o que ocorreu: muitos eleitores não sabiam responder em quem votariam, mas passaram a declarar intenção de voto em Bolsonaro nas últimas semanas de campanha do primeiro turno.

Márcio acertou porque foi capaz de notar o que muitos não notaram: o sentimento antipetista era dominante naquela eleição. Este resultado também estava nas pesquisas eleitorais, mas recebia menos destaque nas manchetes e debates.

Em eleições como a de Minas Gerais e Rio de Janeiro, os candidatos mais conhecidos eram impopulares e a população demonstrava um desejo de mudança. Wilson Witzel e Romeu Zema, impulsionados pelo apoio dado a Bolsonaro, passaram a crescer nas pesquisas e foram abraçados pelo eleitorado. Esse ciclo se retroalimentou e garantiu um imenso crescimento aos dois nos últimos dias de campanha. No fim, ambos foram eleitos governadores.

5) Nem tudo que é relevante está nas pesquisas

O resultado das eleições de 2022 depende do que vai acontecer nos próximos 14 meses. Qual será o desempenho da economia? Desemprego e inflação vão continuar altos? E a pandemia, como vai evoluir? O mesmo pode ser perguntado sobre outros indicadores relevantes.

Tudo isso é fundamental para entender a evolução das pesquisas nos próximos meses. Por isso, há um grande grau de incerteza. Não importa o resultado indicado pelas pesquisas: as eleições estão abertas, pois ninguém tem certeza sobre o que ocorrerá no futuro.

O que essas 5 lições dizem sobre 2022?

É seguro afirmar que Lula está na frente de Bolsonaro, dado que todos os  institutos de pesquisa chegam ao mesmo resultado por metodologias diferentes. Negar isso é aderir a teorias da conspiração absurdas, segundo as quais diversas empresas se articulam para beneficiar o PT. Essa crença é tudo o que Lula precisa para confirmar seu favoritismo, pois induz o bolsonarismo a adotar uma estratégia sem conexão com a realidade.

Ainda mais importante, todos os institutos mostram uma larga vantagem do petista. No primeiro turno, Lula tem 40% das intenções de voto na recém-divulgada pesquisa XP/Ipespe e 46% no último Datafolha. Bolsonaro, por sua vez, tem menos de 30% das intenções de voto em quase todas as pesquisas.

Também é seguro afirmar que Bolsonaro nunca foi tão impopular. Na pesquisa XP/Ipespe desta semana, a aprovação ao presidente registrou o menor valor desde o início do mandato. O agregador de pesquisas do portal Jota nos leva à mesma conclusão.

Isto é o que podemos afirmar com segurança. A partir daí, quando observamos o que pode ocorrer, a incerteza é maior. Ainda assim, as perspectivas eleitorais do atual presidente parecem péssimas.

Na semana passada, o Banco Central comunicou que deve perseguir uma taxa de juros acima do nível neutro, pois precisa controlar a inflação. Traduzindo do economês pro português, o BC deve aumentar a taxa Selic e desaquecer a economia num momento de extrema fragilidade, o que provavelmente beneficiará opositores de Bolsonaro e prejudicará o presidente.

No front econômico, também é importante observar se Bolsonaro conseguirá aprovar o Auxílio Brasil (novo Bolsa Família) e outros projetos que visam aumentar a popularidade do governo. Não sabemos se a estratégia dará certo, mas é o que o governo vem tentando fazer.

Se as eleições de 2018 foram marcadas pelo antipetismo, as pesquisas indicam que as eleições de 2022 serão guiadas pelo sentimento antibolsonarista. O movimento antipetista se esfacelou em meio à brigas entre o presidente e outras forças políticas. Este é outro fator que deve ser relevante em 2022.

Tudo indica um cenário muito negativo para Bolsonaro. O presidente tem tempo de reagir, mas muitos dos seus apoiadores se negam a acreditar nas pesquisas, apegando-se a enquetes e vídeos que circulam no WhatsApp. A postura anticientífica do bolsonarismo, que insiste em negar evidências desagradáveis, está abrindo espaço para a volta do PT.

Este é um aviso presente em muitas das minhas colunas anteriores e vem sendo confirmado pela realidade. Muita água ainda vai rolar, mas a direção da maré claramente beneficia Lula.

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